Os EUA arrogam-se, em nome dos
direitos humanos, o direito de derrubar governos e destruir países. É o
“excepcionalismo EUA”. Mas até organizações norte-americanas que escrutinam as
suas práticas internas denunciam não apenas as violações de tais direitos, mas
o facto de, em vários casos, tais violações configurarem verdadeiros crimes
contra a humanidade.
António
Santos* | O Diário
O governo dos EUA é responsável
pela sistemática violação dos direitos humanos das crianças presas nos centros
de detenção dos Serviços Aduaneiros e de Protecção Fronteiriça (CBP, na sigla
inglesa). A conclusão é da centenária ACLU, União Americana pelas Liberdades
Civis, e consta de um relatório divulgado na semana passada, baseado em mais de
30 mil documentos internos dos CBP relativos ao período entre 2009 e 2014.
Separadas das famílias, as
crianças capturadas a cruzar ilegalmente a fronteira com o México são enviadas
para estes nebulosos «centros de detenção», pequenos Abu Ghraib onde não entram
advogados, nem jornalistas, e presas dentro de «jaulas» (é esta a expressão que
consta no relatório) sem cama nem latrina. Depois, os funcionários deitam fora «os
pertences pessoais dos imigrantes, incluindo os seus documentos». E então
começa a tortura.
«Os funcionários dos CBP recorrem
frequentemente à violência contra as crianças», começa por avisar o relatório,
mas à medida que se percorre as páginas e se somam às centenas os casos,
torna-se difícil conceber que o alvo de uma violência tão monstruosa são
adolescentes, crianças e bebés: um funcionário «atirou um jovem de 16 anos ao
chão e esmagou-lhe a cabeça com a bota», pode ler-se; outro agente «atropelou uma
criança de seis anos durante a detenção partindo-lhe uma perna (…) e
recusou-lhe cuidados médicos»; o relatório prossegue «frequentemente, os
funcionários disparam as armas de electrochoques contra as crianças, só por
diversão».
E depois há os abusos sexuais:
«obrigaram uma rapariga de 16 anos a despir-se, abriram-lhe as pernas e
tocaram-lhe nas partes íntimas enquanto ela gritava». Outra queixosa, de 15
anos, denunciou que ameaçaram violá-la caso ela se recusasse a assinar um papel
de «auto-deportação». No mesmo registo, um menino de 14 anos foi mantido
durante uma semana nu na jaula, enquanto o ameaçavam com abusos sexuais, de
forma a pressioná-lo a assinar o mesmo documento.
As condições, essas, são sempre
infra e desumanas: há «fluídos humanos nas paredes e no chão, onde também se vê
papel higiénico usado com fezes (…) o que causa um odor ofensivo»; há relatos
de fome e crianças a quem é recusada água; há jovens grávidas a quem é dito que
«vêm para aqui contaminar o nosso país» e mães adolescentes que se queixam a
guardas indiferentes «de não terem leite para dar aos bebés, que choram de
fome»; há crianças mais velhas, a quem é dado «sistematicamente leite
estragado, o que causa várias intoxicações alimentares» e há o relato de «um
funcionário [que] negou-lhe [a uma menina] analgésicos e pensos higiénicos após
uma operação a um quisto nos ovários».
Estes crimes contra a humanidade,
porque é isso que são, aconteceram durante o mandato de Obama. Sabe-se que com
Trump a situação se agravou: os CBP têm hoje mais opacidade, mais armas de
guerra, mais orçamento e mais crianças presas nos seus centros. Lembremo-nos
disto da próxima vez que «Estados Unidos» e «direitos humanos» surgirem na
mesma frase.
*Este artigo foi publicado no
“Avante!” nº 2322, 30.05.2018
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