Por que o novo algoritmo converte
a rede social mais poderosa do mundo em algo que combina a vigilância total, de
George Orwell, com o anestesiamento permanente, de Aldous Huxley?
Chris Taylor*, na Mashable | Outras Palavras | Tradução: Gabriel
Simões, de nosso Círculo de Tradutores Voluntários | Imagem: Bob
Al-Greene
Ao se construir uma distopia, é
bem difícil deixá-la aos moldes tanto de Orwell quanto de Huxley ao mesmo tempo. Mas, com as mudanças
recentemente anunciadas no feed de notícias do Facebook, Mark Zuckerberg parece
ter realizado esta façanha.
Os mundos assustadores de George
Orwell (1984) e Aldous Huxley (Admirável mundo novo) são, de muitas maneiras,
opostos simétricos. Um trata de um Estado de vigilância que controla o que as
pessoas conhecem da história ao literalmente reescrever os jornais. O outro,
trata do controle de seus cidadãos ao fazê-los usar uma droga dissociativa
chamada soma.
Em seu esforço de “melhorar” o
Facebook, Zuckerberg agora tenta ambas as táticas. Ele está reduzindo o acesso
dos usuários às notícias reais — no século XX, chamávamos isso de censura — ao passo que aumenta a probabilidade de você
visualizar apenas as notícias terrivelmente falsas postadas por aquele seu tio
maluco. Porque, oras, conteúdo postado pela família lhe faz feliz, e apenas
queremos que você seja feliz, certo?
O algoritmo, como já sabemos, nos
vigia tão de perto quanto o Big Brother jamais foi capaz. Cada amizade, cada
curtida, o tempo que você gasta lendo alguma coisa, se você interage com ela —
tudo isso vai para a sua ficha permanente. (Ao menos com as teletelas, Orwell
disse, se sabia que eles não estavam vigiando todo o tempo.)
O fato de que o Facebook vai
simplesmente nos mostrar menos notícias já o torna mais eficiente que o Estado
totalitário descrito por Orwell. Os líderes do Partido no Ministério da Verdade
devem estar se lamentando: fazer com que bilhões de pessoas vejam notícias
através das mídias sociais e depois simplesmente eliminar esse tipo de
conteúdo? Sem reescrever o The Times, sem necessidade de qualquer buraco
de memória, apenas fazer com que as notícias desapareçam dos meios digitais?
Como não pensamos nisso?
Um breve lembrete da importância
disto. Em agosto de 2017, de acordo com o Pew Research Center, 67% dos estadunidenses acessaram
notícias nas mídias sociais — um aumento de 5% em relação ao ano anterior. No
Facebook, 68% dos usuários acessaram notícias a partir do feed. Pela primeira
vez na pesquisa Pew, a maioria dos norte-americanos com mais de 50 anos passou
a acessar notícias a partir das mídias sociais.
Tornar-se a maior fonte de
informações e depois simplesmente sumir com as notícias não é apenas uma
escandalosa recusa de responsabilidade cívica. É também parte do manual da
distopia.
Uma parte frequentemente
esquecida e descaracterizada do clássico de Orwell: a vasta maioria da
sociedade da Oceânia, os Proles, não recebia quaisquer notícias, nem mesmo
falsas. Eles eram mantidos em estado de felicidade através de uma dieta
constante de canções ruins e histórias lúgubres. O Facebook agora superou o
Partido: os feeds serão igualmente repletos de porcarias, conteúdos rasos, mas
os Proles serão seus produtores. E o Facebook ainda ganha dinheiro com isso!
Admirável novo feed de notícias
“O mundo infinitamente amável,
muito colorido e aconchegante do soma. Que gentis, que bonitos e deliciosamente
alegres todos estavam!” — Aldous Huxley, Admirável mundo novo
Substitua “soma” por “mídia
social” e você verá por que Huxley foi ainda mais profético do que nós acreditamos.
