Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre
De acordo com o pesquisador e
jornalista João Batista Marçal (1941-2018), em sua obra “A Imprensa Operária do
Rio Grande do Sul” (2004), a “Tribuna Gaúcha” foi o jornal mais corajoso e
combativo da esquerda gaúcha, despertando perseguição e ira das oposições
políticas da época.
Em 17 de fevereiro de 1946, a
“Tribuna Gaúcha” começou a circular, em Porto Alegre, preenchendo uma lacuna
importante, após a revista “Libertação” (1945), redigida por intelectuais
comunistas, ter encerrada a sua circulação. Esta revista contou com nomes
importantes, como Décio Freitas (1922-2004), Dyonélio Machado (1895-1985),
Antônio Pinheiro Machado Neto (1924-1998), entre outros.
Órgão de massa do PCB / RS (Partido
Comunista Brasileiro), o jornal foi criado para ser um diário, porém devido a
tantas dificuldades, em alguns períodos, alternava a sua periodicidade. Durante
uns dez anos, seus repórteres, redatores e diretores vivenciaram o vaivém das
entradas e saídas das portas das prisões da capital. O título do jornal se
alternava entre “Tribuna Gaúcha” ou apenas “Tribuna”, tratando-se, evidente, de
um artifício para driblar os censores e a polícia devido às atividades clandestinas
do Partido.
Na realidade, a criação desse
periódico foi resultado de uma articulação comandada pela cúpula nacional do
PCB, objetivando criar uma rede de jornais e revistas que atingisse o maior
público possível no território brasileiro. Com esse intuito, contou com a
colaboração de intelectuais das mais diversas áreas.
As várias sedes do jornal
A primeira redação da Tribuna
Gaúcha se localizava na Rua General Câmara (antiga Rua da Ladeira), quase
esquina com a Andrade Neves. No porão do prédio, ficavam as oficinas gráficas.
Em maio de 1952, a sede do jornal foi transferida para a Rua Vigário José
Inácio, 215, esquina com a Rua Voluntários da Pátria (próximo das Ferragens
Gerhard). Sob a direção de Ophir Pinheiro, ocorreu outra mudança de endereço: a
sede se transferiu para a Av. Borges de Medeiros, à esquerda, perto da Rua da
Praia (Rua dos Andradas).
O jornal Tribuna Gaúcha -
porta-voz do PCB – circulou até a metade de 1958, praticamente, 12 anos após a
sua fundação. Outros jornais, numa espécie de rede e com o mesmo perfil
ideológico, circularam noutros estados, a exemplo do Rio de Janeiro onde
circulou a Tribuna Popular.
Memória
O Museu de Comunicação Hipólito
José da Costa, localizado, na Rua dos Andradas, 959, em Porto Alegre, possui
alguns números que foram doados pelo historiador e funcionário público
concursado do Ministério Público Estadual Raul Carrion. Esta instituição,
atualmente, está sob a direção da jornalista Elizabeth Corbetta.
Censura, perseguição
e assassinato
Na Rua da Ladeira (atual General
Câmara), visando evitar a circulação da “Tribuna Gaúcha”, ocorriam prisões,
espancamentos, tumultos e até derramamento de sangue em momentos críticos de
repressão. A ordem poderia partir do Tribunal da Justiça, da Guarda Civil ou
até mesmo de um delegado enfurecido com o conteúdo do jornal. Com a redação
sempre vigiada, a cada edição se estabelecia um confronto. As portas do prédio
permaneciam fechadas e, no seu interior, o jornal era rodado, enquanto os
militantes pensavam numa forma de burlar a vigilância policial e distribui-lo
em locais estratégicos e previamente determinados.
Entre outras formas, para tentar romper
com o cerco, a mais comum era escolher uma pessoa na redação que, ao sair da
sede, iniciava um discurso contra o governo, atraindo a atenção dos repressores
e desviando–os do seu foco: a redação. Caso houvesse êxito estratégico,
alguns militantes se deslocavam, de forma rápida, com pacotes de jornais, para
serem distribuídos, na Rua Praia, em pontos nos quais o jornal já estava sendo
esperado. Noutras situações, apesar das perseguições constantes, a “Tribuna
Gaúcha” renascia, como num passe de mágica, a exemplo do que ocorreu quando da
sua depredação, em 24 de agosto de 1954, data do suicídio do Presidente Getúlio
Vargas.
João Batista Marçal nos narra, em seu
livro já citado, dois episódios que eram constantes em relação à “Tribuna
Gaúcha”. Um deles ocorreu com o militante Laci Osório (1911-1999), que, após
ter discursado, visando driblar o cerco à redação do jornal, foi preso, e o
delegado lhe encostou uma arma no peito. É o próprio Laci que nos conta esta
historia em seu livro “Questão de Vida – Memória em Tempo de Porto Alegre” (Ed.
Movimento, 1981): “Ele tremia de pistola na mão. Tive medo do medo do beleguim.”
Outro fato foi vivido pelo líder comunista, Ulysses Villar (1906-1994), que
assim declarou: “Desci a ladeira abaixo de pau, mas trouxe para Uruguaiana os
jornais que fui buscar”.
A presença feminina
Fato curioso se dava em relação às mulheres
militantes, quando estas entravam em ação como o último recurso para romper com
a vigilância em frente ao prédio da redação. Após adentrarem no local, em
dupla, saiam calmamente. Até então seria um fato comum, caso não fossem
os quilos a mais que poderiam simular uma gravidez de gêmeos. Na realidade,
tratava-se de jornais enrolados na cintura ou nas pernas dessas mulheres,
dependendo do vestuário. Geralmente, não despertavam suspeitas e desciam a
ladeira, conversando, com descontração, sobre futilidades do cotidiano.
