domingo, 25 de março de 2018

EUA | "Nunca mais!" A América junta-se aos sub-18 para travar as armas


Marcha pelas Nossas Vidas chegou a mais de 800 localidades. Iniciativa partiu dos sobreviventes do ataque em Parkland, Florida, e reservou os discursos aos menores de idade - as vítimas sempre que há um novo tiroteio numa escola.

Meio milhão de pessoas esperadas só em Washington DC, marchas-irmãs em mais de 800 cidades por todos os Estados Unidos e protestos solidários de Londres a Sydney, de Genebra a Tóquio. A América - com o apoio do resto do mundo - juntou-se ontem (sábado) à chamada geração dos tiroteios na Marcha Pelas Nossas Vidas - um protesto global contra as armas, convocado pelos sobreviventes do ataque de 14 de fevereiro na escola de Parkland, na Florida, que fez 17 mortos.

"Eu tenho um sonho de que basta. E que este deve ser um mundo sem armas, ponto final!", afirmou Yolanda Renée King, fazendo eco do mais famoso discurso do avô, Martin Luther King, pronunciado não muito longe dali em 1963. Yolanda foi uma das participantes na marcha de Washington DC que encheu a Pennsylvania Avenue até ao palco instalado antes do Capitólio. Aos 9 anos, Yolanda parece ter herdado os dotes oratórios do avô e apelou à multidão para repetir: "Espalhem a palavra! Ouviram? Todo o país. Vamos ser uma grande geração!".

Yolanda foi apenas uma dos oradores da tarde, num protesto em que adulto pode participar mas não fala. A voz é dos sub-18 porque as vítimas são eles sempre que há mais um tiroteio numa escola. Por isso saíram às ruas, com a América atrás, para dizer "Nunca mais!" A iniciativa partiu de um grupo de sobreviventes da escola Marjory Stoneman Douglas em Parkland, cujos rostos mais conhecidos são Emma González, David Hogg, Cameron Kasky, Alex Wind e Jaclyn Corin. Os cinco surgem na capa da revista Time com a mensagem "Basta!"

No sábado os discursos foram intercalados com atuações de jovens artistas como Miley Cyrus ou Demi Lovato. A iniciativa já havia recebido apoio de personalidades como a apresentadora Oprah Winfrey, o realizador Steven Spielberg ou o ator George Clooney que, com a mulher, Amal, doou 500 mil dólares para ajudar à organização.

O objetivo é chamar a atenção dos políticos para mudarem a lei das armas. Uma velha reivindicação, por exemplo, do ex-presidente democrata Barack Obama, que no sábado escreveu no Twitter o seu apoio aos jovens manifestantes: "A Michelle e eu estamos muito inspirados pelos jovens que tornaram possíveis as marchas de hoje. Continuem. Estão a guiar-nos. Nada pode travar os milhões de vozes que apelam à mudança". Mas essa mudança da lei nunca aconteceu, muito por influência do poderosíssimo lóbi das armas, a NRA.

Apostados em usar a indignação causada pelo tiroteio de Parkland, os jovens acreditam que chegou a hora de mudar. Mesmo se o assunto divide a sociedade americana - segundo uma sondagem da AP divulgada sexta-feira, o apoio a mais restrições atingiu o número mais alto em cinco anos: 69% - e o direito ao porte de arma é garantindo pela Constituição. E os democratas esperam registar pelo menos mais 25 mil novos eleitores a tempo das intercalares de novembro, quando pretendem recuperar o controlo de pelo menos uma das câmaras do Congresso, atualmente ambas nas mãos do republicanos.

Depois do tiroteio de Parkland, o presidente Donald Trump - que foi passar o fim de semana a Mar-a-Lago, na Florida, anunciou algumas medidas. Por um lado proibiu a venda de bump stocks, um dispositivo que transforma armas semi-automáticas em automáticas, por outro anunciou o reforço da segurança nas escolas e treino para armas os professores. Mas no orçamento de 1,3 biliões de dólares assinado na sexta-feira pelo presidente Trump, só uma ínfima parte se destina aos programas de segurança nas escolas e ao reforço do controlo do historial dos compradores de armas.

Num discurso que durou 6 minutos e 20 segundos, exatamente o mesmo tempo do tiroteio em Parkland, Emma Rodriguez leu o nome das 17 vítimas, dando pormenores sobre cada um deles. Depois de um longo silêncio, a jovem logo reconhecível pela cabeça rapada, rematou: "Desde que cheguei aqui passaram seis minutos e 20 segundos, e o atirador parou de disparar e vai abandonar a arma, misturar-se com os estudantes que fogem e escapar durante uma hora até ser detido. Lutem pelas vossas vidas antes que tenha de ser alguém a fazê-lo por vocês", disse antes de sair do palco sob gritos de "Nunca mais!"

Helena Tecedeiro | Diário de Notícias (ontem)

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