Manuel
Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Portugal
tem registado uma forte criação de emprego e isso é muito positivo. Observa-se,
contudo, um ligeiro recuo da taxa de atividade, o que é negativo. O crescimento
do Produto Interno Bruto (PIB) que se regista desde o primeiro semestre de 2014
e se tem robustecido nos dois últimos anos, resulta fundamentalmente do aumento
do emprego e não da obtenção de ganhos da produtividade o que, não deixando de
ser positivo no imediato, pode ser comprometedor para o futuro. Estes são três
aspetos relevantes que um estudo do Observatório sobre Crises e Alternativas1
traz para reflexão, analisando de forma consistente as mudanças estruturais que
estão a acontecer no nosso país, no quadro da atual recuperação económica.
Os
autores deste estudo fazem uma muito oportuna observação da ubiquidade do
conceito produtividade, que merece transcrição integral: "A produtividade
do trabalho é frequentemente tomada como uma medida de esforço e da competência
de cada trabalhador. É certo que a produtividade pode depender do esforço e da
competência. Mas, se dependesse só disso, como se explicaria que o setor
financeiro em Portugal fosse várias vezes mais produtivo do que a agricultura?
Ou como se explicaria que um barbeiro sueco fosse muito mais produtivo do que
um barbeiro português, mesmo tendo em conta as diferenças de poder de compra
entre os dois países? Essas diferenças não dependem certamente de
características culturais ou inatas de diferentes povos. Em rigor, a
produtividade devia ser medida pela quantidade de um bem produzida por unidade
de tempo (hora, semana, mês, ano). Mas na realidade, o que é medido nas
estatísticas é o valor médio criado numa hora, semana, mês, ano, por um
conjunto de trabalhadores que pode ser constituído por todos os trabalhadores
de um país, de um setor ou de uma fábrica".
No
quadro nacional e internacional que estamos a viver, o incremento do turismo,
da reabilitação urbana e de alguns novos serviços - que de forma direta e indireta,
no essencial, estão associados ao incremento dessas atividades - constitui a
base da recuperação económica alcançada.
Estes
setores, no seu perfil atual, têm baixos níveis de produtividade, pelo que
reforçam a amplitude da componente da economia portuguesa com baixo potencial
de criação de valor acrescentado, e logo, não potenciam a mudança qualitativa
da matriz de desenvolvimento do país. Sendo positivo o seu efeito imediato,
quer para a criação de emprego, quer para a redução do desemprego, é agora
imperioso apostar na evolução qualitativa desde logo do turismo, e encetar um
debate cuidadoso e profundo sobre políticas de habitação, de organização das
cidades, de desenvolvimento em todo o território nacional. Mesmo estes
esforços, por muito bem conduzidos que sejam, não chegarão para encarar e
vencer os grandes desafios do futuro do país, que queremos ver a recuperar
população, a merecer a confiança dos jovens para que aqui construam vidas e
famílias em condições de dignidade e felicidade.
Portugal
precisa de políticas económicas estratégicas onde a industrialização e novos
serviços associados surjam com pujança.
Os
ganhos obtidos nos setores que têm estado a crescer devem ser canalizados para
os requalificar e para diversificar a economia. O Governo deve empenhar-se em políticas
de investimento público com objetivos muito concretos de resposta a
necessidades prementes das populações, e para puxar pelo investimento privado.
Para
que haja ganhos de produtividade e o país se desenvolva, as políticas têm de
ser estratégicas e não de mero ajustamento a circunstâncias. Diversificar a
economia, apostar no investimento, na inovação e na indústria, na qualidade do
emprego e em melhores salários, na revitalização mais equilibrada do sistema de
relações coletivas de trabalho e numa modernização da Administração Pública que
tenha por enfoque as pessoas, colocar o sistema financeiro ao serviço destas
políticas, são desafios prementes a prosseguir em simultâneo. Por aí, a
sociedade portuguesa mobilizar-se-á.
1
Barómetro das Crises n.º 17, disponível em:
http://www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt/
*
Investigador e professor universitário
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