O soma, droga fictícia, o tornou
sociável. Ela o fez sentir-se conectado aos amigos e estranhos próximos — de
modo extremamente falso. Ela o levou ao que os personagens do livro
repetidamente descrevem como um “feriado perfeito”.
O Facebook que Zuckerberg agora
parece projetar fará o mesmo. As pessoas mostram o melhor de si no Facebook;
elas postam fotos cuidadosamente escolhidas de suas férias “perfeitas”. E agora
elas poderão fazer isso sem a intromissão daquelas notícias nojentas.
“A pesquisa mostra que quando
usamos as mídias sociais para entrar em contato com as pessoas que gostamos,
isto pode ser bom para o nosso bem-estar,” escreveu Zuckerberg. Ele esqueceu de
mencionar a pesquisa que mostra que o Facebook, na verdade, nos
deprime quando vemos fotos das férias ou dos bebês perfeitos de outras pessoas.
Não importa o quanto você goste
da pessoa em questão, o Facebook impele à comparação — o que, por sua vez, leva
à ansiedade de status. Nós podemos postar “parabéns” nos comentários, o que o
algoritmo conta como uma grande vitória. Grandes pontos por envolvimento! Mas o
que nós estamos realmente pensando ou sentindo frente a estas coloridas fotos —
o despertar repentino da nossa inveja, nossa autoaversão, nossa depressão —
permanece escondido do olho-que-tudo-vê do Facebook.
E assim como num experimento
sórdido, contudo, nós insistimos nisso. Deixe o soma do Facebook ajudar a nos
aniquilar e nos deixar levar pelo feriado perfeito dos outros — que gentis, que
bonitos e deliciosamente alegres eles são.
Agora, Zuckerberg quer que
fiquemos naquele estado mental sem a terrível intrusão da “experiência passiva”
— palavras que ele usa para se referir ao que acontece quando você está lendo
ou assistindo algo que o faça pensar e refletir, em vez de simplesmente digitar
“parabéns!”
O pior de tudo é que Zuck acha
que está sendo nobre. Ele realmente acha que está “fazendo a coisa certa.” Ele
quer que seus filhos pequenos olhem para trás um dia e digam que o Facebook
salvou o mundo.
Talvez eles o façam. Pois todos
que consomem conteúdo no Facebook, com as empresas de mídia que buscam a
verdade retiradas do feed de notícias e falidas, não sobrará ninguém para
apontar o despropósito de toda esta falsa conexão. A próxima geração de
Zuckerbergs pode muito bem viver em infinitos feriados soma.
Parabéns, Mark!
*Chris Taylor - Foi repórter
Time, sendo nomeado em 2000 chefe da sucursal de San Francisco da revista. Nos
últimos cinco anos, atuou como editor sênior da Fortune Small Busines.
O QUE SIGNIFICA DISTOPIA?
Distopia ou antiutopia é
o pensamento, a filosofia ou o processo discursivo baseado numa ficção cujo
valor representa a antítese da utopia ou promove a vivência em uma
"utopia negativa"[1]. As distopias
são geralmente caracterizadas pelo totalitarismo, autoritarismo,
por opressivo controle da sociedade. Nelas, "caem as cortinas", e a
sociedade mostra-se corruptível; as normas criadas para o bem comum mostram-se
flexíveis. A tecnologia é usada como ferramenta de controle, seja do Estado, seja
de instituições ou mesmo de corporações.[2]
Distopias são frequentemente
criadas como avisos ou como sátiras,
mostrando as atuais convenções sociais e limites extrapolados ao máximo. Nesse
aspecto, diferem fundamentalmente do conceito de utopia, pois as utopias são
sistemas sociais idealizados e não têm raízes na nossa sociedade atual,
figurando em outra época ou tempo ou após uma grande descontinuidade histórica.
Uma distopia está intimamente
conectada à sociedade atual. Um número considerável de histórias de ficção científica que ocorrem num futuro
próximo do tipo das descritas como "cyberpunk",
usam padrões distópicos de uma companhia de alta
tecnologia dominando um mundo em que os governos nacionais se tornaram
fracos.
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