“Na contramão das intervenções
urbanas,
os "becos" eram o
espaço da contra-ordem”
Sandra J. Pesavento (1945-2009).
Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre
No século 19, existiu em
Porto Alegre um beco, na atual Caldas Júnior, que foi alvo da curiosidade e
motivo de pesquisa por vários historiadores: o Beco do Fanha. A origem de sua
denominação nos remete à figura do taverneiro Francisco José Azevedo. Ligado ao
comércio, ele abriu no local um armazém de secos & molhados. Logo o novo
estabelecimento atraiu frequentadores, que passaram a comentar sobre a voz
nasalada do proprietário, às vezes, difícil de ser compreendida. O lugar, que
era conhecido como Quebra-Costas, devido à inclinação do terreno, passou então
a ser chamado de Beco do Fanha.
Em 1834, Atas da Câmara
Municipal já se referiam ao Beco, associando-o à alcunha do comerciante. Ao
longo do tempo, outras casas foram construídas, e o lugar se transformou num
logradouro público. O jornal local O Independente (1900-1923), de 18 de
fevereiro de 1906, publicou a seguinte crítica sobre o Beco do Fanha: “Os
moradores são ou vagabundos incorrigíveis ou prostitutas da mais baixa esfera,
infelizes que às vezes nem têm o que comer (...)”
De acordo com o ilustre
historiador Sérgio da Costa Franco, em sua consagrada obra Porto Alegre Guia
Histórico (UFRGS, 1988), a Câmara Municipal , em 1873, substituiu o nome do
Beco do Fanha por Travessa Paysandu. A nova designação foi uma homenagem à
batalha vencida, no Uruguai, em 1865, pelo Exército brasileiro, contra Aguirre.
Fato curioso é que Paysandu, em Guarani,
significa “gagueira cortando o fio da palavra”. Embora a alteração do nome do
lugar, o nosso personagem, o Fanha, de alguma forma, continuou presente no
imaginário citadino. Naquele período, segundo Costa Franco, o local começou a melhorar de status, quando nele
passou a residir o destacado médico, escritor e jornalista Caldre Fião
(1824-1876), um dos fundadores da mais antiga sociedade literária do Brasil: o
Partenon Literário (1868).
Já Ary Veiga Sanhudo
(1915-1997) registrou que a troca do nome se deu no ano de 1895, inclusive, com
a demolição das casas do velho Beco, determinada pelo intendente (prefeito)
Alfredo Augusto de Azevedo.
Em 1874, entre a Rua Riachuelo e a
Rua da Praia, a travessa foi calçada, sendo que o trecho da Rua da Praia até a
Rua Sete de Setembro foi concluído somente em 1892.
Na administração do intendente
José Montaury de Aguiar Leitão (1858-1939), a Travessa Paysandu foi alargada em
sete metros do lado da numeração ímpar, ficando com a largura de 13 metros. Na
época, esta obra foi bastante importante, pois modernizou o local em relação a
várias ruas centrais consideradas nobres.
O antigo prédio da Caixa
Econômica Federal, localizado na esquina da Rua Sete de setembro, a sede do
jornal A Federação (1884-1937) e do Grande Hotel, na esquina da Rua dos
Andradas, deram uma configuração moderna à Travessa Paysandu. Ainda assim,
apesar da alteração do nome, muitos persistiam em chamá-la de Beco do Fanha.
No dia 6 setembro de 1922, na
esquina da antiga Travessa Paysandu, hoje Rua Caldas Júnior, inaugurou-se a
nova sede do jornal republicano “A Federação” (1884-1937). Com a implantação do
Estado Novo (1937-1945), por ordem do presidente de Getúlio Vargas (1882-1954),
o jornal encerrou a sua circulação. Nesse local também foram impressos o Jornal
do Estado (1938-1942) e por último o “Diário Oficial do Estado”. Desde 10 de
setembro 1974, ali se encontra instalado o Museu de Comunicação Hipólito José
da Costa, dirigido, atualmente, pela jornalista Elizabeth Corbetta. Neste ano,
esta instituição completará 44 anos de importantes atividades culturais junto à
sociedade gaúcha.
Em 1º /12/ 1944, um decreto
municipal foi assinado pelo prefeito Brochado da Rocha (1907-1995),
determinando que a antiga Travessa Paysandu fosse denominada de Rua Caldas
Júnior. Na realidade, houve uma permuta de nomes: a Rua Caldas Júnior, que se
localizava no bairro Partenon, passou então a chamar-se Paysandu (Paissandu).
As gerações mais recentes sequer
imaginam que, hoje, onde transitam, havia um Beco, no qual circulavam cidadãos
livres e escravos. De acordo com a historiadora Sandra Jatahy Pesavento
(1945-2009), rufiões e cafetinas também faziam parte deste cenário, abrigando,
em seus casebres, as “horizontais” - como a imprensa da época as denominava -
ou mulheres de vida “airada”, em busca de sobrevivência, como registrou nosso
primeiro cronista Antônio Alvares Pereira Coruja (1806-1889). Outros
tempos... Atualmente, o local faz parte do Centro Histórico da Cidade. No dia 26 de março de 2018, Porto Alegre - o
antigo Porto dos Casais - completou seus 246 anos de fundação. Parabéns “ Cidade Sorriso”!
*Artigo publicado no jornal gaúcho Zero Hora
de 26 de março de 2018
*Pesquisador
e coordenador do setor de imprensa do Museu de Comunicação HJC
Bibliografia:
FRANCO, Sérgio da Costa. Porto
Alegre / Guia Histórico. Porto Alegre: Ed. da Universidade (UFRGS), 1988.
OLIVEIRA, Clovis Silveira de.
Porto Alegre / A cidade e sua formação. Porto Alegre: Gáfica e Editora Norma,
1985.
SANHUDO, Ary Veiga. Porto Alegre
/ Crônicas da Minha Cidade. Porto Alegre: Ed. Movimento.
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