Zillah Branco* | opinião
O PS, como todos na sociedade,
viveu o processo desencadeado no 25 de Abril de 74 sofrendo contradições
internas, pessoais e geracionais, que refletem a formação de esquerda ou de
direita, dialécticamente contraditórias. Mário Soares aliou-se a dois representantes
do imperialismo - Kissinger e Willy Brandt - que com financiamentos e trabalhos
secretos conduziram o PS a negar a sua anterior aliança com a luta dos
democratas portugueses. Combateu tenazmente as acções de Vasco Gonçalves na
defesa das nacionalizações da banca e das empresas essenciais ao
desenvolvimento nacional, no apoio à Reforma Agrária e à organização dos
pequenos agricultores para fazerem face à cobiça das multinacionais que
assumiam o comando da revolução industrial no campo expulsando os camponeses
para as cidades ou o circuito da emigração. Colocou o PS como
"social-democrata" contra a esquerda organizada nacional.
Com tal postura o PS, ao combater
o entusiasmo libertador que abalava a população portuguesa, tornou-se
responsável pela incultura política associada ao medo histórico contido na onda
de anti-comunismo fossilizado que a direita (moderna e antiga) impôs com
mentiras divulgadas e bombas assassinas dominando uma população que não tivera
acesso à formação escolar e social em meio século de ditadura.
Vários dos seus ilustres
camaradas abandonaram o PS que adotava a vocação da direita com um projecto
liberal capitalista. O inimigo principal havia sido transferido do combate à
ditadura fascista para a guerra fria imperialista contra a esquerda liderada
pelo PCP. Deixando as acções terroristas para os partidos de direita - CDS e
PPD - manteve-se perante o eleitorado como defensor da Revolução dos Cravos. E
assim dominou o governo com uma política neo-liberal que partilhou com a
direita - PSD atrelado ao CDS.
Aderiu à UE, sempre pela mão dos
antigos mentores, vendendo a pátria por investimentos aplicados no visual do
território a ser modernizado e no enriquecimento da banca e empresas privadas,
e impedindo o desenvolvimento social que tocava directamente o povo português:
impulso à pequena produção agrícola e artesanal, controle da produção
empresarial para manter as leis trabalhistas e os benefícios necessários ao
Estado Social que atende gratuitamente a população com serviços de saúde,
formação escolar, assistência social aos idosos, invádos e desempregados, que a
esquerda e muitos democratas sem partido defendiam.
Pintou de dourado um
"Portugal de ricos" que oferece as suas qualidades naturais de
paisagem e de uma antiga cultura camponesa aos turistas ricos. Deixou-se
invadir por uma cultura capitalista importada que afogou o dinamismo natural do
povo portugues e das forças produtivas existentes com tradição milenar
específica. Adoptou o ingles como segunda lingua (subserviente ao imperialismo)
e estilhaçou o idioma que serviu de base a povos da América, África e Ásia, na
criação de linguas próprias enriquecidas pelos contactos históricos com várias
etnias, além de constituir a expressão da riqueza literária de Portugal. Enfim,
reduziu Portugal a uma peça do xadrez da UE, sem soberania para recusar, pelo
menos, participar nas guerras invasoras do Oriente Médio e Norte da África, ou
das repúblicas europeias de expressão socialista.
Mas a dialética não se apaga com
um sopro, nem com a guerra fria. Os governos do PS foram de mal a pior até
chegarem a Sócrates, formado pela juventude PSD e pela escola da média
(especializada em projectar futuros membros do Clube de Bildenberg ou de governantes
dóceis). Os desmandos foram tais, que contribuiram muito para a crise mundial
do capital que escoa em maior volume para paraisos fiscais e formas de
corrupção, retirando os lucros prometidos aos seus modestos depositantes e
levando-os à miséria e muitas vezes à morte (como foi o caso do BES e tantos
outros bancos internacionais).
Diante de tal cenário caótico,
uma nova geração que leva à sério o título de "socialdemocrata" como
um compromisso de honra com a população para criar um Estado Social controlado
com base na equidade e justiça, abriu o Congresso do PS em 2013 exigindo uma
auto-crítica. É verdade que o jovem
orador, apesar de bastante aplaudido, teve o seu nome retirado do site do
Congresso e foi visivelmente censurado pela mesa dirigida por Maria Belém. Mas,
a sua coragem teve eco e lançou uma ponte para evitar que o PS, ainda de Seguro
e seus anquilosados próceres, sofresse o esvaziamento que Passos Coelho
provocava no PSD. Sentiram a necessidade de limpar a expressão "socialista"
de toda a carga de reacionarismo que conspurcara os seus princípios
republicanos nas cedências vergonhosas à direita que serve ao imperialismo nas
suas devastações planetárias.
