sábado, 31 de março de 2018

BRASIL | O Famoso Beco do Fanha


“Na contramão das intervenções urbanas,
os "becos" eram o espaço da contra-ordem”
Sandra J. Pesavento (1945-2009).    


No século 19, existiu em Porto Alegre um beco, na atual Caldas Júnior, que foi alvo da curiosidade e motivo de pesquisa por vários historiadores: o Beco do Fanha. A origem de sua denominação nos remete à figura do taverneiro Francisco José Azevedo. Ligado ao comércio, ele abriu no local um armazém de secos & molhados. Logo o novo estabelecimento atraiu frequentadores, que passaram a comentar sobre a voz nasalada do proprietário, às vezes, difícil de ser compreendida. O lugar, que era conhecido como Quebra-Costas, devido à inclinação do terreno, passou então a ser chamado de Beco do Fanha.

Em 1834, Atas da Câmara Municipal já se referiam ao Beco, associando-o à alcunha do comerciante. Ao longo do tempo, outras casas foram construídas, e o lugar se transformou num logradouro público.  O jornal local O Independente (1900-1923), de 18 de fevereiro de 1906, publicou a seguinte crítica sobre o Beco do Fanha: “Os moradores são ou vagabundos incorrigíveis ou prostitutas da mais baixa esfera, infelizes que às vezes nem têm o que comer (...)” 

De acordo com o ilustre historiador Sérgio da Costa Franco, em sua consagrada obra Porto Alegre Guia Histórico (UFRGS, 1988), a Câmara Municipal , em 1873, substituiu o nome do Beco do Fanha por Travessa Paysandu. A nova designação foi uma homenagem à batalha vencida, no Uruguai, em 1865, pelo Exército brasileiro, contra Aguirre.
  
Fato curioso é que Paysandu, em Guarani, significa “gagueira cortando o fio da palavra”. Embora a alteração do nome do lugar, o nosso personagem, o Fanha, de alguma forma, continuou presente no imaginário citadino. Naquele período, segundo  Costa Franco, o local  começou a melhorar de status, quando nele passou a residir o destacado médico, escritor e jornalista Caldre Fião (1824-1876), um dos fundadores da mais antiga sociedade literária do Brasil: o Partenon Literário (1868).

Já Ary Veiga Sanhudo (1915-1997) registrou que a troca do nome se deu no ano de 1895, inclusive, com a demolição das casas do velho Beco, determinada pelo intendente (prefeito) Alfredo Augusto de Azevedo.

Em 1874, entre a Rua Riachuelo e a Rua da Praia, a travessa foi calçada, sendo que o trecho da Rua da Praia até a Rua Sete de Setembro foi concluído somente em 1892.

Na administração do intendente José Montaury de Aguiar Leitão (1858-1939), a Travessa Paysandu foi alargada em sete metros do lado da numeração ímpar, ficando com a largura de 13 metros. Na época, esta obra foi bastante importante, pois modernizou o local em relação a várias ruas centrais consideradas nobres.

O antigo prédio da Caixa Econômica Federal, localizado na esquina da Rua Sete de setembro, a sede do jornal A Federação (1884-1937) e do Grande Hotel, na esquina da Rua dos Andradas, deram uma configuração moderna à Travessa Paysandu. Ainda assim, apesar da alteração do nome, muitos persistiam em chamá-la de Beco do Fanha.
   

No dia 6 setembro de 1922, na esquina da antiga Travessa Paysandu, hoje Rua Caldas Júnior, inaugurou-se a nova sede do jornal republicano “A Federação” (1884-1937). Com a implantação do Estado Novo (1937-1945), por ordem do presidente de Getúlio Vargas (1882-1954), o jornal encerrou a sua circulação. Nesse local também foram impressos o Jornal do Estado (1938-1942) e por último o “Diário Oficial do Estado”. Desde 10 de setembro 1974, ali se encontra instalado o Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, dirigido, atualmente, pela jornalista Elizabeth Corbetta. Neste ano, esta instituição completará 44 anos de importantes atividades culturais junto à sociedade gaúcha.

Em 1º /12/ 1944, um decreto municipal foi assinado pelo prefeito Brochado da Rocha (1907-1995), determinando que a antiga Travessa Paysandu fosse denominada de Rua Caldas Júnior. Na realidade, houve uma permuta de nomes: a Rua Caldas Júnior, que se localizava no bairro Partenon, passou então a chamar-se Paysandu (Paissandu).
   
As gerações mais recentes sequer imaginam que, hoje, onde transitam, havia um Beco, no qual circulavam cidadãos livres e escravos.  De acordo com a historiadora Sandra Jatahy Pesavento (1945-2009), rufiões e cafetinas também faziam parte deste cenário, abrigando, em seus casebres, as “horizontais” - como a imprensa da época as denominava - ou mulheres de vida “airada”, em busca de sobrevivência, como registrou nosso primeiro cronista Antônio Alvares Pereira Coruja (1806-1889).  Outros tempos... Atualmente, o local faz parte do Centro Histórico da Cidade.  No dia 26 de março de 2018, Porto Alegre - o antigo Porto dos Casais - completou seus 246 anos de fundação.  Parabéns “ Cidade Sorriso”!

*Artigo publicado no jornal gaúcho Zero Hora de 26 de março de 2018
                                                            
*Pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Museu de Comunicação HJC

Bibliografia:
FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre / Guia Histórico. Porto Alegre: Ed. da Universidade (UFRGS), 1988.
OLIVEIRA, Clovis Silveira de. Porto Alegre / A cidade e sua formação. Porto Alegre: Gáfica e Editora Norma, 1985.
SANHUDO, Ary Veiga. Porto Alegre / Crônicas da Minha Cidade. Porto Alegre: Ed. Movimento.

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