Manuel Carvalho da Silva* |
Jornal de Notícias | opinião
Amanhã, dia 15, celebra-se o dia
das instituições de solidariedade e a Confederação Nacional das Instituições de
Solidariedade Social (CNIS) evoca o 37.º aniversário na "afirmação dos
valores e identidade da solidariedade, da sua autonomia e empenho na cooperação".
Porque fui desafiado a refletir sobre algumas dimensões do tema, aqui expresso
uma pequena parte da minha reflexão, como forma de homenagear o importantíssimo
papel da esmagadora maioria destas numerosas Instituições.
As Instituições Particulares de
Solidariedade Social (IPSS) vivem hoje sob enormes tensões que parecem
projetar-se, de forma agravada, para o futuro próximo: em primeiro lugar, a
tensão entre a solidariedade e o lucro, o que as obriga a um esforço enorme
para resistirem à financeirização do setor e à mercadorização do trabalho; em
segundo, a dificuldade em equilibrar os meios disponíveis com as missões que
crescentemente lhes estão atribuídas; em terceiro, a pressão que as empurra
para a missão paliativa na resposta aos custos sociais decorrentes de um
mercado de trabalho selvagem, com grande desemprego e baixa qualidade de
emprego.
O futuro das IPSS, que se quer
consistente, está profundamente associado ao futuro do Estado social. Há quem
afirme que o Estado social deve ser substituído pelo Estado solidário, debaixo
de um argumentário que desagua em três ideias: i) a conceção de que as pessoas
devem aceder aos direitos sociais em função dos seus rendimentos, como se nesse
acesso se pudessem colmatar as profundas desigualdades que estão a montante, na
injusta distribuição da riqueza; ii) a ideia de que a obrigação do Estado é
apenas a de garantir mínimos; iii) a perspetiva de que os direitos fundamentais
da proteção social (como, aliás, na saúde ou na educação) podem ser colocados
no mercado como quaisquer outros produtos.
O Estado social tem, no plano
conceptual, um princípio claro: coloca as pessoas (todas) como sujeitos de
direitos (e deveres a eles inerentes), não as abandonando aos caprichos da
benevolência alheia. Deixemos claro que a solidariedade, e até a caridade, são
importantes valores. Mas são valores que só têm significado quando
concretizados num processo de transformação da realidade social, de promoção da
dignidade humana e de afirmação da plena cidadania.
As IPSS se não agirem na base
daqueles valores perdem a sua alma e tornar-se-ão distantes e frias. É natural
e até indispensável que as IPSS acolham atos de caridade acidentais ou
momentâneos de diverso tipo. Contudo, em última instância, devem pugnar por
colocar cada pessoa (criança, jovem, adulto ou idoso) o mais longe possível de
situações de dependência e necessidades que lhes roubam dignidade. E devem
ainda integrar plenamente a sua ação em processos de progressivo
desenvolvimento da sociedade.
As transformações em curso nas
sociedades contemporâneas, onde se observa baixo crescimento económico,
persistente desemprego de massas e envelhecimento acelerado, conduzem a novas
necessidades e desafios para o setor social e solidário.
Face a este cenário, os
vendilhões do templo da nossa era - o poder financeiro -, veem aqui uma
oportunidade de negócio e de lucro. Já hoje estão bem visíveis no nosso país
pressões financeiras, algumas apresentadas sob o manto da inovação social.
Não temos dúvida quanto à
necessidade de se buscarem respostas novas que podem exigir novas cooperações e
articulações de ação, mas se o setor social e solidário se afastar de valores e
expressões de identidade que lhes são intrínsecos, e que sempre guiaram a sua
ação, cedendo à expectativa de mais fácil e imediato financiamento, corre o
risco de mais cedo do que tarde entrar em turbulência, de enfraquecer e de
acabar por ser dispensado a favor de modelos de prestação de cuidados
empresarializados e financeirizados.
Cada vez mais refinado nas suas
práticas, o neoliberalismo apresenta sempre uma solução mercantil face a
qualquer problema económico, social, cultural e até afetivo, nem que seja com
utilização de dinheiro público, a que continuamente deita a mão, desde que a
provisão seja privada e se monte um qualquer simulacro de concorrência.
Todos sabemos muito bem que o
dinheiro corrompe certos valores.
*Investigador e professor
universitário
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