Na sequência do artigo intitulado
“Os ultra-ricos preparam um mundo pós-humano”, agora publicado e que pode ler
ou talvez já tenha lido, decidimos no PG fazer a reposição deste, também
retirado do Outras Palavras, onde foi publicado em 16.01.2017, que recomendamos
leia a seguir. Afinal tudo está interligado e é útil que chegue ao seu
conhecimento. (PG)
Políticas de “austeridade”
ampliam concentração de riqueza. Oxfam denuncia: agora, oito homens já têm mais
que a metade dos habitantes do planeta. Mas há alternativas
Oxfam | Outras Palavras | Imagem: Sara
Distin
Estamos criando condições para
recuperar o país e voltar a crescer, diz o presidente Michel Temer – e
repetem os jornais – a cada medida adotada para reduzir o investimento social,
eliminar direitos previdenciários, “simplificar” as exigências das leis
trabalhistas e, supostamente, “equilibrar” as contas públicas. Exatamente como
Temer agem, desde a crise de 2008, quase todos os governantes do mundo.
“Austeridade”, “ajustes fiscais”, “apertar os cintos” tornaram-se conceitos
dominantes no jargão politico e econômico da última década. Qual foi o
resultado?
Um relatório que acaba de ser
divulgado pela organização internacional Oxfam – voltada ao estudo e denúncia
da desigualdade – revela. Tais políticas permitiram que apenas oito homens
possum a mesma riqueza que os 3,6 bilhões de pessoas que compõem a metade mais
pobre da humanidade. O documento Uma economia humana para os 99% mostra
que a diferença entre ricos e pobres aumenta a cada edição do estudo, numa
velocidade muito maior do que a prevista. Os 50% mais pobres da população
mundial detêm menos de 0,25% da riqueza global líquida. Nesse grupo, cerca de 3
bilhões de pessoas vivem abaixo da “linha ética de pobreza” definida pela
riqueza que permitiria que as pessoas tivessem uma expectativa de vida normal
de pouco mais de 70 anos.
“O relatório detalha como os grandes
negócios e os indivíduos que mais detêm a riqueza mundial estão se alimentando
da crise econômica, pagando menos impostos, reduzindo salários e usando seu
poder para influenciar a política em seus países”, afirma Katia Maia, diretora
executiva da Oxfam no Brasil.
Os números da desigualdade foram
extraídos do documento Credit Suisse Wealth Report 2016. (Veja link
abaixo.) Segundo a organização, 1 em cada 10 pessoas no mundo sobrevive com
menos de US $ 2 por dia. No outro extremo, a ONG prevê que o mundo produzirá
seu primeiro trilhardário em apenas 25 anos. Sozinho, esse indivíduo deterá uma
fortuna tão alta que, se ele quisesse gastá-la, seria necessário consumir US$ 1
milhão todos os dias, por 2.738 anos, para acabar com tamanha quantia em dinheiro. O discurso
da Oxfam em Davos também mostrará que 7 de cada 10 pessoas vivem em países cuja
taxa de desigualdade aumentou nos últimos 30 anos. “Entre 1988 e 2011, os
rendimentos dos 10% mais pobres aumentaram em média apenas 65 dólares (US$ 3
por ano), enquanto os rendimentos dos 10% mais ricos cresceram uma média de
11.800 dólares – ou 182 vezes mais”, aponta o documento.
“A desigualdade está mantendo
milhões de pessoas na pobreza, fragmentando nossas sociedades e minando nossas
democracias. É ultrajante que tão poucas pessoas detenham tanto enquanto tantas
outras sofrem com a falta de acesso a serviços básicos, como saúde e educação”,
reforça Katia Maia.
O relatório destaca ainda a
situação das mulheres que, muitas vezes empregadas em cargos com menores
salários, assumem uma quantidade desproporcional de tarefas em relação à
remuneração recebida. O próprio relatório do Fórum Econômico Mundial (2016)
sobre as disparidades de gênero estima que serão necessários 170 anos para que
as mulheres recebam salários equivalentes aos dos homens. Segundo o texto, as
mulheres ganham de 31 a
75% menos do que os homens no mundo.
A sonegação de impostos, o uso de
paraísos fiscais e a influência política dos super-ricos para assegurar
benefícios aos setores onde mantêm seus investimentos são outros destaques do
documento da Oxfam.
A Oxfam é uma confederação internacional
de 20 organizações que trabalham em mais de 90 países, incluindo o Brasil, com
o intuito de construir um futuro livre das desigualdades e da injustiça causada
pela pobreza. Uma das características centrais de seu estudo é a postura
não-contemplativa. A organização está empenhada em buscar alternativas que
permitam construir “uma economia para os 99%”. Eis, a seguir, algumas de suas
propostas para tanto.
