terça-feira, 15 de maio de 2018

CASSINGA, OU UM ABISMO ENTRE CIVILIZAÇÃO E BARBÁRIE


CUBA CULTIVA UMA MEMÓRIA QUE É UM PATRIMÓNIO IMPRESCINDÍVEL PARA TODA A HUMANIDADE E ESSA SAGA ESTÁ A MOBILIZAR OUTRAS NAÇÕES, OUTROS ESTADOS E OUTROS POVOS, NO SENTIDO DE SE CONTINUAR O RUMO CIVILIZACIONAL QUE ADVÉM DA LUTA ARMADA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL DE CADA UM DELES!

Unindo-me à corrente que lembra a memória do 40º aniversário do hediondo massacre de Cassinga (“Operation Reindeer”).

Martinho Júnior | Luanda 

1- Todos os comentários dos que serviram o “apartheid” se limitam, no espaço e no tempo, à bravata guerreira da “Operation Reindeer”, não conseguindo ganhar dimensão para além dessa evocação obscena, saudosista e retrógrada, dos cenários sangrentos que então provocaram.

Para os servidores do “apartheid” não havia luta, por que tal como para os colonialistas portugueses e rodesianos, na internacional fascista que se havia implantado na África Austral usurpando o espaço sócio-político, económico, institucional e de relacionamentos internacionais, jamais poderia haver luta, mas guerra “contra a subversão comunista”, exploração, racismo e ódio, sem limites, sem cartel e sem fronteiras, na espectativa que seu poder se mantivesse até ao infinito e a partir desse mesmo exercício sangrento!

Pendiam sobre as cabeças dos combatentes da liberdade seus aviões e suas bombas, inaugurações de Guernica, suas tropas de assalto, sua bomba atómica que impunemente surgia à revelia de qualquer tratado e esgueirando-se pendurada ao guarda-chuva do império da hegemonia unipolar e seus vassalos!

Por isso muitas vezes os “feitos guerreiros” são empolados em si mesmos, com relatos agarrados a uma árvore apodrecida e incapaz de ganhar o mínimo vislumbre em relação à floresta, incapaz de coerência histórica, muito menos de solidariedade, de internacionalismo, ou de dignidade, conceitos desconhecidos e vilipendiados por uma cruzada infecunda, com essa mesma lógica incapaz de por si conseguir-se fazer sair de suas próprias trevas, do seu ignóbil obscurantismo!

Esse é o retrato fiel, ainda que incompleto, da barbárie que levou ao massacre de Cassinga e leva hoje a uma disputa inqualificável, aproveitada pelos meios de difusão que persistem em cultivar, em pleno século XXI, o passado de trevas que tentam ainda, por inércia, fazer prevalecer, aproveitando o esteio duma globalização inebriada pelo capitalismo neoliberal e insuflada pelas novas tecnologias comunicacionais!

Instrumentos, para que tal aconteça, não faltam ao poder dominante da hegemonia unipolar e em conformidade com a visão grotesca do império.

Corroborando a tendência internacional, a Alemanha tarda oficialmente em reconhecer o genocídio herero e namaqua, ocorrido entre 1904 e 1907 no então Sudoeste Africano, procurando esquivar-se das reparações.

O processo dialético que advém do passado, chega aos nossos dias e continuará ainda no futuro, por que agora o que é da civilização luta pela sobrevivência da espécie humana e pelo respeito que a Mãe Terra merece, mas a barbárie não terá, para além das tumbas individuais de cada um de seus mentores, monumento algum em memória de seus irresponsáveis actos, quedando-se como um resíduo feudal face à imprescindível lógica com sentido de vida que já não pode ter outra alternativa senão o contínuo empecilho da afronta da barbárie!

2- Para Angola, para Cuba, para a Namíbia e para tantos progressistas de todo o mundo cujas fileiras tendem inexoravelmente a engrossar, neste caso reunida a civilização em torno da SWAPO, a luta era contra a internacional fascista que atormentava a África Austral e era uma afronta para África e para toda a humanidade…

… e lutar implicava reunir forças em todas as frentes, não só as militares, em reforço do Movimento de Libertação que seguia a trilha apontada pelo Presidente Agostinho Neto… “na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul está a continuação da nossa luta”, lembram-se?!


3- Quando ocorreu o massacre, foi o 2º Grupo Tático de Cuba que acorreu mais rapidamente ao local do assalto ao campo de refugiados, à custa do sacrifício de 16 combatentes mortos e algumas dezenas de feridos e foi essa unidade, estacionada então nas minas de ferro em Tchamutete, que fez o primeiro rescaldo do massacre, quando ainda havia moribundos e feridos dispersos e à mercê dos assassinos, conforme aliás os depoimentos individuais de alguns dos sobreviventes.

