sábado, 13 de janeiro de 2018

ANGOLA | Uma luva para a PGR

Santos Vilola* | opinião

Maria Luísa Abrantes é uma cidadã angolana, jurista de formação e advogada de profissão. Chegou a ser directora da extinta Agência Nacional de Investimento Privado, teve, antes, uma passagem pelos Estados Unidos onde representou interesses diplomáticos comerciais e económicos do país. Conseguiu uma inclusão num “board” bancário de homens e mulheres de negócios influentes no continente africano.

Se isso basta para a sua apresentação, a razão desse exercício é a ligação que faço neste artigo com ensinamentos elementares do Direito Processual Penal sobre uma notícia de um crime que pode desencadear um procedimento criminal por acto do Ministério Público (MP).

A senhora em causa fez recentemente revelações inéditas e bombásticas a uma rádio comercial, em Luanda, em que denunciou um esquema de corrupção e de formação de quadrilha no anterior governo. É a primeira vez em 42 anos de independência, 15 anos de paz efectiva, em 38 anos do anterior regime, de tudo, se quisermos. Mas não foi a primeira vez que a senhora mais conhecida como “Ex-mulher” de José Eduardo dos Santos – ex-Presidente da República - o faz. Desta vez, foi mais incisiva, directa e citou nomes, quando pretendia defender dois filhos acusados de corrupção passiva e de apropriação indevida de bens públicos.

O burocrático MP, para iniciar um procedimento de um processo precisa de informação (notícia do crime) e pode obtê-la por conhecimento próprio (através de órgãos de polícia criminal ou de denúncia). O MP não tem, porém, de promover o procedimento criminal perante qualquer informação de eventual prática de um crime. Se há casos que a considera desde logo como notícia de eventual prática de um crime, e impõe que seja instaurado o procedimento, em muitos outros casos a notícia o é sequer da prática de um crime, embora quem denuncie pense ou o qualifique como tal, ou a notícia não mereça credibilidade.

Frequentemente isso acontece com notícias anónimas ou, ainda que tenha por objecto um crime, é desde logo manifesta a extinção de punibilidade. O MP deve promover necessariamente o procedimento,  se a notícia do crime lhe é transmitida de modo informal só o deverá fazer se se convencer da seriedade da notícia.

Se a aquisição da notícia do crime por conhecimento próprio ou denúncia é directa, obtida de forma imediata através dos órgãos de polícia criminal em espécie de denúncia, a notícia de um crime pode também ser suscitada no MP de forma indirecta, não formal, através de rumores públicos, notícias anónimas e com notícias difundidas pelos meios de comunicação social.

A senhora Maria Luísa Abrantes falou de coisas que sabe melhor do que ninguém em função da sua “qualidade especial”. Falou de coisas desconhecidas de muitos angolanos que confiam nas instituições do Estado. E o MP pode tomar conhecimento de rumores da prática de crimes sem que dele conheça indícios. A regra é de que simples rumores não determinam a promoção do processo, antes poderão e deverão ser objecto de investigações de natureza meramente policial no sentido da sua confirmação, da obtenção de indícios credíveis.

O mesmo também acontece quando a notícia é anonimamente transmitida ao MP. Essa notícia pode não lhe merecer qualquer credibilidade, mas pode também suceder que, em razão das características da notícia, mesmo sendo anónima, se justifique uma actividade preliminar do processo, ainda que de natureza policial, no sentido de apurar da sua eventual existência de indícios.

Sentido semelhante deve ter o MP perante notícias de crimes publicitadas pelos meios de comunicação social. Não é obrigatório instaurar o procedimento perante quaisquer notícias da eventual prática de crime publicitados pelos Media. Tudo depende da credibilidade que a notícia mereça e o juízo sobre a credibilidade pertence exclusivamente ao MP. Se a notícia dos Media fornecer indícios credíveis da eventual prática de crime, o MP deve promover o procedimento criminal.

 E todos os estes “ingredientes” estão lá. A senhora desafiou a PGR e aguçou a inteligência das pessoas desta instituição. É aqui onde justifico o título deste artigo. "Uma luva para a PGR". É que na Idade Média, o convite para um duelo era feito mediante a entrega pelo proponente de uma luva ao adversário. Se aceitasse, o duelo estava marcado em data e lugar determinados depois. Se o oponente se recusasse era tido como cobarde e via a sua honra beliscada. 

Os registos do debate estão lá na rádio, e não vão os dirigentes da rádio apagar, porque estão obrigados a manter tais registos por certo tempo. Também já chegaram às redes sociais embora aqui o risco de manipulação é maior.

*Jornal de Angola

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