Estão na “linha da frente” dos
protestos contra Israel. Numa sociedade conservadora como é a da Faixa de Gaza,
as mulheres desdobram-se em formas de luta para reclamar um direito histórico —
o regresso às terras que outrora foram palestinianas e que agora são território
de Israel. “Somos todos terra”, diz ao Expresso uma jovem envolvida nos
protestos
Voluntariam-se para prestar
assistência aos feridos, lançam balões e papagaios de papel com as cores da
Palestina, fazem pão para matar a fome a quem esgota o corpo a “dar luta” a um
dos exércitos mais poderosos do mundo, aproximam-se corajosamente da fronteira
para gritar a sua revolta contra a ocupação israelita que transformou o
território onde vivem num gueto de onde é difícil sair.
São as mulheres da Faixa de Gaza
que, por estes dias, passam grande parte do tempo “em serviço” junto à
fronteira com Israel para lembrar, a Telavive e ao mundo, que há algo em dívida
para com os palestinianos — o direito do regresso às terras que já foram suas.
“Se queremos alguma coisa, o
melhor é fazermos barulho. E quando aquilo que queremos é a nossa terra? O
nosso direito? É por essa razão que participo na Grande Marcha do Regresso”,
diz ao Expresso Samah, uma palestiniana de 26 anos. “Tenho conhecimentos na
área de primeiros socorros, o que me permite ajudar os feridos. Saio de casa às
oito horas da manhã e regresso às sete da tarde.”
Na Faixa de Gaza, a vida está
refém da falta de soluções para o conflito israelo-palestiniano. Em entrevista
ao Expresso, o historiador israelita Ilan Pappé defendeu que “a guetização de Gaza é uma forma de apartheid” promovida
por Israel, que aplica no território “políticas genocidas”.
Ocupada por Israel na Guerra dos
Seis Dias (1967) e entregue à Autoridade Palestiniana após a retirada
israelita, em 2005, a Faixa de Gaza viu a sua situação complicar-se após o
Hamas tomar o poder pela força, em meados de 2006. A 25 de janeiro desse ano, os
islamitas venceram as eleições legislativas palestinianas, mas viram o
resultado não ser reconhecido nem pela rival Fatah, nem por Israel nem pela
comunidade internacional. O golpe do Hamas motivou, então, um bloqueio às
fronteiras do território onde, hoje, para se entrar e sair está-se dependente
da boa vontade das autoridades israelitas e egípcias.
“As mulheres veem os seus filhos
sem trabalho e ficam desesperadas. Então, participam muito nos protestos,
talvez não a pensar nelas próprias mas na terra e nos filhos”, diz Samah. “As
mulheres mais jovens também participam. Aqui, na Palestina, quando o assunto é
a terra ninguém fica indiferente, seja-se homem ou mulher. Somos todos terra.”
PRESSÃO PSICOLÓGICA DE ISRAEL
SOBRE AS MULHERES
A 5 de abril passado, já com a
Grande Marcha do Regresso nas ruas — começou a 30 de março e terminará esta
terça-feira, 15 de maio —, Avichay Adraee, o porta-voz do Exército israelita,
tentou falar ao coração dos setores mais conservadores de Gaza. Ao estilo de um
fanático talibã, escreveu na sua conta em língua árabe no Twitter: “Uma boa
mulher é a mulher honrada que se importa com o interesse da sua casa e dos seus
filhos, sendo um bom exemplo para que eles a sigam. Quanto à mulher má e sem
honra, essa não se importa com nada disso, age como uma selvagem que não tem
nada a ver com a feminilidade e não se preocupa com o olhar de desprezo com que
a sociedade a olha”.
Nesta como noutras guerras, a
psicologia é uma arma e, com este “post”, o militar israelita, ironica e
propositadamente, adotou o discurso do mais fundamentalista dos militantes do
Hamas para tentar fechar as mulheres de Gaza em suas casas.
“Ser uma sociedade conservadora
nunca foi um problema. Gaza pode continuar a ser uma sociedade conservadora
mesmo que homens e mulheres, juntamente com os seus filhos, saiam de casa para
participarem na Marcha”, diz Samah. “Ser ‘conservador’ não quer dizer ficar em
casa e não participar em eventos. Nunca poderá significar que as mulheres não
possam gritar pela verdade e que tenham de ficar de lado. Significa apenas
saber comportar-se e respeitar a sua fé quando se está fora.”
Samah estudou Literatura na
Universidade Islâmica de Gaza e fez formação na área da segurança e proteção.
Hoje trabalha como tradutora e coloca os seus conhecimentos de socorrista ao
serviço do seu ativismo pelo futuro da Palestina.
Entre as cerca de 50 pessoas
mortas desde o início dos protestos — a maioria atingida a tiro por “snipers”
israelitas posicionados do outro lado da fronteira — não consta nenhuma mulher.
Mas muitas estão entre os milhares de feridos. “Houve apenas ferimentos
ligeiros, nada de grave”, diz Samah. “Quando as mulheres participam, os homens
estão sempre lá para as proteger.”
Margarida Mota | Expresso
Imagem: Com uma pedra numa mão, o
telemóvel na outra e carteira a tiracolo, esta palestiniana mostra que a
revolta contra Israel faz parte do quotidiano da população de Gaza | MOHAMMED
SALEM / REUTERS
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