Uma Economia Humana para os 99%
Outras conclusões do Relatório da
Oxfam (Davos, 2017)
Desde 2015, o 1% mais rico
detinha mais riqueza que o resto do planeta.i
Atualmente, oito homens detêm a
mesma riqueza que a metade mais pobre do mundo.ii
Ao longo dos próximos 20 anos,
500 pessoas passarão mais de US$ 2,1 trilhões para seus herdeiros – uma soma
mais alta que o PIB da Índia, um país que tem 1,2 bilhão de habitantes.iii
A renda dos
10% mais pobres aumentou em menos de US$ 65 entre 1988 e 2011, enquanto a dos
10% mais ricos aumentou 11.800 dólares – 182 vezes mais.iv
Um diretor executivo de qualquer
empresa do índice FTSE-100 ganha o mesmo em um ano que 10.000 pessoas que
trabalham em fábricas de vestuário em Bangladesh.v
Nos Estados Unidos, uma pesquisa
recente realizada pelo economista Thomas Pickety revela que, nos últimos 30
anos, a renda dos 50% mais pobres permaneceu inalterada, enquanto a do 1% mais
rico aumentou 300%.vi
No Vietnã, o homem mais rico do
país ganha mais em um dia do que a pessoa mais pobre ganha em dez anos.vii
Uma em cada nove pessoas no mundo
ainda dorme com fomeviii.
O Banco Mundial deixou claro que,
sem redobrar seus esforços para combater a desigualdade, as lideranças mundiais
não alcançarão seu objetivo de erradicar a pobreza extrema até 2030.ix
Os lucros das 10 maiores empresas
do mundo somam uma receita superior à dos 180 países mais pobres juntos.x
O diretor executivo da maior
empresa de informática da Índia ganha 416 vezes mais que um funcionário médio
da mesma empresa.xi
Na década de 1980, produtores de
cacau ficavam com 18% do valor de uma barra de chocolate – atualmente, ficam
com apenas 6%.xii
A Organização Internacional do
Trabalho (OIT) estima que 21 milhões de pessoas são trabalhadores forçados que
geram cerca de US$ 150 bilhões em lucros para empresas anualmente.xiii
As maiores empresas de vestuário
do mundo têm ligação com fábricas de fiação de algodão na Índia que usam
trabalho forçado de meninas rotineiramente.xiv
Embora as fortunas de alguns
bilionários possam ser atribuídas ao seu trabalho duro e talento, a análise da
Oxfam para esse grupo indica que um terço do patrimônio dos bilionários do
mundo tem origem em riqueza herdada, enquanto 43% podem ser atribuídos ao
favorecimento ou nepotismo.xv
Mulheres e jovens são
particularmente mais vulneráveis ao trabalho precário: as atividades
profissionais de dois em cada três jovens trabalhadores na maioria dos países
de baixa renda consistem em trabalho vulnerável por conta própria ou trabalho
familiar não remunerado.xvi
Nos países da OCDE, cerca de
metade de todos os trabalhadores temporários tem menos de 30 anos de idade e
quase 40% dos jovens trabalhadores estão envolvidos em atividades profissionais
fora do padrão, como em trabalho por empreitada ou temporário ou empregos
involuntários em tempo parcial.xvii
A edição de 2016 do relatório
anual do Fórum Econômico Mundial sobre as disparidades de gênero revela que a
participação econômica de mulheres ficou ainda mais baixa no ano passado e
estima que serão necessários 170 anos para que as mulheres recebam salários
equivalentes aos dos homens.xviii
Sugestões da Oxfam para uma
economia mais humana
1. Governos que trabalhem para os
99%
2. Incentivo à cooperação entre
os países
3. Modelos de empresas com melhor
distribuição de benefícios
4. Tributação justa à extrema
riqueza
5. Igualdade de gênero na
economia humana
6. Tecnologia a serviço dos 99%
7. Fomento às energias
renováveis
8. Valorização e mensuração do
progresso humano
Links:
Credit Suisse Wealth Report 2016
–
Bilionários da Forbes –
Notas
iBanco Credit Suisse (2016) “Global
Wealth Databook 2016” . http://publications.credit-suisse.com/tasks/render/file/index.cfm?fileid=AD6F2B43-B17B-345E-E20A1A254A3E24A5
iiCálculos da Oxfam baseados na riqueza
dos indivíduos mais ricos segundo a lista anual de bilionários da Forbes e a
riqueza dos 50% mais pobres segundo o relatório Global Wealth Databook do
Banco Credit Suisse (2016)
iiiUBS Billionaire’s Report de
setembro de 2016 http://uhnw-greatwealth.ubs.com/media/8616/billionaires-report-2016.pdf
ivD. Hardoon, S. Ayele, e Fuetes Nieva,
R., (2016), “Uma Economia para o 1%”. Oxford: Oxfam. http://policy-practice.oxfam.org.uk/publications/an-economy-for-the-1-how-privilege-and-power-in-the-economy-drive-extreme-inequ-592643 Versão
em português disponível em https://www.oxfam.org.br/noticias/relatorio_davos_2016
vCálculos da Ergon Associates baseados
em dados sobre os salários de diretores-presidentes estimados pelo High Pay
Centre e os pacotes médios de benefícios oferecidos a trabalhadores.
