Polícia moçambicana persegue
suspeitos de terem decapitado 10 pessoas, no norte do país, e que serão membros
de um grupo com ligações ao radicalismo islâmico.
"Foram 10 concidadãos que
perderam a vida" depois de terem sido atacados com catanas, perto da
localidade de Olumbi, a 45 quilómetros da sede do distrito de Palma, referiu
Inácio Dina, porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM), em conferência
de imprensa esta terça-feira (29.05), em Maputo.
Os crimes aconteceram em
povoações situadas no meio rural, no meio do mato, sem eletricidade nem outras
infraestruturas e em dois momentos distintos.
Primeiro, ao nascer do dia, na
aldeia de 25 de Junho, o grupo cruzou-se com dois adolescentes, de 15 e 16
anos. Os dois residentes seguiam a rotina e dirigiam-se para a caça de pequenos
animais, para alimentação, quando morreram depois de terem sido intercetados
pelos agressores. Na mesma aldeia, o grupo, em número e com características não
especificadas pela PRM, decapitou três adultos, referiu Inácio Dina. Ao cair da
noite, e numa altura em que a população da zona já estava em alerta, o grupo
decapitou outras cinco pessoas residente na aldeia de Monjane, acrescentou.
Ataques em aldeias do meio rural
Segundo o porta-voz, os indícios
apontam para que os agressores façam parte do mesmo grupo que matou agentes da
polícia com metralhadoras e sitiou a vila de Mocímboa
da Praia durante dois dias em outubro de 2017 e que desde então tem
feito ataques esporádicos em aldeias do meio rural da região.
"Este é um grupo que foi
amplamente fragilizado", referiu Inácio Dina, numa alusão à ação das
forças de defesa e segurança naquela zona.
Os crimes ocorridos no último
domingo (27.05) representam "um total desespero, em tentar buscar algum
protagonismo", acrescentou, contrariando a ideia de que esta escalada de
violência signifique um aumento da ameaça à segurança em Cabo Delgado. Pelo
contrário, refere, os agressores procuram "fazer vincar que este grupo
ainda existe", fazendo crer que "tem uma musculatura" que,
segundo a PRM, não tem.
Nenhuma detenção até agora
A polícia e outras forças
posicionadas no terreno iniciaram a perseguição ao grupo logo que tomaram
conhecimento do sucedido, conforme indicou Inácio Dina. Ainda não foi feita
qualquer detenção. "Tudo quanto está a ser feito é encontrar estes
indivíduos para os colocar na prisão para a devida responsabilização de forma
copiosa como tantos outros já os colocamos a barra do tribunal para serem
responsabilizados".
Questionado sobre o ambiente que
se vive neste momento nas duas aldeias atacadas no último domingo Inácio Dina
afirmou que "neste momento o ambiente nós descrevemos como estacionário,
as pessoas estão a voltar normalmente a consciência e a voltar as suas
vidas". O porta-voz da Polícia revelou que em ligação com os ataques
levados a cabo na
província de Cabo Delgado, desde outubro ultimo a polícia já deteve cerca de
300 pessoas entre moçambicanos e estrangeiros, dentro e fora do país.
Violência politicamente motivada?
Para o docente de estudos de paz
e conflitos e estudos de segurança internacional, Calton Cadeado, a principal
coisa que todos querem perceber neste momento é se os recentes ataques, que
descreveu como um ato bárbaro, têm algo a ver com violência politicamente
motivada.
A DW África pediu a opinião do
académico em relação ao fenómeno de decapitação usado pelos atacantes no último
domingo.
Calton Cadeado observa que
o modus operandi do crime ainda é pouco esclarecedor uma vez que as
informações disponíveis são escassas, mas considera que apesar de várias
pessoas associarem o acto a violência politicamente motivada no âmbito do
terrorismo, ele tem cautelas em correr para essa definição. E explica porquê:
"É importante pegarmos estes
factos de outubro a esta parte, é importante pegarmos as alegações que se
tentam fazer de associação ao terrorismo mas esta ligação tem que ser feita com
muita cautela porque ainda é uma coisa nova na nossa realidade em Moçambique e
não podemos descurar que já houve outros casos de decapitação de pessoas (no
passado em Moçambique durante o conflito armado). Então é preciso juntarmos
muitas peças para percebermos esta realidade".
O académico Calton Cadeado antevê
vários cenários nomeadamente um aumento da vigilância popular que providencie
ao Estado informação para chegar a estas pessoas que protagonizam os ataques
e até agora são desconhecidas. Um outro cenário é o aumento deste tipo de
ataques caso a opção pelo aumento da vigilância popular não funcione. Mas
admite também um cenário ideal em que com a vigilância popular.
"Vai-se apertar o cerco a
estas pessoas desconhecidas e provavelmente daqui a curto e médio prazo estas
acções podem ser diminuídas até porque este tipo de crimes vai aumentar a
condenação social de qualquer grupo que queira se implantar na zona".
Destabilização feitas por células
dispersas
Uma investigação baseada em 125
entrevistas em Cabo Delgado, divulgada na última semana, concluiu que a
destabilização é feita por células dispersas que usam o radicalismo islâmico
para atrair seguidores, aos quais pagam rendimentos acima da média, financiados
por rotas de comércio ilegal de madeira, rubis, carvão e marfim, daquela região
para o estrangeiro.
Estes grupos incluem membros de
movimentos radicais que têm sido perseguidos a norte pelas autoridades do
Quénia e Tanzânia, refere o mesmo estudo, segundo o qual alguns elementos terão
sido treinados por milícias da região dos Grandes Lagos que por sua vez também
têm ligações ao grupo terrorista al-Shabaab, na Somália.
Os ataques surgiram numa altura
em que estão a avançar os investimentos no terreno para exploração de gás
natural em Cabo Delgado, prevendo-se que a produção arranque dentro de cinco a
seis anos, no mar e em terra, com o envolvimento de algumas das grandes
petrolíferas mundiais.
Leonel Matias (Maputo), Agência
Lusa | em Deutsche Welle | Foto: Cidade de Pemba, Cabo Delgado
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