Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Nas últimas semanas, o debate político tem-se centrado no "desalfandegamento" de um monstro que entrou na cena política nacional, processo promovido pela Direção do PSD que, na ânsia de alcandorar a Direita ao poder, acha possível utilizar o "bicho" como seu cão pisteiro. Talvez seja preferível não alimentar estas desgraças e tratar de discutir temas que nos tragam futuro.
Na passada quarta-feira, na conferência "Portugal Exportador 2020", o ministro Augusto Santos Silva afirmou que o turismo vai continuar a ser "o navio almirante das exportações nacionais". Estranhamente, Santos Silva optou por um discurso erróneo, fazendo de conta que toda a discussão produzida no país sobre o setor se resume a visões "imediatistas" que vão decretando, "ou glórias que consideram duradouras, ou mortes que se apressam a declarar como definitivas". Disse ele, e bem, que é preciso "distinguir o efémero do definitivo", mas resvalou para uma visão dicotómica perigosa que não ajuda ao futuro do turismo que deveremos ter e, muito menos, à melhoria da matriz de desenvolvimento do país.
Se Portugal conseguir ultrapassar o valor de 50% do seu Produto Interno Bruto (PIB) com o global das exportações, até 2030, como afirmou o ministro, constitui uma meta que tanto pode ser positiva como negativa. O fundamental é saber-se o que se vai exportar, se para atingir aquela meta são, ou não, sacrificadas as condições de vida dos portugueses, se a base do "êxito" das exportações assenta em políticas de baixos salários, precarização e desregulação do trabalho, ou no combate a essa via. Os problemas do turismo são diversos e bastante complicados.
É preciso ajudar o mais possível as empresas, proteger emprego e gerar confiança no setor neste contesto de exceção (conjuntural) que vivemos, todavia ele será seguido de impressibilidades, que tornam incerto o seu futuro (estrutural). No passado, o excesso de otimismo com que se apresentou o futuro do turismo levou muitas pessoas e empresas, sem capitais próprios, a fazerem investimentos totalmente suportados por empréstimos bancários: agora não dispõem da mínima almofada e, querendo sobreviver, estão dependentes das ajudas do Estado, ou seja, do sacrifício de todos os portugueses.
Não está para amanhã a paragem da pandemia e estamos longe de saber como as companhias aéreas vão agir na saída da atual situação, que alterações se estão a produzir nos hábitos das pessoas, que disputas poderão emergir no mercado turístico. Por outro lado, há todo um estudo por fazer relativo à qualidade da oferta turística que temos tido, sobre o seu potencial de melhoria qualitativa, sobre os seus impactos no plano ambiental e das condições de vida nas cidades e, ainda, sobre a capacidade de fixar direta ou indiretamente emprego qualificado. É um erro estratégico grave varrer estes desconhecimentos para debaixo do tapete.
O navio almirante das exportações estruturado na base de um turismo de tipo "extrativista" já se revelou desastroso perante tempestades. A existência de um navio almirante capaz de colocar a sociedade portuguesa em patamares mais elevados de desenvolvimento está dependente de uma aposta forte na industrialização, em outras atividades de elevado potencial de produtividade e nas indispensáveis para o bem-estar coletivo.
*Investigador e professor universitário
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