O memorável episódio, precursor
da implantação do regime republicano em Portugal, é lembrado na passagem do
128.º aniversário da sua eclosão. Após o 25 de Abril, é também o Dia Nacional
do Sargento.
A revolta republicana ocorrida a
31 de Janeiro de 1891 no Porto será celebrada naquela cidade do Norte com uma
sessão-debate organizada pelo Núcleo do Porto da Associação
Conquistas da Revolução (ACR), segundo comunicado emitido por este.
A iniciativa, que assinala a
passagem do 128.º aniversário da efeméride realiza-se amanhã, dia 31, pelas 18h,
na Cooperativa Unicepe (Praça Carlos Alberto, 128). As intervenções principais
estarão a cargo do jornalista Júlio Roldão e de Lima Coelho, director do jornal O Sargento, órgão
da Associação Nacional de
Sargentos, segundo comunicado do Núcleo do Porto da ACR.
A Associação Conquistas da
Revolução tem por objectivo «preservar, divulgar e promover o apoio dos
cidadãos aos valores e ideais da Revolução, iniciada em 25 de Abril de 1974» e
cultivar «o espírito revolucionário e a consciência social progressista».
O 31 de Janeiro, símbolo da
coragem contra a opressão
A Revolta de 31 de Janeiro de
1891 foi o primeiro movimento revolucionário que teve por objectivo a
implantação do regime republicano em Portugal – o qual se viria a firmar
vitorioso em 5 de Outubro de 1910.
Realizada por soldados e
populares cuja maioria ficou no anonimato – veja-se, no jornal
republicano Vanguarda, de 24 de Março de 1891, uma lista de presos em que,
de muitos, a condenação refere apenas o nome próprio – aos quais
se reuniram algumas figuras gradas da oposição republicana, a acção
revolucionária ficou também conhecida como «revolta dos sargentos», devido ao
importante papel desempenhado por estes na sublevação dos quartéis.
Ao fracasso seguiu-se uma forte
repressão, com centenas de militares e civis condenados à prisão e ao degredo
em África, em penas que atingiram os quinze anos. Numerosos foram os fugitivos
obrigados a exilar-se.
Os detidos tiveram um
comportamento exemplar perante o tribunal de guerra que os julgou. Hélder
Pacheco, escritor e investigador das tradições e da cultura popular portuense,
lembrou, em artigo publicado no JN de 1 de Fevereiro de 2001,
as desassombradas palavras de alguns réus e o «notável discurso de defesa
apresentado perante o 2.º Conselho de Guerra pelo advogado José Alberto de
Sousa Couto». Vale a pena recordar, para memória dos nossos dias, essas
palavras.
O actor Miguel Verdial, que
intentara revolucionar o Regimento de Infantaria 18 e que, de uma das janelas
dos Paços do Concelho, anunciara a composição do governo provisório
republicano, declarou aos seus juízes: «o primeiro dos tribunais, para o homem
que se estima, é o da própria consciência». Este valente, influenciado pelas
ideias de Antero de Quental e simpatizante da I Internacional, que viria a
evadir-se do degredo angolano a que a monarquia o condenara, deixou semente humana
dos seus feitos: foi pai de Mem Verdial, figura de relevo da oposição democrática ao
salazarismo, e Sérgio Godinho, que tão bem tem cantado a vida, o amor e a
liberdade, é seu bisneto.
De Manuel Pereira da Costa
ouviu-se: «Sou português e hei-de morrer português. Sou republicano e hei-de
morrer republicano. Fui preso por perfilhar estas ideias; honro-me disso». E
termine-se aqui com o desafio de João Nunes (seria o primeiro-sargento João
Nunes Folgado, de Infantaria 10, reintegrado no Exército Português, com outros
companheiros, na sessão do Parlamento republicano de 20 de Junho de 1913?)
aos seus juízes: «Mais vale o cárcere com a consciência tranquila, do que a
liberdade com remorsos. Mais felizes são os vencidos de 31 de Janeiro do que os
membros do Conselho de Guerra de Leixões». Quem sabe se não esteve esta frase
na origem da proclamação orgulhosa inscrita no monumento que, em 1897, foi erguido no Cemitério Prado do Repouso, em homenagem aos
revolucionários do 31 de Janeiro: «aos vencidos»!
Do discurso do advogado José
Alberto de Sousa Couto disse Hélder Pacheco tratar-se «de um texto brilhante,
que o futuro veio confirmar». Respigue-se, do mesmo, três parágrafos, um no
qual defende das calúnias do acusador militar aqueles que «ousaram sair de uma
apatia que agrilhoava à mísera obscuridade e infortúnio a nossa existência de
povo», outro em que dá conta da adesão entusiástica dos portuenses, e um
terceiro em que remete para a história o julgamento justo dos intervenientes:
— Havemos de horrorizar-nos
perante a abnegação de tantos homens que se inspiraram nos males da pátria e
aos quais movia um esforço digno dela?
— E que vos direi do aplauso do
povo? Não o sabeis, por ventura? Não chegaram aos vossos ouvidos os ecos desse
entusiasmo? Não é certo que no Campo da Regeneração o povo fraternizou com o
exército, cooperando com ele junto ao quartel de Infantaria 18? Não é certo que
na Rua do Almada se encheram as janelas de gente, aplaudindo o desfilar das
forças? Não é certo que a Praça de D. Pedro parecia uma manhã de festival, de
jubileu, onde reinava a maior alegria no rosto de todos?
— Por tão acumuladas razões vós haveis
de ser clementíssimos para tantos infelizes. E que razão há para o não serdes?
Vós julgais, mas a História vos julgará...
O deflagrar do movimento no Porto
não foi um acaso: as tradições democráticas e liberais da cidade facilitaram um
temporão desenvolvimento do movimento republicano na cidade. Vitoriosa enfim a
República, em 1910, nesse mesmo ano os portuenses renomearam a Rua de Santo
António – que a multidão subira em festa antes de ser detida e fuzilada pelas
espingardas da Guarda Municipal – como Rua 31 de Janeiro, em memória dos
insurrectos.
Após o golpe militar de 1926, o
fascismo não pôde suportar um nome que lembrava uma autêntica revolta popular.
Em 1940 a
rua voltou ao nome de Santo António, mas não conseguiu fazer esquecer aos
democratas, republicanos e antifascistas, a corajosa luta de populares e
soldados em 1891. A
comemoração do 31 de Janeiro, apesar das fortes medidas repressivas com que o
regime cercou a data, foi sempre um momento de luta da oposição a Salazar e
Caetano.
Com o 25 de Abril de 1974, o
regime democrático saído da Revolução de Abril, reverteu a medida salazarista e
os portuenses voltaram a ter a sua Rua 31 de Janeiro.
AbrilAbril
Imagens: 1 - Gravura de Louis
Tinayre (1861-1941) representando o ataque, pela Guarda Municipal, ao edifício
da Câmara Municipal do Porto em poder dos revoltosos, durante a Revolta
Republicana do 31 de Janeiro de 1891, no Porto. Créditos/ Wikimedia Commons;
2 - Panfleto da Oposiçãao
Democrática apelando à comemoração do 31 de Janeiro (n.a., s.d.). Créditos
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