Miguel Guedes | Jornal de Notícias
| opinião
A expectativa sobre o silêncio de
Manuel Pinho em sede de comissão de inquérito parlamentar é enorme e faz ruído.
Com o anunciado voto favorável do PS e PCP e a anuência do CDS, a proposta do
BE para a criação desta comissão é mesmo a melhor forma de ninguém fintar a
verdade ou de fugir com a renda à seringa. Se é verdade que foi Rui Rio o
primeiro a defender a audição parlamentar a Manuel Pinho, é a proposta do BE
que - no âmbito mais alargado das rendas do sector energético - permitirá
colocar na agenda política muito mais do que um ex-ministro aos soluços. Este
pode ser um processo onde o PS entre em catarse e é, indiscutivelmente, uma boa
notícia que o PS aceite essa convocatória para o divã.
Manuel Pinho anunciou que não
colocaria os pés na comissão parlamentar antes de ser ouvido em sede de
investigação judicial mas a comissão de inquérito vai obrigá-lo a prestar
contas. Se os poderes reforçados dos deputados em sede de inquérito vierem a bater
num muro de silêncio do ex-ministro, o ricochete aparecerá pela certa. Ninguém
compreenderá que se refugie em modo "mute", disfarce cómodo dos
néscios, nada dizendo sobre a suspeição que sobre si impende no contexto da EDP
por ter, alegadamente, recebido cerca de 2,1 milhões de euros de Ricardo
Salgado, 793 mil quando foi ministro da Economia. Esse silêncio inusitado, à
força de ainda não ter sido ouvido pelo Ministério Público, assegura ao
ex-ministro de José Sócrates um período de julgamento público mais nocivo e
epidémico do que toda e qualquer acção ministerial sua entre 2005 e 2009 ou
qualquer cêntimo que possa ter recebido entre 2006 e 2012.
A EDP foi financiada
indevidamente em 510 milhões à custa dos consumidores de electricidade e a luz
passou a reflectir em águas turvas. Foi Manuel Pinho que alterou as regras dos
Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC). Apesar do esforço de BE e
PCP no combate às rendas excessivas, seja pela alteração das regras do jogo dos
contratos CMEC, seja pela criação de uma contribuição extraordinária sobre as
renováveis no Orçamento do Estado de 2018, o veto político não se fez só pelo
silêncio. A permanente oposição do centro-direita ao abuso das rendas de
energia é um caso de cedência cega aos interesses que a suspeita pessoal sobre
Manuel Pinho só vem agora electrificar.
Na produção da prova, o arguido
tem o direito (não o dever) de prestar declarações, sem que o seu silêncio o
possa desfavorecer. Neste contexto, em sede de comissão de inquérito, Manuel
Pinho gozará do direito de ter a cara de pau de se desfavorecer através dele.
Para dificuldades, já lhe basta a falta de filiação partidária.
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
*Músico e jurista
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