Mariana Mortágua* | Jornal de Notícias
| opinião
Nos EUA há 46 milhões de pessoas
que não têm um seguro de saúde. Se adoecerem, a solução será vender o que têm,
ou endividar-se, para poderem pagar as astronómicas contas do hospital. Se não
conseguirem, ninguém as tratará. Há poucas pessoas em Portugal que tenham a
coragem de defender o modelo dos EUA. Mas é para lá que nos levam todas as
medidas que, ao longo dos anos, foram enfraquecendo o SNS e transferindo cada
vez mais competências para os privados.
O processo é rápido e perigoso,
porque funciona como uma bola de neve. O Estado externaliza tarefas que
deveriam estar no SNS. Ao fazê-lo, está não só a remunerar os serviços, mas
também a pagar os lucros do negócio privado, que gera milhões. Quanto mais recursos
do SNS são entregues ao privado, mais este perde qualidade e capacidade de
resposta. Quanto pior a resposta, mais utentes e profissionais vão para o
privado. O resultado, se nada for feito, será um mau sistema público de Saúde
para os pobres e um outro, não necessariamente bom, para os ricos.
Digo "não necessariamente
bom" porque, por melhores que sejam os profissionais no privado, há algo
de profundamente perverso na ideia de que a nossa doença, e o seu tratamento,
pode ser o lucro de outro.
Bem podem os defensores da Saúde
privada defender-se atrás da "liberdade de escolha". É, aliás,
exatamente esse o argumento que sustenta o sistema norte-americano. Mas a saúde
não é uma escolha, é a mais básica das necessidades. Ninguém escolhe livremente
quando a sua saúde está em risco e tudo o que pode fazer é confiar na pessoa ou
instituição que está à sua frente. Liberdade é saber que, em qualquer momento,
independentemente da nossa condição financeira, teremos sempre acesso aos
melhores cuidados de saúde.
Ao contrário dos EUA, Portugal
tem, ainda, um bom SNS. Devemos orgulhar-nos dele, e protegê-lo, porque é o
melhor que a democracia nos trouxe. A proposta para uma nova Lei de Bases do
SNS, apresentada por João Semedo e António Arnaut, pretende isso mesmo. Debater
e agir enquanto é tempo. Valorizar o SNS e os seus profissionais, parar a
drenagem de recursos para o negócio dos privados, investir e muito em cuidados
continuados, em prevenção, na medicina familiar. Levemos este debate a sério, e
a oportunidade que nos traz de tomar agora as decisões que vão fazer a
diferença no futuro. Que nos falte tudo, mas não a Saúde.
* Deputada do BE
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