quarta-feira, 2 de maio de 2018

Angola | UMA COMUNIDADE SACRIFICADA PELA ORGIA NEOLIBERAL – II - Continuação


Martinho Júnior | Luanda

3- O presente OGE dá indícios de se estar a procurar pôr cobro a muitos procedimentos nocivos que se inscrevem nessas agressivas linhas neoliberais que decerto vão desembocar mais cedo que tarde no neocolonialismo.

De certo modo uma parte importante dos membros da comunidade que pertenceu à ex-Segurança do Estado têm sido as primeiras vítimas dum processo histórico que foi determinando muitos desses sacrifícios e traumas, algo que em época de paz de há muito deveria ter merecido melhor atenção e adequadas soluções.

É preciso considerar que aos sacrifícios para fazer face a inimigos poderosos e subtis, juntaram-se os sacrifícios resultantes desse processo histórico a nível interno de que o neoliberalismo passou a ser parte, com todos os imponderáveis que acarretaram e isso esbateu-se até hoje, uma herança reconhecidamente pesada para quem está no activo e tem o poder de decisão.

A indefinição do quadro de oficiais operativos faz parte dessa herança, de que os chefes e dirigentes que prestaram serviço nos organismos de competência se foram duma forma ou de outra alheando, ou ficando impotentes para tomada de decisão ao nível das responsabilidades coerentemente exigíveis.

Alguns, parece que propositadamente “desconhecem” que os membros da Segurança do Estado, desde a fundação da DISA a 29 de Novembro de 1975, integraram essa instituição, que era uma parte dos instrumentos do poder, em estrita obediência às orientações do MPLA e do seu líder durante toda a vigência da República Popular de Angola.

Nessa altura e a braços com a guerra, mobilizavam e recrutavam os quadros destacados para esse efeito a partir de vários organismos de sua esfera como as FAPLA, ou a JMPLA, ou as Brigadas de Luta Contra o Analfabetismo, ou mesmo a partir do próprio MPLA, em todo o espaço nacional.

Esses jovens quadros de então foram por isso juramentados, pois uma vez que era necessário assumir independência, soberania e identidade nacional, bem como reforçar o poder de estado em tempo de guerra, quer de acordo com as orientações do líder, quer de acordo com os programas do MPLA e enfrentando sempre situações precárias, difíceis e de contínua desestabilização, impunha-se a necessidade dum vínculo forte a fim de garantir fidelidade, organização, disciplina, coesão e rigor a toda a prova perante todo o tipo de desafios e riscos, em todo o espaço nacional e mesmo fora dele.

Para esse efeito, foi necessário criar um quadro expedito apropriado, que correspondesse aos quesitos operacionais correspondentes aos organismos da instituição Segurança do Estado, pelo que foram implementados os distintos patamares duma estrutura composta essencialmente por oficiais operativos, indispensáveis não só para a pesquisa de informações nos diversos teatros e cenários, mas também para que fosse possível aos instrumentos do poder de estado dar as devidas respostas, uma parte delas de forma clandestina, face aos desafios e riscos de toda a ordem que se apresentassem, próprios da situação de guerra e desestabilização contínua a que Angola havia sido sujeita, não só em função da evolução da situação na África Austral, mas por que a internacional fascista e a força da inércia que resultava dela a coberto ou não dos interesses da NATO (spinolistas sem Spínola), tinha sua vigência, apesar do fim do colonialismo.

4- Os oficiais operativos eram uma funcionalidade expedita e estruturante em tempo de guerra, própria dos organismos da Segurança do Estado, cujo quadro não mereceu a suficiente definição ao longo dos 42 anos de independência e por isso a “herança pesada” que as actuais instituições de responsabilidade e tutela têm em mãos.


O tratamento desse quadro acompanhou a trajectória do conceito de segurança do estado e as clivagens que foi tendo de república em república, fazendo-o por fim cair no vazio.

Agora alguns tratam-nos como “ex-funcionários”, como se os mais diversos teatros e cenários operacionais fossem uma rotineira burocracia administrativa.

Para aqueles oficiais operativos que foram patenteados pelas FAPLA ao nível de oficiais superiores, capitães ou subalternos (entre os associados da ASPAR, Acção Social Para Apoio e Reinserção, que dá cobertura à comunidade, são minoria, mas mesmo assim acima dos 5.000), neste momento o assunto é pacífico e a sua passagem à reforma tem sido garantida, estando para alguns milhares em vias de ser providenciada no quadro das FAA, Forças Armadas Angolanas e da sua Caixa Social, aguardando-se as decisões finais apropriadas.

Para os oficiais operativos que não foram patenteados oficiais, as FAA muito logicamente tratam enquanto sargentos ou soldados, aferindo-os às compatibilidades que têm naturalmente como orientação (desmobilização e prémio de desmobilização) e remetendo sua reinserção social para o IRSEM, o Instituto criado para a Reinserção Social.

Por conseguinte os oficiais operativos para uma melhor definição do que são, não podem ser aferidos aos critérios próprios das FAA.

Por outro lado, apesar dos organismos da ex-Segurança do Estado terem sido integrados a espaços no Ministério do Interior, nunca foi estabelecido qualquer patenteamento ao nível da Polícia Nacional, ainda que seria aconselhável acautelar a equivalência, de forma a sustentar uma melhor organização e um equacionamento aferido ao que seria recomendável às políticas internas de quadros.

A compatibilidade que abona em completamento o quadro de oficiais operativos, deve no nosso entender buscar equivalências ao quadro da Polícia Nacional.

Desse modo o quadro residual de oficiais operativos (cerca de 30.000 efectivos) com uma definição insuficiente cujos resultados socialmente nocivos têm vindo a ser expostos à mesa dos peritos e especialistas, carece de abordagem de forma a por fim estabelecerem-se a racionalidade e os métodos para a sua reforma e uma digna e compatível reintegração social.

Essa situação foi agravada pelo facto de no Acordo de Bicesse se terem atirado para as urtigas quaisquer discussões sobre os efectivos da ex-Segurança do Estado, como se eles de repente tivessem passado do estado sólido de peças importantes nos instrumentos do poder do estado em tempo de guerra, para o estado líquido de párias da sociedade em tempo de paz ao nível de mais de 30.000 efectivos!

Julgo que a intenção dos que se involucraram na orgia neoliberal, foi a de esperar que eles rapidamente passassem ao estado gasoso!

(Continua)

Martinho Júnior - Luanda, 1 de Maio de 2018

Imagens:
Recepção dum carregamento de cimento (armazém na Catumbela), colocado para venda por parte de associados da ASPAR – 30 de Abril de 2010;
Assembleia de associados no Caxito, a 29 de Julho de 2010;
Assembleia de associados no Uige, a 25 de Agosto de 2010;
Assembleia de associados em Malange, dia 26 de Agosto de 2010;
Assembleia de associados no Huambo, dia 17 de Junho de 2011.

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