Cabo-verdianos na diáspora pedem
reciprocidade neste domínio, uma vez que os europeus já beneficiam de isenção
dos vistos de entrada em Cabo Verde. Migração esteve na agenda da cimeira
bilateral que decorreu em Lisboa.
Ainda existem dificuldades e
obstáculos na obtenção de vistos por parte dos cidadãos cabo-verdianos que
queiram viajar para a Europa, através de Portugal. De acordo com os relatos, há
filas na Embaixada de Portugal na Cidade da Praia, de pessoas que são obrigadas
a acordar bem cedo, pela madrugada, para ir marcar lugar à porta da referida
instituição.
Recentemente, as organizações
representativas dos empresários em Cabo Verde pediram uma espécie de boicote ao
relacionamento com Portugal face à recusa sucessiva de vistos no Centro Comum
de Vistos.
Cidadãos cabo-verdianos em
Portugal, ouvidos pela DW-África, criticam os problemas que têm estado a
perturbar o fluxo migratório a partir de Cabo Verde. Portugal e Cabo Verde
mantêm boas relações de amizade, históricas e políticas e por isso é preciso "fazer
algo urgente" para alterar os atuais critérios de atribuição de
vistos a cidadãos cabo-verdianos. O repto é lançado por Felismina Mendes,
presidente da Associação Cabo-Verdiana de Setúbal.
"Nós temos tido casos muito
complicados a nível, por exemplo, de representações desportivas que ficam
retidas na [Cidade da] Praia por não conseguirem o visto atempadamente,"
aponta.
A dirigente associativa apela a
uma "grande vontade política" para que se possa alterar a forma
de trabalhar do Centro Comum de Vistos da Praia. "Não se pode admitir que,
em pleno século XXI, os cidadãos que queiram viajar estejam sujeitos à situação
que se conhece relativamente à atuação daquele centro," lamenta,
acrescentando que "há gente que quer vir de férias, por exemplo, e, mesmo
com condições, não consegue um visto," em Cabo Verde.
A também presidente da Federação
das Organizações Cabo-Verdianas em Portugal defende que é necessário mudar a
imagem negativa que tem o Centro Comum de Vistos. Ela é a favor da
reciprocidade tendo em consideração que os europeus estão isentos de vistos
quando entram em Cabo
Verde.
Miguel Fortes, da Associação
Cabo-Verdiana do Seixal, fala das assimetrias existentes no domínio da
migração. Também considera que, uma vez que entrou em vigor a lei de isenção de
vistos dos europeus para Cabo Verde, seria muito benéfico facilitar a
mobilidade dos cidadãos cabo-verdianos para a Europa, através de Portugal, como
o primeiro país de emigração cabo-verdiana.
Fortes acredita que os dois
países saberão ultrapassar os obstáculos e ponderar a regulamentação neste
domínio que facilite a vida das famílias cabo-verdianas. Deste modo,
acrescenta, se evitará que "as pessoas tenham que recorrer a vários meios
fraudulentos para atingir os seus fins".
Silvestre de Jesus, na qualidade
de consultor, quer ver melhoradas as relações luso-cabo-verdianas também neste
domínio "de modo a se atingir a excelência". Não concorda com as
restrições que os cabo-verdianos encontram em Cabo Verde. "Acho
que não devia haver tais dificuldades. Devia haver um fluxo livre das pessoas
de um território para o outro," sublinha o consultor que propõe a anulação
dos vistos para os cabo-verdianos. "Portugal tem, junto dos seus parceiros
signatários de Schengen, de encontrar uma solução para isso," adianta.
"É um esforço que compete a Portugal fazer," frisa.
Novos acordos bilaterais
Estes cidadãos cabo-verdianos
falaram à DW-África à margem da V Cimeira Portugal-Cabo Verde, que decorreu na
capital portuguesa nos dias 12 e 13 deste mês. Felismina Mendes aplaude a
realização desta cimeira e o reforço da cooperação entre os dois países, embora
questione o que isso traduz na prática em termos de resultados. "Sabemos
que existem acordos e protocolos, mas o cidadão comum, por vezes, não toma
conhecimento do que na prática isso traduz para o seu benefício," afirma.
No final da cimeira, este sábado
(13.04), foram assinados dez acordos bilaterais, que abarcam vários setores, da
justiça à educação e turismo, assim como a área da migração. O instrumento tem
por objeto o desenvolvimento e concretização de iniciativas visando a
implementação de um Serviço Público para as Migrações e o reforço das
capacidades técnicas neste domínio. Ambos os países também vão agilizar canais
legais e organizados para o incremento da migração laboral, de modo a que os
cidadãos dos dois países possam circular com segurança no mercado de trabalho.
Problemas minimizados
Questionado pelos jornalistas, em
conferência de imprensa, sobre a posição das organizações empresariais
cabo-verdianas em relação às dificuldades na obtenção de visto, o
primeiro-ministro português, António Costa, foi evasivo. Para o chefe do
Executivo português, desde a última cimeira até ao presente momento
"grande parte dos problemas que existiam em matéria de mobilidade foram
ultrapassados".
O seu homólogo cabo-verdiano,
Ulisses Correia e Silva, sustenta que "não se deve generalizar as
situações". O chefe do Executivo diz que tem havido mecanismos de
facilitação aos empresários cabo-verdianos, mas lembra que o Centro Comum de
Vistos não é uma estrutura do Governo português, mas sim que representa os
Estados-membros da União Europeia, dotados das respetivas regras. "Aquilo
que nós aconselhamos é ponderação e apreciação em sede própria quando
eventualmente existam problemas," aconselha.
Dívida em negociação
Os instrumentos de cooperação
assinados pelas duas partes correspondem ao lema desta cimeira, que se realizou
virada para a "parceria estratégica por um desenvolvimento
inclusivo". Nesta sexta-feira (12.04), no primeiro dia da cimeira, Ulisses
Correia e Silva deu a conhecer o interesse do seu executivo em obter de
Portugal o perdão parcial ou reescalonamento da dívida de Cabo Verde, contraída
para a construção de habitação social. O total do crédito é de 159 milhões de
euros, mas a parte destinada às habitações de componente social é de cerca de
70 milhões de euros. O assunto foi abordado no encontro entre os dois chefes de
governo, tendo Ulisses Correia e Silva revelado aos jornalistas que o crédito
só começa a vencer em 2021.
A cimeira também tratou de
matérias relevantes, nomeadamente a parceria de Cabo Verde com a União
Europeia, as relações Europa-África, a segurança marítima no Golfo da Guiné e
questões inerentes à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), atualmente
sob a presidência cabo-verdiana.
João Carlos (Lisboa), cvt |
Deutsche Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário