Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
António Costa, no discurso de
encerramento do Congresso do Partido Socialista (PS) e na qualidade de seu
secretário-geral (SG), apresentou indicadores positivos resultantes da ação do
Governo a que preside e da maioria parlamentar que o suporta, e identificou bem
alguns desafios que se colocam à sociedade portuguesa no seu processo de
desenvolvimento. Contudo, faltou-lhe solidez, por exemplo, no que se refere aos
condicionalismos ao investimento (problema da dívida), aos desequilíbrios entre
os cenários imaginários associados às novas tecnologias e a falta de respostas
ao presente contínuo das empresas, dos serviços públicos e privados e das
pessoas, no plano do emprego, das condições de trabalho e da preparação das
novas gerações. António Costa primeiro-ministro (PM) não pode ignorar os
compromissos do António Costa SG, nem as insuficiências e contradições deste. A
semana que se seguiu mostrou-nos que estamos em tempo de jogos perigosos e de
proliferação de sombras, nos planos interno e internacional.
Foram importantes, a tomada de
consciência do grave problema demográfico com que o país se depara, bem como a
afirmação da necessidade de se melhorar a qualidade de emprego e de se criarem
condições para conciliar a vida profissional e familiar. Estes objetivos, num
contexto em que se conseguiu alguma descredibilização das "vantagens"
da pobreza forçada, da precariedade e da emigração da juventude, deviam ser
assumidos na sua plenitude. Entretanto, de imediato foi criado um cenário da
sua desvalorização através de medidas anunciadas no "Acordo de Concertação
Social" que o Governo, as confederações patronais e a UGT celebraram.
Travar a emigração e permitir o
regresso de milhares de jovens que estão no estrangeiro e aqui fazem falta
exige mudanças profundas, que causarão inquietação e perdas a patrões que
espremem sem limites o fator trabalho; não se coadunam com as recomendações
crónicas das instituições europeias; impõem bem mais que umas pequenas migalhas
para os trabalhadores. E o combate à precariedade e a dinamização da
contratação coletiva reclamam mais poder real para os trabalhadores e as suas
organizações coletivas, nas empresas e serviços. No "Acordo"
constatamos, por agora, a sua representação duvidosa, o aplauso da Direita e o
tecer de condicionalismos à maioria parlamentar que sustenta o Governo. E
vamo-nos interrogando sobre o que haverá de verdadeiro entre um certo
"jogo de sombras" que veio a público e as implicações concretas de
cada medida adotada.
A convergência dos nossos
salários com os dos europeus não se alcança com acordos de encanar a perna à
rã, tanto mais que tal objetivo está fora da agenda da União Europeia (UE).
Da "Europa" vêm hoje
muitas sombras com impactos fortes em Portugal: as turbulências em Espanha e
Itália; o euro encalhado e as pretensas reformas abandonadas; a guerra
comercial à "Europa" declarada por Trump, com objetivos que incluem
ataque ao setor automóvel alemão; avanços da extrema-direita em vários países;
aplicação de políticas neoliberais que destroçam direitos laborais e sociais.
Os ideólogos liberais sempre
pensaram o processo de integração europeia como uma libertação dos capitais e
das mercadorias (e menos das pessoas) de todos os entraves e fronteiras. O
comissário europeu Gunther Oettinger disse, a propósito da situação política em
Itália, que "Os mercados ensinarão os italianos a votar bem". É um
comentário desastroso mas revelador dos perigosos rumos trilhados pela UE. A
rejeição da soberania "dos mercados" por parte dos eleitores tende a
ser cada vez mais um facto, no quadro de uma UE bloqueada e de políticas
nacionais que não respondem aos justos anseios das pessoas. Estes bloqueios
alimentam o crescimento de forças de extrema-direita. Preparemo-nos contra
todas estas sombras.
Em Portugal precisamos de seguir
objetivos que o secretário-geral do PS enunciou. Governar por essa via é
trabalhoso e difícil, mas foi assim que os portugueses respiraram melhor nos
últimos três anos. Faça-se debate político sério, designadamente sobre o
conteúdo e objetivos estratégicos do "Acordo de Concertação Social",
se não queremos que tudo isto acabe num sufoco.
*Investigador e professor
universitário
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