sábado, 10 de março de 2018

BRASIL | O Areal da Baronesa: tradição, samba e resistência

Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre | Brasil
   
No limite entre os bairros Cidade Baixa e Menino Deus, o Areal da Baronesa - antigo território negro na capital gaúcha – popularizou-se devido à presença das casas de religião de matriz africana, ao seu carnaval de rua, ao futebol (Liga da Canela Preta) e às tradicionais rodas de samba.
  
A modernidade e os interesses econômicos atropelaram a tradição, removendo grande parte de seus moradores para regiões periféricas da cidade, a exemplo do bairro Restinga Velha. Outros resistiram e permaneceram na Avenida Luiz Guaranha, que, na realidade, é uma rua sem saída. Considerado um quilombo urbano, ali vivem em torno de 80 famílias. O nome Guaranha é uma referência a um italiano - caixeiro-viajante - que, até meados dos anos 80, alugava casebres reformados por ele. 

O Famoso Solar

A origem do nome Areal da Baronesa está ligada à chácara de Maria Emília de Menezes Pereira (1802-1888), herdada do seu esposo João Baptista da Silva Pereira (1797-1853), o Barão do Gravataí. Proprietário de um estaleiro, ele construiu, em 1826, um imponente solar, onde hoje se encontra o Instituto Pão dos Pobres. Naquele local, havia uma extensa área de terras, cuja espessa vegetação servia de esconderijo para os escravizados fugidos de seus donos. Ainda permanece no lugar o portão principal do antigo Solar como marca de um passado imperial.   

No ano de 1845, D. Pedro II e sua esposa Theresa Cristina se hospedaram no famoso solar. Graças à hospitalidade do proprietário, o imperador lhe conferiu o título de Barão do Gravataí.

A origem do nome


O nome Areal da Baronesa é devido à areia avermelhada que ali existia próximo ao Guaíba e à figura da baronesa do Gravataí, cujo título nobiliárquico foi dado por D. Pedro II, em 1853, após a morte do esposo. As ruas, nominadas com os respectivos títulos nobiliárquicos, cruzam-se numa esquina no bairro Cidade Baixa: Barão do Gravataí e Baronesa do Gravataí. Além do solar, segundo a tradição, havia uma residência de veraneio do casal, localizada na esquina da Avenida Luiz Guaranha com a Rua Baronesa do Gravataí. Esta aguarda, há algum tempo, que se efetive uma restauração por meio de órgãos competentes.

Após o incêndio do solar, em 1875, a baronesa enfrentou uma crise econômica que a levou lotear a imensa propriedade. Após a sua morte, em 1888, o lugar passou a ser ocupado por negros alforriados da senzala da chácara.

O Carnaval no Areal da Baronesa e o Primeiro Rei Momo Negro

Adão Alves de Oliveira (1925-2013), o seu Lelé, foi o primeiro Rei Momo Negro, coroado no Areal da Baronesa, reinando de 1949 a 1952. A partir dos anos 30, ali  surgiram blocos carnavalescos, como “Ases do Samba”, “Seresteiros do Luar”, “ Nós os Democratas”, “Viemos de Madureira”, “X do Problema”, a tribo carnavalesca “Os Caetés” e “Tô com a vela”. Este último, liderado pelo célebre Rei Momo Vicente Rao (1908-1972), foi um bloco de humor onde os homens se travestiam. Os blocos, com esta característica, foram extintos, em 1970, durante o regime militar.

O samba do Bar da Doca, que se localizava na Rua Barão do Gravataí, iniciava na sexta-feira às 21 horas e seguia até a madrugada da segunda-feira. Os amigos Ben Hur, Quinzinho, Vando e Setembrino, entre outros nomes, ficaram famosos nas rodas de samba que ali ocorriam.  

Com imensa torcida e 19 títulos, a Sociedade Recreativa Beneficente  Imperadores do Samba (1959) tem suas raízes no Areal da Baronesa. Nos anos 70, Bedeu e Leleco fundaram o Grupo Pau Brasil. Oriundos também da comunidade do Areal, esta dupla é precursora do samba-rock.  

De 1994 até 2003, a Academia de Samba Integração do Areal da Baronesa competiu no Carnaval de Porto Alegre. Totalizando em torno de 70 crianças, a bateria mirim Areal da Baronesa do Futuro, sob a coordenação de dona Cleusa Astigarraga, continua a tradição do eterno berço do samba.

O Quilombo do Areal da Baronesa é reconhecido por lei


O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), publicado no Diário Oficial da União, em julho de 2013, reconheceu o lugar como área remanescente de escravizados.

Em 11 de julho de 2015, o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati entregou à comunidade do Areal da Baronesa a Lei nº 11.871, que dá titulação ao lugar como terras oriundas de quilombos.  Se o Rio de Janeiro teve a Praça Onze, como berço do samba e  as baianas da tia Ciata, Porto Alegre ainda tem o Areal da Baronesa como resistência da tradição africana.

*Pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Museu de Comunicação HJC


Imagens
1-  Bloco X do Problema / Revista do Globo 1949 / Acervo Musecom 
2- Grupo de sambistas / Ben Hur, Quinzinho, Vando e Setembrino / Acervo  João Décio R dos Santos.
3-  Primeiro Rei Momo Negro : seu Lelé 

Bibliografia
MATTOS, Jane Rocha de. “Que arraial que nada, aquilo lá é um areal”: O Areal da Baronesa: Imaginário e História (1879-1921). Mestrado em história. PPGH-PUCRS, Porto Alegre, 2000.
SANTOS, Irene (org.). Colonos e Quilombolas / Memória fotográfica das Colônias africanas de Porto Alegre. Porto Alegre: Prefeitura,  2010.
CORAG – A Territorialidade Negra no Rio Grande do Sul – A luta dos remanescentes de Quilombos no Estado. Porto Alegre / 2003.
PORTO ALEGRE, Achyles. História Popular de Porto Alegre. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 1940.

1 comentário:

Carlos Roberto da Costa Leite disse...
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