Expresso das Ilhas | editorial
Para este ano lectivo o lema
adoptado foi “Mais Educação, Mais Inclusão”. No ano de 2017 tinha sido
“Educação: um compromisso para o presente e para o futuro” e em 2016 fora
“Todas e Todos Sem Distinção de Nenhuma Ordem, Têm Direito a Uma Educação de Qualidade”.
Todos belos lemas em que os objectivos de inclusão, qualidade e compromisso com
o futuro são reafirmados como, aliás, desde há décadas o foram pelos sucessivos
governos. O problema porém é que todos constatam no dia-a-dia: a inclusão tem
sido em boa parte uma miragem; a qualidade é o objectivo mais sacrificado; e há
que reconhecer que o compromisso com o futuro não tem sido cumprido quando se
vê os muitos jovens desempregados saídos de todos os níveis de ensino. Por
outro lado, já é notória a procura activa por franjas cada vez mais amplas da
classe média do país de outras soluções que não a escola pública para colocar
os filhos.
Cabo Verde tem algumas
características que em outros países foram factores que os impeliram para ter
uma educação de qualidade a nível mundial. Como Singapura, Estónia, Irlanda e
Finlândia, Cabo Verde é um país pequeno, jovem e pobre, se não mesmo desprovido
de recursos naturais. Também tem uma consciência nacional de há muito
consolidada que devia traduzir-se em propósitos colectivos de sacudir a
dependência, engajar o mundo com inteligência e desenvoltura e potenciar a
capacidade de todos na construção do caminho para a prosperidade. Ou seja, tem
vários dos ingredientes que nos países referidos e outros similares serviram de
motivação para a construção de sistemas de educação capazes de resultados que
competem com os mais altos atingidos a nível mundial. Saber por que apesar dos
propósitos declarados aqui não se conseguiu pôr de pé uma educação de qualidade
é crucial e devia anteceder estratégias e planos de reorientação do sistema
educativo no sentido de maior eficácia e impacto na vida das pessoas e no
desenvolvimento do país.
A Ministra da Educação
recentemente lembrou numa intervenção no fórum sobre educação que no final do
século XX Cabo Verde já tinha atingido as metas mundiais quanto à universalidade
da educação básica e a paridade do género mas que se registavam ainda baixos
níveis de aprendizagem e a persistência de práticas educativas desajustadas que
afectavam a permanência no ensino secundário e estariam na origem da falta de
sintonia entre a formação e o mercado de trabalho. A constatação da ministra
traduz uma realidade muito conhecida que é a disparidade entre, por um lado, os
investimentos feitos e os números publicitados que projectam uma imagem de
sucesso do sistema de ensino e, por outro, os resultados concretos que ficam
invariavelmente aquém do que na prática são precisos para ter impacto no
desenvolvimento.
Os países que apostaram na
educação como base fundamental para o crescimento económico não se limitaram a
ficar pela mediania e por comparações com os piores na sua vizinhança.
Ambicionaram sempre competir com os melhores no mundo. Por isso,
certificaram-se que a democratização do ensino não podia acontecer sacrificando
a qualidade. Em Singapura, por exemplo, os melhores professores são
encaminhados para as escolas com maiores dificuldades porque fazem questão que
todos os alunos tenham o melhor nível de ensino possível. É claro para os seus
dirigentes que não há qualidade de ensino sem uma aposta séria na qualidade dos
professores. Andreas Schleicher, director de Educação da OCDE e administrador
dos testes PISA é peremptório em dizer que “nenhum sistema educativo pode
ser melhor que a qualidade dos seus professores”.
De facto, não se pode pretender
melhorar a qualidade do ensino sem colocar o foco na formação do professor, nos
critérios meritocráticos que devem presidir à sua ascensão na carreira e no
reconhecimento social que o seu trabalho deve merecer. Por isso, nos países de
maior sucesso educativo os melhores graduados das escolas são atraídos para a
profissão de professores e grandes investimentos são postos na sua formação
específica e em instituições especialmente preparadas. Também os políticos querendo
dar maior ênfase ao papel dos professores não podem propor-se simplesmente a
satisfazer “reivindicações de natureza sindical” em termos de promoções,
progressões e reclassificações ainda para mais, na perspectiva
político-eleitoralista que muitas vezes é apresentada. A melhoria das condições
dos professores, uma prioridade numa sociedade que quer desenvolver-se, tem que
ser acompanhada de exigências de formação e de melhoria objectiva e
quantificável do trabalho docente prestado.
A Educação deve ser vista como um
ecossistema em que vários elementos concorrem para a sua estabilidade, foco e
progresso. Para além da qualidade dos professores é fundamental o
comprometimento de toda a sociedade com a procura do conhecimento, com o
cultivo da excelência e com adopção de critérios meritocráticos na progressão
nas carreiras e na ascensão profissional. Não se pode ficar por uma perspectiva
que terá vingado no passado em que mandar os filhos para a escola e, a partir
do diploma adquirido, dar um salto para um trabalho seguro no Estado era uma
forma de contornar as incertezas derivadas da fragilidade económica do país. O
engajamento das pessoas e do próprio Estado na educação deve ser outro: menos
instrumental e paternalístico como outrora foi e mais potenciador do
desenvolvimento do indivíduo e da sua capacidade de contribuir para a sua
prosperidade pessoal e do seu próprio país. Por isso mesmo, mais inclusivo,
mais enriquecedor e mais comprometido com o futuro.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na
edição impressa do Expresso das Ilhas nº 880 de 10 de Outubro de 2018.
Sem comentários:
Enviar um comentário