domingo, 7 de janeiro de 2018

Primeiros Sintomas mudam de casa e levam teatro para a Graça


Depois de sete anos no Cais do Sodré, o grupo de Bruno Bravo instala-se no CAL, na Graça, Lisboa. Com melhores condições de trabalho, uma plateia de 80 lugares e muitos projetos.

De fora é apenas mais uma garagem num prédio cor-de-rosa. Mas quando o portão branco se abre, entramos num teatro. Não há que enganar, pois logo encontramos a plateia de cadeiras coloridas e a black box que há de ser o palco para os próximos espetáculos da companhia Primeiros Sintomas. Esta é a sua nova casa. Depois de sete anos no espaço Ribeira, em pleno Cais do Sodré, o grupo mudou-se em dezembro para o CAL - Centro de Artes de Lisboa, que fica na Graça.

O CAL nasceu da vontade da bailarina e coreógrafa Adriana Queiroz de, depois de sair do Ballett Gulbenkian, ter um espaço onde pudesse continuar a trabalhar. Encontrou aquele armazém na Graça, comprou-o, remodelou-o, equipou-o. E abriu-o em novembro de 2002. Ao longo destes anos foram lá apresentados alguns espetáculos mas a dinamização do local ficou muito aquém daquilo que tinha sido sonhado. Essa é uma situação que Bruno Bravo, diretor artístico dos Primeiros Sintomas, está disposto a mudar.

A mudança aconteceu de forma natural. "Aconteceram duas coisas", começa por explicar. Uma foi a constatação de que precisavam de um espaço maior para trabalhar. "Aquele era um espaço muito limitado a nível de lugares - só podíamos receber 20 espectadores de cada vez - e também a nível de espetáculos. Fizemos muitos dos nossos espetáculos fora da Ribeira, em coproduções, não só por questões económicas, mas também por causa das condições de criação." Em sete anos, a companhia apresentou apenas três produções suas na Ribeira. E isso é algo que vai seguramente mudar.

"A mudança já estava na nossa cabeça e entretanto, no ano passado, começámos a sentir uma pequena pressão do senhorio. Tínhamos um contrato que era renovado anualmente. Mas o Cais do Sodré evoluiu muito e percebemos que o senhorio estava interessado em rentabilizar o espaço e de outra forma e isso deixou-me receoso."

Quando a oportunidade de vir para o CAL surgiu, agarraram-na. E com ela o desafio de ter um espaço com mais 800 metros quadrados onde, além de sala para apresentar espetáculos e uma plateia de 80 lugares, têm ainda vasto espaço de trabalho, três estúdios, balneários e todas as condições não só para as suas produções como para os acolhimentos que já faziam na Ribeira e para os cursos de teatro que começaram a fazer há um ano e meio. Trata-se da "evolução natural" de uma companhia que foi crescendo ao longo de 15 anos de atividade.

Aliás, é precisamente com mais um curso de teatro que, já amanhã, se inicia a atividade dos Primeiros Sintomas no CAL. Será um curso de seis meses para 15 atores de teatro, com orientação de Bruno Bravo, Sérgio Delgado, Miguel Sopas e Lígia Soares.

"O espaço estava pronto a usar e está equipado com muito material técnico. Estamos aqui há um mês e já podemos começar a trabalhar", diz Bruno Bravo. "Vamos apenas fazer algumas intervenções pequenas."

"A ideia é tornar este espaço um teatro. As artes performativas serão a atividade principal do CAL, mas estamos a trabalhar numa programação que envolva outras coisas, como conversas, concertos, outros eventos. Vamos tentar ter mais autonomia, rentabilizar mais o espaço." Para já, é possível dizer que o primeiro espetáculo a apresentar-se ali será uma peça de dança integrada no festival Cumplicidades, em março. Depois, será reposta A História Assombrosa de como o Capitão Michel Alban Perdeu o Seu Braço, espetáculo que os Primeiros Sintomas estrearam no ano passado. Haverá acolhimentos do Teatro da Cidade em abril (com a estreia de Que Boa Ideia, Virmos para a Montanha) e do coreógrafo Francisco Campos (projeto Ruínas). A primeira estreia dos Primeiros Sintomas no CAL será em outubro, com o Tio Vânia, de Tchekhov. "Vão existir de certeza mais coisas, estamos ainda a trabalhar na programação."

Mesmo com uma aposta forte no CAL, os Primeiros Sintomas não vão deixar de ter coproduções e, entre outras coisas, depois de Lear, no passado, planeiam voltar ao Teatro Nacional D. Maria II para fazer Subitamente no Verão Passado (em 2019-2020).
Para além do tamanho do espaço, há ainda outro desafio dos grandes pela frente: mobilizar o público. A Rua de Santa Engrácia, uma rua sem saída, numa zona residencial, é tranquila. Muito tranquila. Muito diferente da movimentação do Cais do Sodré. "Estamos num espaço que ninguém conhece. Teremos de fazer um trabalho muito agressivo de divulgação. Para nós também é um território novo e será um desafio muito, muito grande", admite o encenador. Mas isso não o assusta.

Se dependesse deles, na verdade, estaria tudo sobre rodas. Existe, porém, uma pedra no sapato: os apoios. A mudança de espaço apanhou-os a meio da candidatura aos apoios da DG-Artes. "Estávamos preparados para concorrer ao apoio quadrienal mas devido às regras impostas tivemos de concorrer a um apoio bienal de cem mil euros", lamenta Bruno Bravo. "Há uma sensação de frustração. Havia uma expectativa de haver algumas mudanças mais profundas nas candidaturas, que não existiram. Achámos a candidatura mais complexa do que a anterior, com requisitos que penalizam os grupos que têm um espaço próprio." Além disso, "está tudo atrasado, ainda nem saíram as listas provisórias de quem foi aprovado. E isso causa-nos muita angústia, como causará aos outros grupos também, porque nós já estamos a começar a atividade e, no fundo, não temos garantias nenhumas".

Maria João Caetano | Diário de Notícias

Imagem: Bruno Bravo no CAL | Foto Leonardo Negrão/ Global Imagens

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