viP. Cohen. (2016, December 6). ‘A
Bigger Economic Pie, but a Smaller Slice for Half of the U.S’. New York
Times. http://www.nytimes.com/2016/12/06/business/economy/a-bigger-economic-pie-but-a-smaller-slice-for-half-of-the-us.html?smid=tw-nytimesbusiness&smtyp=curhttp://www.nytimes.com/2016/12/06/business/economy/a-bigger-economic-pie-but-a-smaller-slice-for-half-of-the-us.html?smid=tw-nytimesbusiness&smtyp=curhttp://www.nytimes.com/2016/12/06/business/economy/a-bigger-economic-pie-but-a-smaller-slice-for-half-of-the-us.html?smid=tw-nytimesbusiness&smtyp=cur
viiNguyen Tran Lam. (2017, no prelo),
“Even It Up: How to tackle inequality in Vietnam”. Oxfam.
viiiO Programa Mundial de Alimentos
estima que 795 milhões de pessoas no mundo não têm comida suficiente para levar
uma ativa saudável. Isso é cerca de uma em cada nove pessoas na terra.
https://www.wfp.org/hunger/stats
ixBanco Mundial (2016), “Poverty and
Shared Prosperity 2016: Taking on Inequality”, Washington DC: Banco
Mundial doi:10.1596/978-1-4648-0958-3. http://www.worldbank.org/en/publication/poverty-and-shared-prosperity
xGlobal Justice Now. “Corporations vs
governments revenues: 2015 data”. http://www.globaljustice.org.uk/sites/default/files/files/resources/corporations_vs_governments_final.pdf
xiM. Karnik. (6 de Julho de
2015). “Some Indian CEOs make more than 400 times what their employees are
paid”. Site da Quartz India. http://qz.com/445350/heres-how-much-indian-ceos-make-compared-to-the-median-employee-salary/
xiiSite da campanha Make Chocolate
Fair: https://makechocolatefair.org/issues/cocoa-prices-and-income-farmers-0
xiiiProtocolo da OIT relativo à
Convenção sobre o Trabalho Forçado de 2014. http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:P029
xivAs empresas implicadas em um estudo
realizado em 2012 pela ONG Anti-Slavery International intitulado “Slavery on
the High Street: Forced labour in the manufacture of garments for international
brands” incluem Asda-Walmart (Reino Unido/Estados Unidos), Bestseller
(dinamarquesa), C&A (alemã/belga), H&M (sueca), Gap (americana),
Inditex (espanhola), Marks and Spencer (Reino Unido), Mothercare (Reino Unido)
e Tesco (Reino Unido) http://www.antislavery.org/includes/documents/cm_docs/2012/s/1_slavery_on_the_high_street_june_2012_final.pdf
xvD. Jacobs. (2015). “Extreme Wealth
Is Not Merited”. Documento para Discussão da Oxfam. https://www.oxfam.org/en/research/extreme-wealth-not-merited
xviOIT (2015). “Global Employment
Trends for Youth 2015” .
pág. 49.
xviiOCDE (2015), “In It together: Why
Less Inequality Benefits All”. Paris: OECD Publishing. DOI:
http://dx.doi.org/10.1787/9789264235120-en
xviiiWorld Economic Forum. (2016). ‘The
Global Gender Gap Report’.
http://www3.weforum.org/docs/GGGR16/WEF_Global_Gender_Gap_Report_2016.pdf
Na imagem de topo: Rio
Bhuriganga, em Dhaka (Bangladesh), destruído pelo despejo de resíduos
industriais. A cidade é uma das que mais cresce no mundo e abriga
transnacionais têxteis atraídas para lá por salários baixos e ausência de
direitos sociais. É o caso da Zara, cujo fundador é um dos 8 homens mais ricos
do mundo
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