Depois de sete anos no Cais do Sodré,
o grupo de Bruno Bravo instala-se no CAL, na Graça, Lisboa. Com melhores
condições de trabalho, uma plateia de 80 lugares e muitos projetos.
De fora é apenas mais uma garagem
num prédio cor-de-rosa. Mas quando o portão branco se abre, entramos num
teatro. Não há que enganar, pois logo encontramos a plateia de cadeiras
coloridas e a black box que há de ser o palco para os próximos
espetáculos da companhia Primeiros Sintomas. Esta é a sua nova casa. Depois de sete
anos no espaço Ribeira, em pleno Cais do Sodré, o grupo mudou-se em dezembro
para o CAL - Centro de Artes de Lisboa, que fica na Graça.
O CAL nasceu da vontade da
bailarina e coreógrafa Adriana Queiroz de, depois de sair do Ballett
Gulbenkian, ter um espaço onde pudesse continuar a trabalhar. Encontrou aquele
armazém na Graça, comprou-o, remodelou-o, equipou-o. E abriu-o em novembro de 2002.
Ao longo destes anos foram lá apresentados alguns espetáculos mas a dinamização
do local ficou muito aquém daquilo que tinha sido sonhado. Essa é uma situação
que Bruno Bravo, diretor artístico dos Primeiros Sintomas, está disposto a
mudar.
A mudança aconteceu de forma
natural. "Aconteceram duas coisas", começa por explicar. Uma foi a
constatação de que precisavam de um espaço maior para trabalhar. "Aquele
era um espaço muito limitado a nível de lugares - só podíamos receber 20
espectadores de cada vez - e também a nível de espetáculos. Fizemos muitos dos
nossos espetáculos fora da Ribeira, em coproduções, não só por questões
económicas, mas também por causa das condições de criação." Em sete anos,
a companhia apresentou apenas três produções suas na Ribeira. E isso é algo que
vai seguramente mudar.
"A mudança já estava na
nossa cabeça e entretanto, no ano passado, começámos a sentir uma pequena
pressão do senhorio. Tínhamos um contrato que era renovado anualmente. Mas o
Cais do Sodré evoluiu muito e percebemos que o senhorio estava interessado em
rentabilizar o espaço e de outra forma e isso deixou-me receoso."
Quando a oportunidade de vir para
o CAL surgiu, agarraram-na. E com ela o desafio de ter um espaço com mais 800
metros quadrados onde, além de sala para apresentar espetáculos e uma plateia
de 80 lugares, têm ainda vasto espaço de trabalho, três estúdios, balneários e
todas as condições não só para as suas produções como para os acolhimentos que
já faziam na Ribeira e para os cursos de teatro que começaram a fazer há um ano
e meio. Trata-se da "evolução natural" de uma companhia que foi
crescendo ao longo de 15 anos de atividade.
Aliás, é precisamente com mais um
curso de teatro que, já amanhã, se inicia a atividade dos Primeiros Sintomas no
CAL. Será um curso de seis meses para 15 atores de teatro, com orientação de
Bruno Bravo, Sérgio Delgado, Miguel Sopas e Lígia Soares.
"O espaço estava pronto a
usar e está equipado com muito material técnico. Estamos aqui há um mês e já
podemos começar a trabalhar", diz Bruno Bravo. "Vamos apenas fazer
algumas intervenções pequenas."
"A ideia é tornar este
espaço um teatro. As artes performativas serão a atividade principal do CAL,
mas estamos a trabalhar numa programação que envolva outras coisas, como
conversas, concertos, outros eventos. Vamos tentar ter mais autonomia,
rentabilizar mais o espaço." Para já, é possível dizer que o primeiro
espetáculo a apresentar-se ali será uma peça de dança integrada no festival
Cumplicidades, em março. Depois, será reposta A História Assombrosa de
como o Capitão Michel Alban Perdeu o Seu Braço, espetáculo que os Primeiros
Sintomas estrearam no ano passado. Haverá acolhimentos do Teatro da Cidade em
abril (com a estreia de Que Boa Ideia, Virmos para a Montanha) e do
coreógrafo Francisco Campos (projeto Ruínas). A primeira estreia dos
Primeiros Sintomas no CAL será em outubro, com o Tio Vânia, de Tchekhov.
"Vão existir de certeza mais coisas, estamos ainda a trabalhar na
programação."
Mesmo com uma aposta forte no
CAL, os Primeiros Sintomas não vão deixar de ter coproduções e, entre outras
coisas, depois de Lear, no passado, planeiam voltar ao Teatro Nacional D.
Maria II para fazer Subitamente no Verão Passado (em 2019-2020).
Para além do tamanho do espaço,
há ainda outro desafio dos grandes pela frente: mobilizar o público. A Rua de
Santa Engrácia, uma rua sem saída, numa zona residencial, é tranquila. Muito
tranquila. Muito diferente da movimentação do Cais do Sodré. "Estamos num
espaço que ninguém conhece. Teremos de fazer um trabalho muito agressivo de
divulgação. Para nós também é um território novo e será um desafio muito, muito
grande", admite o encenador. Mas isso não o assusta.
Se dependesse deles, na verdade,
estaria tudo sobre rodas. Existe, porém, uma pedra no sapato: os apoios. A
mudança de espaço apanhou-os a meio da candidatura aos apoios da DG-Artes.
"Estávamos preparados para concorrer ao apoio quadrienal mas devido às
regras impostas tivemos de concorrer a um apoio bienal de cem mil euros",
lamenta Bruno Bravo. "Há uma sensação de frustração. Havia uma expectativa
de haver algumas mudanças mais profundas nas candidaturas, que não existiram.
Achámos a candidatura mais complexa do que a anterior, com requisitos que
penalizam os grupos que têm um espaço próprio." Além disso, "está
tudo atrasado, ainda nem saíram as listas provisórias de quem foi aprovado. E
isso causa-nos muita angústia, como causará aos outros grupos também, porque
nós já estamos a começar a atividade e, no fundo, não temos garantias
nenhumas".
Maria João Caetano | Diário de
Notícias
Imagem: Bruno Bravo no CAL | Foto Leonardo
Negrão/ Global Imagens
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