Entre nomes de mulheres importantes,
ligadas à “Tribuna Gaúcha”, encontram-se: Julieta Batistioli (1907-1996) - “A
Pastorinha” – que foi a primeira vereadora comunista do Rio Grande do Sul; a
poetisa, professora e pianista Lila Ripoll (1905-1967) e a jornalista Edith
Hervé de Souza (1916-1998). Em se tratando de uma extensa lista, podemos
citar, ainda, Ofélia do Amaral Botelho, a poetisa Beatriz Bandeira e a jornalista
Eunídia dos Santos (1920-1995). Esta última, nascida, em Porto Alegre, é
considerada a primeira mulher a dirigir um jornal comunista no Brasil, tendo
exercido um papel fundamental em sua sustentação financeira.
O ícone Eloy Martins
Uma figura, que passou a fazer parte do
imaginário citadino, foi o líder metalúrgico Eloy Martins (1911-2005), natural
de Laguna (SC). Eleito, em 1947, para a Câmara Vereadores de Porto
Alegre, destacou-se pela coragem como enfrentou os adversários políticos e a
repressão da época, Inúmeros foram os confrontos nos quais foi agredido e
preso. A foto que registrou Eloy Martins, vendendo a “Tribuna Gaúcha”, na Rua
da Praia, tornou-se um ícone da esquerda gaúcha.
Sofrimento e resistência
Na redação do jornal, gráficos e jornalistas
permaneciam em vigília constante diante das ameaças de destruição do parque
gráfico. A redação se assemelhava a um quartel onde redatores, editores,
tipógrafos e diretores formavam um exército de homens e mulheres atentos e vigilantes
em relação aos adversários, que não davam trégua entre uma edição e outra do
demonizado periódico.
Considerado um dos melhores redatores da
Tribuna Gaúcha, Carlos Alberto Brenner não suportou a pressão e não quis mais
viver. Advogado, natural de Santa Maria, ele fez parte do grupo oriundo da
revista “Libertação” (1945). Outro caso de perseguição ocorreu com o poeta,
artista plástico, jornalista e revolucionário Fernando Melo (1922-1949).
Assassinado, em Caxias do Sul, pela polícia local, este jornalista, além de
participar da Tribuna Gaúcha, era um dos editores do semanário caxiense “Voz do
Povo”. Já o excelente jornalista e editor da Tribuna Gaúcha, José Gonçalves
Thomaz (1927-1956), natural de Uruguaiana, foi vitimado por um câncer, causado,
provavelmente, por uma excessiva carga emocional. Outro nome importante,
nascido, em 1926, na cidade de Uruguaiana, foi José Nelson Gonzales. Repórter e
editor da “Tribuna Gaúcha”, ele foi preso em várias ocasiões.
Os intelectuais
O jornal “Tribuna Gaúcha” contou,
além dos já citados, com outros nomes ilustres, como Dyonélio Machado
(1895-1985) Cyro Martins (1908-1990), Júlio Teixeira (1910-1986), Álvaro
Moreira (1888-1964), Dalcídio Jurandir (1909-1979), Aparício Torelly / Barão de
Itararé (1895-1971), Décio Freitas (1922-2004), João Aveline (1919-2005), entre
outros.
Diante da ausência do propagado “ouro de
Moscou”, O MAIP (Movimento de Ajuda à Imprensa Popular) era o órgão que se
encarregava de arrecadar os minguados “tostões”, com os quais a incansável
Eunídia dos Santos (1920-1995) conseguia garantir a circulação do jornal.
O Guerrilheiro Negro
Ao encerrar esta verdadeira odisséia da
“Tribuna Gaúcha”, não poderia deixar de registrar o nome do jornalista Edmur
Péricles de Camargo (1914-1971?). Conhecido como o Gauchão, seu caso é
investigado pela Comissão da Verdade, que apura mortes e desaparecimentos
durante o período da ditatura civil-militar (1964-1985), De acordo com Marçal
(2004), considerado o “guerrilheiro negro”, a sua trajetória faz por merecer
que seja escrita uma biografia aprofundada. Edmur foi preso pelos órgãos da
repressão na Argentina, em escala de vôo, em Buenos Aires, e na madrugada do
dia seguinte foi posto num avião da FAB (Força Aérea Brasileira) que o trouxe até
o Brasil, tendo desaparecido, desde então, nas mãos dos agentes públicos que
serviam ao regime ditatorial do Estado brasileiro.
O Jornal a “Tribuna Gaúcha” se
constitui num ícone na história da imprensa operária no Rio Grande do Sul. Em
suas páginas, encontra-se a marca indelével de grandes nomes do nosso
jornalismo, que assumiam em suas matérias, com coragem e destemor, as suas
posições político-ideológicas.
*Pesquisador
e coordenador do setor de imprensa do Musecom
Bibliografia
MARÇAL, João Batista; MARTINS, Mariângela. Dicionário
Ilustrado da Esquerda Gaúcha. Porto Alegre: Libretos, 2008.
MARÇAL, João Batista. A imprensa operária do
Rio Grande do Sul. (1873-1972). Porto Alegre. 2004.
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Rio Grande do Sul século XX: Organizações operárias: Uma história feita de
sangue e intolerância. Porto Alegre: Gráfica Relâmpago, 2011.
PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz.
"Que a união operária seja nossa pátria": história das lutas dos
operários gaúchos para construir suas organizações. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2001.
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