“A única coisa que gosta da
cozinha é a comida” - Nair de Teffé
Em meio a padrões
patriarcais, conservadores e positivistas dos primeiros anos após a Proclamação
da República no Brasil (1889), uma mulher decidiu romper com o destino social
preestabelecido de ser apenas a “Rainha do lar” e a educadora do futuro
cidadão, optando por lutar pela realização de seus desejos e sonhos. Pintora,
caricaturista, pianista, atriz, cantora, escritora e poliglota, o nome desta
talentosa pioneira é Nair de Teffé (1886-1981).
Filha do fazendeiro Antônio
Luiz Von Hoonholtz, o Barão de Teffé, e de Maria Luiza Dodsworth e neta do
conde prussiano Frederico Guilherme Von Hoonholtz, esta bela carioca, como
ratificam os registros fotográficos, nasceu sob o signo de Gêmeos, no dia 10 de
junho de 1886, na Rua da Mata Cavalos, em Petrópolis (RJ), local citado na
famosa obra Dom Casmurro (1899) de Machado de Assis (1839-1908).
A infância
Quando completou um ano de
idade, em 1887, sua família partiu para a Europa onde seu pai havia sido
designado pelo imperador para assumir um cargo. Graças à boa situação econômica
da família, Nair de Teffé teve a possibilidade de vivenciar uma primorosa educação
no sul da França. Com a Proclamação da República no Brasil, o Marechal Deodoro
da Fonseca (1827-1892) nomeou o seu pai, o Barão de Teffé, como Ministro
Plenipotenciário (chefe de missão diplomática) em Bruxelas. Devido
a um conflito que se estabeleceu, com Floriano Peixoto (1839-1895), devido a um
telegrama de aniversário enviado pelo Barão de Teffé ao contra- almirante
Custódio de Mello (1840-1902), a permanência de seu pau naquele cargo foi
efêmera.
A educação na França e as
primeiras caricaturas
Desde criança, Teffé
manifestou seu talento para as artes, principalmente para a pintura e o desenho
na forma de caricatura. Segundo a entrevista, dada por ela, em 1979, para
o jornal Estado de São Paulo, foi no colégio religioso do Convento Saint Ursuline,
um dos estabelecimentos católicos em que estudou na França, que, aos nove anos,
ela fez sua primeira caricatura, retratando uma freira professora, dando ênfase
ao nariz comprido da religiosa. Como castigo, a menina Teffé foi colocada de
castigo, durante oito horas, num quarto escuro, o que não a intimidou, pois foi
o primeiro de tantos outros trabalhos que a consagrariam, mais tarde, como
primeira mulher caricaturista.
Já no seio familiar,
após a visita de uma amiga da família chamada Madame Carrier, os pais de Teffé
descobriram o talento desconhecido da filha. Na ocasião, seus pais
fizeram com que a menina permanecesse, por duas horas, conversando sobre
cozinha, fato este que lhe desagradava bastante. Assim que a visita se
despediu, ela se dirigiu até o seu quarto e desenhou a caricatura de Carrier.
Ao mostrar para seus pais seu desenho, embora surpresos com o dom da filha, ela
recebeu um corretivo, ficando sem a sobremesa no jantar.
Ao retornar para o Brasil,
em 1905, com 19 anos, a família se estabeleceu, no Rio de Janeiro, onde, sob a
vigilância do seu pai, continuou a atividade de caricaturista, tendo
trazido, em sua alma, a influência da Belle Époque parisiense. A
princípio sua arte era vista pelos amigos com humor e de forma despretensiosa.
Nesta fase, ela decidiu mudar sua assinatura para Rian, que, na realidade,
trata-se de Nair ao contrário. Esta mudança de assinatura parecia anunciar o
novo caminho, que iria ser descortinado pelo talento da nossa artista do traço.
Teffé
começa a conquistar o seu espaço
A produção de Teffé,
a partir de 1906, foi aumentando o seu ritmo até o ano de 1913. Seus trabalhos
já despertavam os olhares curiosos na Pensão Central, considerado, na época,
ponto nobre da cidade de Petrópolis. Eram inúmeros os pedidos de caricaturas à
nossa artista. Embora limitadas, ainda, a um circuito restrito, ela chegou a
desenhar, por dia, vinte caricaturas. Com a aprovação do pai, ela começou a
expor seus trabalhos, em
pleno Rio de Janeiro, na Casa Davi e na Chapelaria Watson.
