Ricardo Paes Mamede* | Diário de
Notícias | opinião
Os anos eleitorais não são bons
para fazer balanços. Há demasiados atores políticos interessados em influenciar
a perceção do mundo. Mesmo quem se esforça por manter uma distância crítica é
afetado pelo ruído mediático ou pelas suas próprias convicções. Por estas e
outras razões, a prudência recomenda que se aguarde alguns anos até fazer um
balanço rigoroso dos fenómenos políticos. Com todas estas cautelas, há um
aspeto que pode vir a revelar-se o maior contributo da geringonça para o
desenvolvimento do país: a confiança na democracia.
Todos os dias assistimos a
histórias de comportamentos menos éticos na vida política, pelo que a ideia
pode parecer estranha. Mas os dados são claros: Portugal é desde 2015 um caso
exemplar de reforço da confiança dos cidadãos nos atores e nas instituições
democráticas. É isto que mostram os resultados do Eurobarómetro, um inquérito
de opinião bianual da Comissão Europeia.
No outono de 2015 apenas 15% dos
portugueses confiavam no governo e 18% no parlamento. Tal como nos restantes
países do sul, estes valores encontravam-se abaixo da média da UE (27% e 28%,
respetivamente). Segundo os últimos dados disponíveis, no outono de 2018 a situação tinha mudado
de forma clara: os níveis de confiança em Portugal subiram para 37% no caso do
governo e para 43% no caso do parlamento. Ao contrário do que era costume, os
níveis de confiança naqueles órgãos de soberania em Portugal encontram-se agora
acima da média da UE (35% em ambos os casos).
O mesmo não aconteceu noutros
países do sul. Por exemplo, segundo os últimos dados, em Espanha a taxa de
confiança no governo é de apenas 19% e no parlamento de 15%, um pouco acima do
verificado em 2015, mas muito abaixo da média da UE.
No que respeita à perceção dos
cidadãos sobre o sistema democrático a situação é semelhante. No outono de
2018, 64% dos portugueses diziam-se satisfeitos com o funcionamento da
democracia no país, acima da média da UE (57%) e muita acima dos níveis dos
outros países do sul (26% na Grécia, 40% em Espanha e 42% em Itália).
Nos últimos anos Portugal foi
visitado por dezenas de jornalistas de vários países europeus que vêm tentar
perceber o que alguns apelidam de "milagre português". Na maioria dos
casos, quem nos visita não têm em mente os dados que referi. O que os motiva é
saber como foi possível compatibilizar o aumento dos salários e dos direitos, o
cumprimento das regras orçamentais da UE e a redução do desemprego.
Quando me perguntam, respondo que
não há milagre nenhum. Há, em primeiro lugar, um contexto internacional favorável:
baixas taxas de juro, preço do petróleo moderado, câmbio do euro face ao dólar
competitivo e bom desempenho económico dos países da zona euro (que se reflete,
entre outras coisas, no crescimento do turismo). A nível interno, a devolução
de rendimentos e, acima de tudo, o fim da ameaça permanente de novos cortes,
contribuíram para o crescimento do consumo interno. A capitalização do sistema
financeiro nacional, por muito questionável que seja o modo como foi
conseguida, afastou do horizonte os piores cenários de instabilidade. Tudo isto
somado gerou confiança e permitiu alguma recuperação do investimento.
A solução política inovadora
adotada em novembro de 2015 também contribuiu para a recuperação económica por
duas outras vias: reduziu os níveis de conflitualidade social e contribuiu para
passar a imagem de um país em que as mudanças de ciclo político podem fazer-se
sem sobressaltos (o que investidores estrangeiros apreciam).
Mas as conquistas da geringonça
vão muito além dos contributos que deu para a retoma económica. As democracias
representativas são sistemas frágeis. Baseiam-se na confiança dos eleitores nos
representantes que elegem e nos governos que daí resultam. Poucos em Portugal
estarão convencidos de que os políticos são todos competentes e impolutos. No
entanto, as pessoas estão hoje mais convencidas do que no passado (e bastante
mais do que em países comparáveis) de que a democracia funciona, de que o
governo existe para promover o bem comum e de que o parlamento cumpre o seu
papel de representação da vontade dos cidadãos.
No mundo em que vivemos, o
aumento da confiança na democracia não é uma conquista menor da geringonça.
Ainda que fosse só por isto, já teria valido a pena.
*Economista e professor no
ISCTE-IUL
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