quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Portugal | Cavalheiros da Banca


Rafael Barbosa | Jornal de Notícias | opinião

É uma história recorrente na literatura, incluindo a de cordel. O mesmo no cinema, qualquer que seja a proveniência. O personagem aproxima-se da roleta, ou senta-se a uma mesa de póquer. Aposta e perde. Percebe que vai ter um problema em casa. Levanta-se e sai?

Nada disso. Continua a apostar o que tem e sobretudo o que não tem. Alguém pagará a conta. Mas isto é na ficção. Na vida real, não há baralhos em salas escuras e fumarentas, nem casinos clandestinos, nem olhares perdidos, nem mulheres fatais. É coisa de cavalheiros em fatos impecáveis, instalados em gabinetes bem iluminados e com ar condicionado.

Pelo menos é o que diz o Banco Central Europeu, fonte mais do que autorizada, uma vez que faz parte do clube. Diz o BCE que quando a crise financeira apertou, os cavalheiros da Banca fizeram as contas aos milhares de milhões que emprestaram sem garantia de retorno. Cortaram no crédito? Nada disso. Sem cigarro ao canto da boca, mas porventura com um bom copo de uísque de malte, apostaram as fichas todas em negócios que já só tinham lixo para dar. Sabiam que alguém pagaria a conta. Não se enganaram. Entre 2008 e 2017, o Estado injetou 17 mil milhões de euros na Banca.

Tendo em conta que, quando toca a pagar, o Estado somos nós, foram 1700 euros por cabeça. É isso mesmo, se tem uma família de cinco, contribuiu com 8500 euros. Seja porque lhe cobraram mais impostos, cortaram no salário, reduziram o subsídio de desemprego, deixaram de pagar abono de família, seja porque não consegue consulta com um médico de família, quanto mais marcar uma cirurgia. A Caixa Geral de Depósitos foi só um dos casinos.

Como ontem disse o Ronaldo das Finanças aos deputados, houve "um problema generalizado de gestão de risco no sistema bancário". Uma maneira cavalheiresca de dizer que houve um grupo de bandidos que, ao longo dos últimos anos, nos assaltou. E ainda cobraram comissão. Já agora, alguém sabe o que acontece quando o crime compensa? Conto essa história daqui a dez anos...

*Chefe de Redação

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