Expresso das Ilhas | editorial
Finalmente aconteceu a
remodelação do governo de Ulisses Correia e Silva. Fora anunciada em Maio
último pelo próprio primeiro-ministro e a expectativa geral era que iria
verificar-se logo nas semanas seguintes.
Quando veio, já não se
tratou do simples reforço com secretários de estado que muitos vinham sugerindo
praticamente desde a entrada em funções do governo em 2016. O PM optou por
mudar a estrutura do governo. Não demitiu ninguém, mas distribuiu por três
ministérios as pastas que anteriormente estavam com o ministro José Gonçalves.
Também nomeou vice-primeiro ministro o actual ministro das Finanças e
entregou-lhe a coordenação da política económica e financeira e das reformas
económicas e o planeamento estratégico para a competitividade e para o emprego.
Ainda elevou o ministro da presidência do Conselho de Ministros ao cargo de
ministro de Estado com funções de coordenação da agenda política e da política
de comunicação e imagem do governo. No total, o governo passou a contar com 20
elementos: o PM, treze ministros e seis secretários de Estado.
Oficialmente apresenta-se como
objectivo principal da remodelação a procura de eficiência e eficácia na
governação, mas dificilmente vai-se deixar de notar que também se tratou de dar
expressão formal ao ganho em peso político conseguido até agora pelo ministro
das Finanças Olavo Correia, evidenciado publicamente no processo de elaboração
do orçamento do estado e na gestão de dossiers sensíveis como o da TACV. Já os
outros ajustes vêm na sequência dessa nomeação e da necessidade de repor
equilíbrios políticos. A questão crucial é se os sinais enviados para a
sociedade realmente convergem para passar uma mensagem de confiança que há
visão e competência governativa para equacionar e resolver os extraordinários e
complexos problemas que o país enfrenta no presente e próximo futuro. E é essa
mensagem que o país precisa neste momento quando se encontra numa encruzilhada
e tem de mudar de rumo porque “alguém” esteve a “esticar a corda até o limite”
e comprometer o futuro com políticas que deixaram dívida pesada, o país sem
competitividade, com capital humano inadequado e com um sector privado
fragilizado.
A verdade é que a divisão do
anterior ministério da economia em três ministérios e a absorção de alguns dos
seus departamentos no ministério das Finanças pode outra vez trazer à tona a
ideia de que a economia continua a ser “filho de um deus menor” nos
governos caboverdianos. Aliás, o facto de ao longo de todos estes anos ainda
não se ter melhorado significativamente o ambiente de negócios, baixados os
custos de contexto, delineado um plano de acção para a diminuição dos custos de
factores e resolvido o problema dos transportes deve-se em boa parte à ausência
de vontade política resoluta para remover os obstáculos institucionais,
combater os interesses que beneficiam do status quo e criar incentivos
geradores de uma nova atitude na actividade económica. Os avanços da economia
informal, as fragilidades no ambiente de concorrência e a relutância de muitos
em correr riscos e em desenvolver actividade empresarial são prova disso.
Fica-se com uma ideia das dificuldades em implementar reformas económicas
notando, por exemplo, que o governo anterior do PAICV, em quinze anos, teve
sete ministros de economia, mas só três ministros das Finanças. Por isso,
qualquer sugestão de perda de peso político no sector, quando o mais urgente
para o país são as reformas económicas, não pode ser tomada como uma boa
notícia.
A expectativa de muitos é que
logo à partida o ministro da Economia fosse coadjuvado por secretários de
estado com capacidade tecno-política para planear a reforma profunda dos
sectores sob tutela com vista a uma organização moderna e efectiva da economia
nacional. Levou a melhor a opção por um governo pequeno fruto da ideia peregrina
que é poupando no novo grupo dirigente que se começa a dominar uma máquina
ineficiente, cheia de vícios e agressivamente hostil a reformas. O resultado é
o que se vê. As tentativas de mudança arrastaram-se, a autoridade tende a
diluir-se no afã de se conseguir controlo com os parcos recursos disponíveis e
as reacções do sistema em forma de fugas de informação, reivindicações salarias
e greves não tardaram a surgir. O número de passeatas, de confrontos laborais e
greves já verificados nestes 19 meses de governação já deverá ter ultrapassado
o que aconteceu na década anterior. Aparentemente nem há muita ponderação em
certas tomadas de posição. O caso da Polícia Nacional em greve nos próximos
dias pela primeira vez na história do país e depois de ter sido contemplada com
aumentos significativos no orçamento para fazer face a reivindicações salariais
antigas e progressões e promoções, não deixa de ser estranho. Experiências de
outros países alertam sempre para a importância de manter foco na governação e mostrar
capacidade de liderança para fazer as reformas no momento certo a fim de não
ser apanhado por interesses corporativos e outros instalados em certos sectores
da administração pública ou ligados ao Estado.
A situação do país não é fácil e
os vários anos de estagnação tiveram impacto nas pessoas, aumentando incertezas
em relação ao futuro. Há que gerir as expectativas para que a atitude certa
seja a de as pessoas cooperarem entre si para o seu ganho pessoal e para o bem
do país e não caírem na tentação de cada um procurar “arrebatar” para si
próprio o máximo que puder dos recursos públicos. Para isso conta muito num
mundo tentado pela pós-verdade, pela demagogia e pelo populismo insistir numa
governação honesta. Convém também pôr em devida perspectiva a situação do país,
sem cair na tentação de usar o passado como arma de arremesso político,
confrontar os muitos projectos ilusionistas que ainda dominam o discurso
político com a realidade crua dos factos económicos e mostrar ser capaz de
rever políticas, traçar outras estratégias e desencadear iniciativas realistas
que ponham o país no caminho seguro do desenvolvimento. A resposta ao fiasco da
CEDEAO, por exemplo, não devia ser, sem qualquer avaliação prévia, a criação de
um ministro-adjunto para Integração Regional junto do primeiro-ministro. O país
já não tem mais folga para ilusões, titubeações e teimosias.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na
edição impressa doExpresso das Ilhas nº 839 de 27 de Dezembro de 2017.
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