Rui Sá* | Jornal de Notícias | opinião
Imagine o leitor ou a leitora
que, de um momento para o outro, deixa de ter uma casa para viver com os seus
filhos, menores, e que se vê obrigado(a) a dormir com eles numa pensão esconsa,
sem quarto de banho privado e onde os quartos ao lado são utilizados para
prostituição. Quarto onde os seus filhos não podem brincar nem estudar por
falta de espaço ou condições. E, como não pode cozinhar, vê-se forçado(a) a
comer em restaurantes ou em casa de familiares. Todos imaginamos o dramatismo
desta situação, mas apenas quem passa por ela vive, de facto, esse angustiante
dramatismo...
Por isso, a situação que se viveu
sexta-feira na Ribeira do Porto, em que uma mãe com dois filhos menores foi
despejada pela Câmara do Porto da casa municipal onde vivia, magoa profundamente.
Porque, ainda por cima, as razões desse despejo denotam uma profunda
insensibilidade social. De facto, Paula (esse é o seu nome e é público) tinha
vivido naquela casa com os pais. Como é normal, constituiu família e
autonomizou-se. Mas, em 2017, com o falecimento da mãe, regressou a casa para
tomar conta do pai, que tinha 89 anos. Desde essa altura, procurou regularizar
a situação, solicitando à Câmara para ser reinscrita no agregado familiar.
Infelizmente, o pai faleceu em 2018, tendo Paula continuado a pagar a renda e
tendo, inclusive, a autarquia passado alguns recibos em seu nome. Não obstante
isto, e o facto de Paula estar integrada na comunidade - como o provam as
comoventes manifestações de solidariedade das vizinhas -, a Câmara procedeu ao despejo,
destruindo a vivência desta família.
Estamos perante uma total falta
de sensibilidade social. E caímos neste paradoxo: Paula estava a viver na casa
do pai, mas não estava autorizada. Mas como estava a viver numa casa, o seu
caso não é considerado para efeitos de atribuição de habitação municipal. Só
agora que foi despejada é que pode fazer esse pedido, sabendo que, no mínimo,
terá de esperar três anos! Entretanto, com o custo das habitações na cidade,
irá engrossar o rol dos filhos do Porto, e particularmente do seu centro
histórico, desterrados para municípios vizinhos ainda não atingidos pela
especulação imobiliária.
Para além da insensibilidade
social, estamos perante um problema de má gestão dos dinheiros públicos. A
Câmara recebia uma renda. A partir de agora, e até à atribuição da casa a uma
nova família (o que normalmente implica obras com os correspondentes custos),
essa renda não existirá. E a Segurança Social passará a pagar a uma pensão o
aluguer de um quarto. Sabendo nós que o IHRU - o organismo do Estado que gere a
habitação social - tem casas devolutas, tal como a Câmara que, só no local onde
vivo, tem, há anos, uma dezena de casas devolutas.
*Engenheiro
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