É já tradição, no quadro das discussões orçamentais, o apontar de baterias, por parte da maioria da comunicação social, contra as medidas oriundas «da esquerda», classificadas como despesistas.
«Pacote negociado com a esquerda custa mais de mil milhões». O destaque na primeira página do Jornal de Negócios, desta quinta-feira, ilustra bem que a forma de passar a informação é já uma mensagem.
Pese embora na mesma capa se diga também que o Governo está a avaliar propostas do PSD na ordem dos 700 milhões de euros, o ponto de partida informativo ficou lançado no primeiro grande título.
Por um lado, regista-se um «esquecimento» sistemático em dar destaque, nas primeiras páginas dos jornais nacionais, a propostas «da esquerda», que, a ser implementadas, permitiram arrecadar milhares de milhões de euros em receitas para o Estado. Medidas essas que passam por ir buscar o dinheiro onde ele está, nomeadamente aos lucros dos grandes grupos económicos e às grandes fortunas.
Por outro lado, as informações transmitidas parecem partir sempre do pressuposto de que será inevitável considerar qualquer medida orçamental – de receita ou despesa – sob a bitola da subjugação às orientações da União Europeia (UE), no que diz respeito ao défice das contas públicas e à dívida soberana. Ou seja, qualquer visão que se proponha como alternativa, ou que dê primazia a outros interesses, nomeadamente aos das populações, é tratada mediaticamente como um caminho despesista para uma catástrofe orçamental.
Mas há ainda a dimensão de se considerar como «despesismo» todas e quaisquer medidas que correspondam, na realidade, à materialização das respostas que as populações necessitam.
Quando os partidos exigem que se reforce o Serviço Nacional de Saúde em meios humanos e técnicos, que se aumentem os salários e pensões, ou que se atribuam apoios mais decididos às pequenas e médias empresas para combater a crise social em curso, o tratamento mediático passa, quase sempre, pelo acentuar da tónica de que são propostas «despesistas».
E repare-se que, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) – instituição insuspeita –, Portugal é dos países da UE que menos se comprometem a gastar em Saúde na resposta à pandemia, em termos despesa per capita.
Ora, será de perguntar como seria feito o debate em torno do Orçamento do Estado, se a comunicação social apresentasse um tratamento igual às diversas propostas dos partidos, sem as classificar à partida.
É que, para além das respostas mais imediatas à actual crise, o País precisa de debater as respostas aos seus problemas estruturais. O que justifica a questão: quanto custa informar pela metade?
AbrilAbril | editorial |Imagem: Mário Cruz // Lusa
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