Neste contexto as eleições
conduzidas pela TV controlada pela direita e investimentos mal explicados
repetiram o programa neo-liberal recomendado pela Troika. A esquerda, liderada
pelo PCP, abriu uma porta ao PS - em fase de auto-critica - para que, assumindo
compromissos com critérios sociais e não financeiros, para poder governar o país
que exigia a correção dos muitos erros praticados em nome de uma falsa
"austeridade" que apenas enriquecia o poder financeiro da UE e
destruia o povo e a soberania da Nação.
O atual PS herdou um país
enfraquecido pela continuada extinção das conquistas democráticas do 25 de
Abril e a prática do neo-liberalismo imposto pela UE. O grande incêndio de 2017
demonstrou que há muito vem sendo desgovernado o campo para ceder à espoliação
das terras e matas por empresas privadas com apoio multinacional. Para garantir
proteção mínima o atual governo só vê (à luz do neo-capitalismo, e não da
necessária auto-critica) a possibilidade de carregar os camponeses que restam
para a periferia de cidades e deixar a terra para os grandes empresários que a
cobiçam. Não se atreve a retomar o que a esquerda elaborou em 1974 para
modernizar um campesinato com a sua força produtiva apoiada pelo Estado.
Mas, na queda de prestígio da
velha direita diante de algum alívio nacional ao sacrifício da população (com a
memória e a Constituição progressista de Abril) e às denúncias dos crimes
incontroláveis do sector financeiro (devido ao que apelidaram "a geringonça"
que aproximara o PS dos aspectos sociais exigidos) os grandes problemas que
estão à vista de todos foram também reconhecidos pela TV. Porque? Agora o tema
de interesse popular é apresentado pelos partidos de direita, que também
recordam a costela "socialdemocrata" e põem a "boca no
trombone" (com discursos que revelam o que a esquerda repete há décadas
sem apoio mediático), com o conhecimento por dentro dos erros que ajudaram a
cometer nos governos alternados há mais de 40 anos), que os direitos dos trabalhadores
não são respeitados, os salários estāo congelados, a saúde e o ensino perdem
investimentos que vão para as empresas privatizadas, os pequenoa agricultores
vão sendo expulsos do campo, não há apoio social para acompanhar os idosos, as
mães desempregadas ou sem marido perdem o direito de educarem seus filhos,
enfim... não há Estado Social. Portugal volta a ser "um jardim a beira-mar
plantado, com bela arquitectura e boa culinária, servida por pessoas risonhas e
submissas", para o requinte dos turistas ricos! E o povo que construiu
esta Nação emigra!
Para mais, o que é um problema em
todos os países capitalistas, os defensores de um sistema honrado judicial
vêm-se impossibilitados de limpar a sociedade dos sangue-sugas do sistema
neo-liberal que é o motor da contra-democracia imposto pelo imperialismo
global. Há uma crescente convergência com as permanentes críticas feitas
mundialmente pela esquerda consequente.
De facto o PS, agora curvado à UE
e seus aliados (com os quais concorre eleitoralmente), está "entre a cruz
e a caldeirinha". Para usar uma expressão bem portuguesa: "temos
pena". No entanto, podemos apontar o caminho dialéctico da saída: coragem
para defender o socialismo real, como apontou a auto-crítica já proposta.
Estes problemas ocorrem em todo
mundo capitalista em decorrência da crise sistémica. Os povos estão em luta
contra as invasões, os golpes, as provocações de conflitos internos por grupos
financiados pelo imperialismo, mas também dos abusos de poder e os roubos
avassaladores dos recursos nacionais em prejuízo exclusivamente das condições
de vida dos povos. A solução depende da capacidade de compreensão dos que
prezam a democracia, a liberdade social, a solidariedade humana, a honra
pessoal e a soberania da pátria, acima dos interesses mesquinhos de poder e
riqueza.
Zillah Branco -
*Cientista Social, consultora do Cebrapaz. Tem experiência de vida e trabalho
no Chile, Portugal e Cabo Verde.
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