Inês Cardoso | Jornal de Notícias
| opinião
As palavras são duras, sofridas e
inéditas na forma. E, ainda assim, sobra da reação do Papa Francisco ao
escândalo na Pensilvânia (mais um, de contornos indescritivelmente hediondos) a
sensação de que, espremidas, as palavras sabem a pouco. Com sucessivos casos a
virem a público há anos e anos, Jorge Bergoglio chegou ao Vaticano tendo a
pedofilia como um dos principais desafios. Até agora, falhou em medidas
eficazes para travar e punir os crimes.
Há, na carta "Ao povo de
Deus", um uso sistemático do plural que custa a aceitar. O líder da Igreja
católica segue uma argumentação que defende o envolvimento e responsabilização
de toda a comunidade, na solidariedade com as vítimas e na denúncia de qualquer
abuso. Assumindo que a única forma de responder a "este mal" é
encará-lo como tarefa que compete "a todos como Povo de Deus".
Em vários desafios sociais,
Francisco soube entender as pessoas e aproximar-se delas. Acolher e incluir
para a mudança. A questão é que nesta matéria o crime e a culpa estão nas
cúpulas da Igreja. No corpo eclesiástico. E é na comunidade, precisamente, que
estão as vítimas. Não há qualquer dúvida quanto às posições, nem qualquer nuvem
que seja preciso esclarecer pedagogicamente junto dos fiéis.
O Papa Francisco não precisa de
apelar aos crentes, nem de os responsabilizar, nem de os convidar a ser parte
ativa na solução. Não neste caso. É certo que talvez os podres do catolicismo
tivessem ruído mais cedo se, como também se escreve na carta, todos os
batizados tivessem recusado há muito o clericalismo e o abuso de poder. Se a
pessoa humana, sempre ela, tivesse sido o centro das preocupações de Roma. Mas
essa é uma revolução para muitos anos. Acabar com a pedofilia, com a
ostentação, com os abusos de poder, é uma tarefa imediata. Do Papa, dos bispos
e de todo o clero.
* Subdiretora do JN
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