Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre
| Brasil
No limite entre os bairros Cidade
Baixa e Menino Deus, o Areal da Baronesa - antigo território negro na capital
gaúcha – popularizou-se devido à presença das casas de religião de matriz
africana, ao seu carnaval de rua, ao futebol (Liga da Canela Preta) e às
tradicionais rodas de samba.
A modernidade e os interesses
econômicos atropelaram a tradição, removendo grande parte de seus moradores
para regiões periféricas da cidade, a exemplo do bairro Restinga Velha. Outros
resistiram e permaneceram na Avenida Luiz Guaranha, que, na realidade, é uma
rua sem saída. Considerado um quilombo urbano, ali vivem em torno de 80
famílias. O nome Guaranha é uma referência a um italiano - caixeiro-viajante -
que, até meados dos anos 80, alugava casebres reformados por ele.
O Famoso Solar
A origem do nome Areal da Baronesa
está ligada à chácara de Maria Emília de Menezes Pereira (1802-1888), herdada
do seu esposo João Baptista da Silva Pereira (1797-1853), o Barão do Gravataí.
Proprietário de um estaleiro, ele construiu, em 1826, um imponente solar, onde
hoje se encontra o Instituto Pão dos Pobres. Naquele local, havia uma extensa
área de terras, cuja espessa vegetação servia de esconderijo para os
escravizados fugidos de seus donos. Ainda permanece no lugar o portão principal
do antigo Solar como marca de um passado imperial.
No ano de 1845, D. Pedro II e sua
esposa Theresa Cristina se hospedaram no famoso solar. Graças à hospitalidade
do proprietário, o imperador lhe conferiu o título de Barão do Gravataí.
A origem do nome
O nome Areal da Baronesa é devido
à areia avermelhada que ali existia próximo ao Guaíba e à figura da baronesa do
Gravataí, cujo título nobiliárquico foi dado por D. Pedro II, em 1853, após a
morte do esposo. As ruas, nominadas com os respectivos títulos nobiliárquicos,
cruzam-se numa esquina no bairro Cidade Baixa: Barão do Gravataí e Baronesa do
Gravataí. Além do solar, segundo a tradição, havia uma residência de veraneio
do casal, localizada na esquina da Avenida Luiz Guaranha com a Rua Baronesa do
Gravataí. Esta aguarda, há algum tempo, que se efetive uma restauração por meio
de órgãos competentes.
Após o incêndio do solar, em 1875, a
baronesa enfrentou uma crise econômica que a levou lotear a imensa propriedade.
Após a sua morte, em 1888, o lugar passou a ser ocupado por negros alforriados
da senzala da chácara.
O Carnaval no Areal da Baronesa e o Primeiro
Rei Momo Negro
Adão Alves de Oliveira
(1925-2013), o seu Lelé, foi o primeiro Rei Momo Negro, coroado no Areal da
Baronesa, reinando de 1949 a 1952. A partir dos anos 30, ali surgiram
blocos carnavalescos, como “Ases do Samba”, “Seresteiros do Luar”, “ Nós os
Democratas”, “Viemos de Madureira”, “X do Problema”, a tribo carnavalesca “Os
Caetés” e “Tô com a vela”. Este último, liderado pelo célebre Rei Momo Vicente
Rao (1908-1972), foi um bloco de humor onde os homens se travestiam. Os blocos,
com esta característica, foram extintos, em 1970, durante o regime militar.
O samba do Bar da Doca, que se
localizava na Rua Barão do Gravataí, iniciava na sexta-feira às 21 horas e
seguia até a madrugada da segunda-feira. Os amigos Ben Hur, Quinzinho, Vando e
Setembrino, entre outros nomes, ficaram famosos nas rodas de samba que ali
ocorriam.
Com imensa torcida e 19 títulos, a Sociedade
Recreativa Beneficente Imperadores do Samba (1959) tem suas raízes no
Areal da Baronesa. Nos anos 70, Bedeu e Leleco fundaram o Grupo Pau Brasil.
Oriundos também da comunidade do Areal, esta dupla é precursora do samba-rock.
De 1994 até 2003, a Academia de Samba
Integração do Areal da Baronesa competiu no Carnaval de Porto Alegre.
Totalizando em torno de 70 crianças, a bateria mirim Areal da Baronesa do
Futuro, sob a coordenação de dona Cleusa Astigarraga, continua a tradição do
eterno berço do samba.
O Quilombo do Areal da Baronesa é
reconhecido por lei
O Relatório Técnico de Identificação e
Delimitação (RTID), publicado no Diário Oficial da União, em julho de 2013,
reconheceu o lugar como área remanescente de escravizados.
Em 11 de julho de 2015, o prefeito
de Porto Alegre, José Fortunati entregou à comunidade do Areal da Baronesa a
Lei nº 11.871, que dá titulação ao lugar como terras oriundas de quilombos.
Se o Rio de Janeiro teve a Praça Onze, como berço do samba e as baianas da tia Ciata, Porto Alegre ainda
tem o Areal da Baronesa como resistência da tradição africana.
*Pesquisador e coordenador do
setor de imprensa do Museu de Comunicação HJC
Imagens
1- Bloco X do Problema / Revista do Globo 1949 / Acervo Musecom
2- Grupo de sambistas / Ben
Hur, Quinzinho, Vando e Setembrino / Acervo João Décio R dos Santos.
3- Primeiro Rei Momo Negro
: seu Lelé
Bibliografia
MATTOS, Jane Rocha de. “Que
arraial que nada, aquilo lá é um areal”: O Areal da Baronesa: Imaginário e
História (1879-1921). Mestrado em história. PPGH-PUCRS, Porto Alegre, 2000.
SANTOS, Irene (org.). Colonos e
Quilombolas / Memória fotográfica das Colônias africanas de Porto Alegre. Porto
Alegre: Prefeitura, 2010.
CORAG – A Territorialidade Negra
no Rio Grande do Sul – A luta dos remanescentes de Quilombos no Estado. Porto
Alegre / 2003.
PORTO ALEGRE, Achyles. História
Popular de Porto Alegre. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 1940.
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