Miguel Guedes | Jornal de Notícias
| opinião
À média de mais de uma mulher
morta num quadro de violência doméstica a cada semana, celebra-se o Dia
Internacional da Mulher em Portugal.
Contam-se por 12 os homicídios em
dois meses, quase metade dos 28 registados em 2018. Espancadas até à morte ou
assassinadas com arma branca, derrubadas a tiro por ciúme, vingança, loucura,
impunidade. Crimes para todos os gestos. É precisamente o sentimento de
impunidade que conforta e começa a guiar o agressor, conduzido àquela ideia de
que já outros o fizeram e que foi o que foi sem serem vistos. Como bestas
invisíveis. Entregam-se vários corpos mas só um por vontade. Por vezes, a falta
de coragem remenda-se com o suicídio, já levadas que foram as crianças e parte
da família, avisadas que foram as entidades por respeito ao "rigor
mortis".
A impunidade serve-se da
desvalorização dos primeiros sinais e da tenra incapacidade das autoridades e
tribunais para funcionarem como verdadeiros dissuasores e repressores. Segundo
o "Observatório das Mulheres Assassinadas", 503 mulheres foram mortas
em contexto de violência doméstica ou de género entre 2004 e o final de 2018.
Segundo Elisabete Brasil (UMAR),
cerca de três mil mulheres vivem em casas-abrigo mas não há sequer um número
semelhante de condenações. Os planos de protecção para as crianças são
insuficientes, sobretudo quando a média de idade das vítimas de violência
doméstica é cada vez menor e os filhos, consequentemente, são mais jovens e não
criados. "Um optimista é um pessimista mal informado", advertia
Teodora Cardoso, na porta de saída da presidência do Conselho de Finanças
Públicas. Este pode ser um ano de recordes.
A pulseira electrónica como uma
metáfora despromovida a adereço na greve feminista de hoje em Portugal,
celebrando os últimos dias em que - já após pedir escusa - Neto de Moura pôde
lavrar sentenças sobre casos de violência doméstica. Nos últimos anos, escrevi
sobre o juiz agora transferido para as varas cíveis que era um homem a
"precisar desesperadamente de ler", "repousando ideais numa
almofada do século XIX" ao usar um "manto de bafio das
cavernas", caracterizando as suas decisões como "estupras" pela
"adulteração da justiça". Fazia a minha defesa das adúlteras porque
"só elas poderão certificar os proxenetas da Justiça". Não fui
processado, até ver. Well done, Neto. A fúria tonta deste homem contra quem se
insurgiu e indignou pelas suas decisões bestiais só cuidou de angariar medalhas
para si, homem-mártir dos cúmplices. Meia-verdade seja dita, o juiz só se
imolou como o maior reflexo de um sistema judicial que devia corar de vergonha
perante tanta perversidade. Talvez um dia, ainda que por acto reflexo, venhamos
a agradecer-lhe.
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
Músico e jurista
Sem comentários:
Enviar um comentário