Desde esse momento, Cuba, Namíbia e Angola deram continuidade à luta:

Sepultaram-se os mortos e cuidaram-se dos feridos;

Resgataram-se para a vida os que, directa ou indirectamente, viveram os momentos trágicos do pérfido ataque, ou seja, algumas centenas de crianças, mulheres e velhos refugiados, traumatizados, atordoados e meio confusos;

Reiniciou-se a implantação em novos moldes dos campos de refugiados namibianos, de forma a encontrarem-se soluções de estabilidade e de equilíbrio, integrando-os no contexto angolano que então se propiciava;

Levaram-se para Cuba as crianças em idade escolar, a fim de ganharem capacidades para um dia servirem com competência, honradez e dignidade o seu próprio povo mártir e heróico, quando chegasse a hora da independência e da soberania tão desejada ao longo das várias gerações que em vida transitaram ao longo do século XX e princípios do XXI;

Cultivou-se a memória seguindo sem equívocos essa ampla trilha de luta da qual, 40 anos depois, emerge a luz de civilização que se destaca das trevas do colonialismo, do “apartheid”, de suas sequelas e das bravatas guerreiras de assassinos que esgaravatam a história sem pensar nas consequências de seus próprios actos, tolhidos pelas filosofias, ideologias e práticas, esgotadas nos seus próprios labirintos tenebrosos!


4- Cassinga irá assim e justamente surgir como um manancial de civilização inestimavelmente inspirador:

Erguer-se-á um monumento que lembrará às gerações vindouras especialmente da Namíbia, de Angola e de Cuba, aquele momento trágico que contribuiu para a viragem que se adivinhava e se impunha;

Reconstruir-se-á a localidade, conferindo-lhe toda a dignidade histórica em relação a todos os povos da África Austral, de África e de todo o mundo;

Confluirá como uma barreira intransponível a amizade entre os povos da Namíbia, de Cuba, de Angola, assim como de todos os estados, nações, povos e movimentos sociais progressistas que tanto têm a memorizar em proveito das gerações vindouras e de pátrias cuja civilização se identifica com as mais nobres aspirações de toda a humanidade;

Reverterá sempre para a luta pela educação e a saúde uma parte importante desse esforço comum, por que o subdesenvolvimento crónico dos africanos, latino-americanos e asiáticos, impõea tenacidade e a constância dessa luta;

Inspirará outras comemorações da luta que terá hoje e no futuro sequência, como por exemplo o ataque na barragem de Calueque, que um dia pôs fim à guerra da barbárie e por isso será outro ponto de confluência civilizacional dos povos da África Austral, de Cuba e de todo o mundo!...

E sabem que mais?

Em nome da civilização e contra a barbárie, A LUTA CONTINUA, por que PÁTRIA ES HUMANIDAD!

 “Tenga usted sensible lector por vez primera, los nombres de los internacionalistas cubanos caídos en Cassinga.

Para ellos, ¡Gloria!

1.     Antolín García Morgado.
2.     Eusebio González Hernández.
3.     Pedro Valdivia Paz.
4.     Ricardo Rey González Figueredo.
5.     Francisco Seguí Rodríguez.
6.     José Róger Méndes Román.
7.     Jorge Alberto Rodríguez Legón.
8.     Roberto Ambrosio Zamora Machado.
9.     Alfredo Varea Franco.
10.                       Basilio Caraballo Domínguez
11.                       Raúl Zalgado Espinosa.
12.                       Félix A. Cordero Barbeira
13.                       Redento García Iglesias.
14.                       Raúl Fernández Acosta.
15.                       Jorge L. Mendosa Tamayo.
16.                       Modesto Fernández Pena.


Martinho Júnior | Luanda, 11 de Maio de 2018


Imagens:
. A velha placa (conforme foto em tempo de guerra) numa das estradas à entrada do município, numa localidade que será revitalizada e integrará um monumento às vítimas do massacre de há 40 anos;
. Memória estatística das vítimas do massacre de Cassinga;
. Os Presidentes de Angola e da Namíbia irmanados numa ampla causa comum: a paz e uma longa luta contra o subdesenvolvimento;
. A nova estação do CFM na Jamba mineira, próximo de Cassinga;
. Uma foto de minha autoria do porto mineiro do Saco do Giraúl, tirada a 12 de Dezembro de 2015.

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