Na busca de investimentos
alternativos, Moçambique aproxima-se estrategicamente da Rússia, que por sua
vez tem ganhos. A recente visita do chefe da diplomacia moçambicana a Moscovo
evidencia o novo xadrez que se compõe.
Terminou nesta segunda-feira
(28.05.) a visita do ministro moçambicano dos Negócios Estrangeiros, José
Pacheco, a Rússia. Foram alcançados acordos nos diversos domínios com destaque
para a Defesa e Energia. Moçambique tenciona adquirir mais armamento junto de
Moscovo e assinar acordos até ao final de 2018 para que a petrolífera
russa Rosneft comece a operar no setor do gás, na província norte de Cabo
Delgado. Entretanto, várias questões se levantam nesta nova era de relações
entre os dois países. Colocámos algumas delas ao analista do Centro de
Estudos Estratégicos e Internacionais, Calton Cadeado.
DW África: A defesa da soberania
legitima até certo ponto a aquisição de armamento. Mas justifica-se que isso
seja feita numa altura em que Moçambique está altamente endividado e nem
sabe ao certo como vai financiar essa compra?
Calton Cadeado (CC): Acho
que sim, por uma questão de soberania como coloca. Mas é bom dizer que hoje
existem vários tipos de armamento necessários para a defesa da soberania e da
integridade territorial do Estado para providenciar estabilidade. Há armamentos
que são usados do ponto de vista de dissuasão, de vigilância e há neste tipo de
equipamento a considerar também a cooperação que é preciso fazer com outros
países que ajudam a garantir a integridade territorial e soberania. Então, é
preciso sempre, nenhum Estado se pode dar ao luxo de se desarmar, sobretudo
quando se trata de uma país apetecível como Moçambique.
DW África: Moçambique prevê
assinar um acordo com a petrolífera russa Rosneft até ao final deste ano para a
exploração de gás no norte do país. Percebe-se que Maputo busca cada vez mais
perfis diferenciados de investidores. Quais seriam as vantagens desse redirecionamento
sob o ponto de vista económico e político?
CC: Primeiro grande aspeto a
salientar, é evitar qualquer tentativa de monopólio sobre os recursos naturais
de valor estratégico que Moçambique possui entregues a qualquer que seja o
país. E esta postura política e estratégica de Moçambique é consistente em
quase todos os recursos naturais. Mas é bem verdade que os americanos fizeram
muita pressão para terem o monopólio e não conseguiram por causa da
abordagem política de diversificação de parceiros que o Estado está a usar
neste momento. Por outro lado há uma desvantagem, é que geralmente essas
grandes companhias unem-se entre si para salvaguardar os seus interesses, e às
vezes até prejudicam os Estados. Mas essa é uma desvantagem que me parece que o
Estado moçambicano está a ver como mínima.
DW África: Na relação entre os
dois países existe também um dossier polémico: as dívidas ocultas. O
banco russo VTB emprestou 535 milhões de dólares a MAM. A visita do MNE de
Moçambique a Rússia também está relacionada a esse dossier, embora nada
tenha sido divulgado oficialmente...
CC: Sem dúvidas, isso é
quase que inegável. Mas ainda não há detalhes sobre essa situação, mas os
russos podem estar a usar este facto para incrementar a sua posição de parceiro
estratégico de Moçambique, não podemos descartar isso. Mas também é bem verdade
que nos últimos tempos o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia esteve em
Moçambique duas vezes, num momento crucial da política externa
russa. Lavrov veio a Moçambique numa altura em que a guerra na Síria
estava a atingir o pico em termos de confrontação verbal e violenta no teatro
das operações. Então, isso eleva a necessidade de importância que o Estado
moçambicano está a dar aos russos e provavelmente a importância que os russos
estão a dar a Moçambique. É que neste momento muitas potências estão a circular
na zona do índico, incluindo Moçambique, e a Rússia que é uma potência que
não tem muito dinheiro para dar, como fazem os outros, tem um capital político
que pode ser usado e aproveitado por Moçambique na hora de se proteger contra
ambições monopolistas que geralmente andam junto destes projetos lucrativos da
indústria dos hidrocarbonetos.
DW África: Referiu-se a visita de
Lavrov a Moçambique, onde relativamente ao VTB ficou acordado que isso seria
resolvido, faltando apenas acertar detalhes técnicos. Em que medida se pode
casar esta abertura da Rússia em negociar a dívida com os interesses da Rosneft
em Moçambique?
CC: Neste momento é
especulação tudo o que pudermos colocar, porque não temos os detalhes técnicos.
Teorias podem ajudar-nos a perceber isso: é que a Rússia precisa de Moçambique
e vice-versa, se calhar Moçambique precisa mais da Rússia do que o contrário,
porque neste momento a Rússia não tem muito dinheiro para investir muito longe
das suas fronteiras, principalmente quando sabemos que a Rússia está engajada
na Síria e engajada na defesa e proteção da sua integridade territorial
com as ameaças de aproximação da Ucrânia à União Europeia e à NATO.
Mas para Moçambique a presença da Rússia é um capital político importante, porque
a Rússia é uma potência que tem poder no Conselho de Segurança da ONU. Então, a
partir deste circuito todo de interligação de interesses com certeza que a
Rússia não quer perder um espaço de influência dentro de Moçambique. Já se sabe
que nos próximos anos Moçambique não vai ser a mesma coisa.
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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