Surgem
novamente as surpresas e a situação política em Timor está outra vez em
ebulição.
Carla
Luís* | Público | opinião
A
União Europeia apresentou recentemente as suas conclusões sobre a Missão de
Observação Eleitoral (MOE) a Timor-Leste, nas legislativas de Julho. Em
síntese, há que reforçar o controlo do financiamento das campanhas, uma lacuna
que persiste há anos. Os media têm também de ser regulados, para uma
cobertura mais equilibrada das candidaturas. Por último, e de forma alguma de
menor importância, a Comissão Nacional de Eleições tem de ter os seus poderes
reforçados — invertendo o sentido da reforma legislativa de 2015-16, que
reduziu ainda mais o poder deste órgão, acentuando a sua dependência das
instituições de poder.
As
eleições legislativas de Julho foram livres, justas e democráticas, salienta
também a MOE. Este será talvez um dos pontos centrais a reter, destacando o
progresso assinalável que Timor tem vindo a fazer neste sentido. O país
tornou-se independente em 2002, após a Consulta Popular levada a cabo pela ONU
em 1999. Foi também a partir desta data que sucessivas missões da ONU
permaneceram no país. O objectivo era garantir a paz, mas também (re)construir
um país que emergia praticamente das cinzas. Dotado de uma sociedade civil
muito forte, nomeadamente instâncias e autoridades tradicionais, o mesmo não se
podia dizer do Estado democrático, o qual urgia desenhar.
Em
pouco mais de uma década, a conquista é notável. Desde muito cedo as elites
timorenses tiveram uma ideia bastante clara de que instituições queriam para o
seu país. Mesmo e apesar da presença da ONU, através de sucessivos
desdobramentos, muito cedo os timorenses deixaram-na num papel de observador.
As instituições foram desenhadas com intentos precisos. O sistema
semipresidencialista permite um equilíbrio, às vezes na ponta da espada, entre
o Presidente da República, o Governo e o Parlamento. As eleições presidenciais
são, assim, um passo decisivo para a futura formação de um governo, advindo das
eleições legislativas. O sistema é tão parecido e tão diferente do português
que a ideia de uma “geringonça” (no sentido que veio a ter em Portugal) foi
levada a cabo em Timor desde 2007, com notável estabilidade. Inovação
institucional foi coisa que não faltou, com uma grande elasticidade — e sempre
dentro dos limites de cada uma dessas instituições.
As
eleições legislativas, que tive oportunidade de observar, decorreram sem
sobressaltos. Tudo se afigurava como mais uma eleição normal, na vida normal de
um qualquer país. Não houve incidentes, o dia correu pacífico e até à noite já
havia gente na rua (facto não tão comum em países em desenvolvimento). Por
isso, nada para ver. Os resultados teriam de esperar alguns dias e a vitória
foi à tangente. Os dois maiores partidos alternavam e o CNRT, de Xanana Gusmão,
ficava agora em segundo, a pouca distância da Fretilin, partido histórico em
Timor — tendo embora ambos o mesmo número de deputados. Não havia maioria
absoluta e nos restantes partidos, incluindo os mais pequenos, estaria tal soma
de mandatos. Após anos na oposição, a Fretilin havia apoiado o governo do CNRT
a partir de 2015 (quem disse que as instituições são rígidas?), e a expectativa
era agora a do oposto. Xanana Gusmão declarou, com naturalidade, que o partido
não procuraria formar governo aliado a partidos mais pequenos, e que assumiria
o seu lugar numa oposição construtiva.
No
entanto, surgem novamente as surpresas e a situação política em Timor está
outra vez em ebulição. A Fretilin formou governo, com membros de outros
partidos (incluindo o anterior número dois de Xanana Gusmão, Agio Pereira). No
processo de negociações, com todos os partidos, foi perdendo apoios formais,
tendo apenas o Partido Democrático (PD) acedido a uma coligação, minoritária.
Na apresentação do programa do Governo ao Parlamento, a oposição unida
submeteu-o a votação e chumbou-o. Meses depois, começam os rumores de moção de
censura. A oposição, maioritária, já a apresentou e exige a sua discussão — se
aprovada, o Governo cai.
Entretanto
Timor vive num impasse. O Governo toma posse, a sua lei orgânica é promulgada e
tenta passar-se uma imagem de naturalidade. Mas não há orçamento e nem sequer
programa de Governo, cuja segunda versão não foi ainda submetida. Xanana Gusmão
continua ausente do país (desde Julho) e, na semana passada, os líderes dos
partidos da oposição divulgaram imagens de um encontro em Singapura, onde terão
firmado apoio mútuo. Em Timor, descontando os rumores, permanecem incógnitos os
pontos deste dissenso, que imobilizam o país. Os órgãos do Estado ficam num
limbo paralisado, que ameaça durar meses. Caindo o Governo, o Presidente da República
terá de decidir o que fazer: empossar um novo (composto por quem?), eleições
antecipadas (que só podem ter lugar depois de Janeiro) ou procurar novo
entendimento alargado?
Timor
segue neste vazio, em que nada parece claro e em que até uma reunião tão decisiva
tem lugar fora do país. A substância do desacordo, seja ela política ou de
protagonismo, nunca é referida por nenhum dos intervenientes. Apesar da pacatez
das eleições, e da perspectiva da normalidade democrática, houve de novo
surpresas, que permanecem no ar, e cujas motivações estão ausentes de debate
público. Espera-se que a via institucional permaneça, nisso incluindo a
democracia, e sobretudo a possibilidade de escrutínio público e transparência
das decisões tomadas. Só isso permitirá aprofundar a construção democrática,
fazendo com que os cidadãos confiem nas instituições que elegem, através do
desempenho de um papel claro no Estado e na arquitectura democrática.
*Investigadora
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