Outro ponto de encontro de boêmios e intelectuais era o Bar do Jeremias, onde
Teffé trocava ideias com os amigos, entre os quais o grande literato Lima
Barreto (1881-1922), que vivenciava e denunciava, por meio da sua produção
literária, o preconceito racial no Brasil em uma época que as ideias de eugenia
(raça pura) estavam em voga.
A arte de
Teffé na imprensa
A partir de um
circuito ainda restrito, os trabalhos de Teffé começaram, de forma efetiva, a
ocupar novos espaços, quando, a partir de 1910, já no auge de seus 24 anos, ela
já publicava o seu trabalho em periódicos importantes do Rio de Janeiro, como o
Jornal do Commércio (1827- 2016), Gazeta de Notícias (1875-1942) Careta
(1908-1960), Fon-Fon (1907-1958) O Malho (1902-1952?), Vida Doméstica
(1920-1962) Ilustração Brasileira (1909-1958) além de alguns semanários
estrangeiro, como as francesas Le Rire e Excelsior.
A partir da
divulgação do trabalho de Teffé, por meio da imprensa, abriu-se um novo caminho
à sua polêmica arte pontuada pelo senso crítico e debochado em relação aos
costumes e valores de uma sociedade, que, na visão da artista, era norteada
pelo machismo conservador e por relações hipócritas e interesseiras. Em
junho de 1912, ela realizou uma exposição individual, no Salão do Jornal do
Commércio, na qual reuniu duzentas caricaturas de sua autoria.
As destacadas e
longevas publicações, das quais Teffé colaborou, retratam momentos importantes
da história do Brasil e, atualmente, compõem o valioso acervo do Museu da
Comunicação Hipólito José da Costa (MuseCom). Criado em 10 de setembro 1974, em Porto Alegre, a
instituição tem como importante missão a guarda, a preservação e a difusão da
memória da Comunicação, especialmente do Rio Grande do Sul.
A primeira
caricatura publicada: 1909
Na famosa revista Fon-Fon, a
seção Esbocetos era assinada por Fiorellini e idealizada pelo escritor e
crítico de arte Gonzaga Duque. Esta revista tem o mérito de ter sido a
pioneira, quando publicou trabalhos inéditos de Rian (Nair de Teffé), a
primeira mulher caricaturista do Brasil. Esta revista, em 31 de julho de 1909, publicou
a primeira caricatura, desenhada por Teffé, retratando a artista francesa
Réjane. O nome Fon-Fon - que se trata de uma figura de linguagem denominada de
onomatopeia -, é uma referência à modernidade que se evidenciava, naquela
ocasião, com o surgimento do automóvel e pelo som da buzina.
As dificuldades
e desafios se acentuaram quando a divulgação do trabalho de Teffé ultrapassou
os espaços privados dos salões e das casas das elites de Petrópolis e do Rio de
Janeiro, passando a fazer parte das páginas de periódicos importantes e
respeitáveis. Ao publicar suas caricaturas, Teffé deixou de ser uma
produção restrita a ambientes domésticos e aos espaços de lazer social onde
desenhava e fazia caricaturas dos amigos, para tornar-se uma figura popular,
por meio de sua arte, nos mais variados espaços, graças à divulgação da
imprensa, considerando a importância desta como veiculo de
comunicação, já que o rádio e a televisão ainda não se faziam presentes naquele
cenário social, no qual Teffé despontava por meio de seu talento e
de sua arte.
O
preconceito
As críticas ao
trabalho não causavam surpresa e nem raiva à Teffé, que se divertia com o fato
de suas caricaturas despertarem os mais variados sentimentos nas pessoas.
Mulher jovem, de boa posição social e culta, ela despertava curiosidade em
relação ao seu trabalho e era elogiada. Ao mesmo tempo, em que as pessoas se
sentiam instigadas a conhecerem a sua arte, o preconceito a espreitava, em sua
trajetória, pois desenhar caricaturas era vinculado ao universo,
exclusivamente, masculino.
Com a arte do seu traço,
Teffé criticava, de forma incisiva, os exageros da moda e das
personalidades conhecidas na época, o que, em determinado momento, começou a
causar desconforto em algumas figuras da sociedade, que buscavam
escapulir nas recepções do olhar crítico da nossa artista.
Bernardo G. de
Barros assim comentou sobre nossa artista: “...Nair de Teffé é a primeira
mulher caricaturista. Caso excepcional e simpático, que deve satisfazer as
feministas que, com redobrada razão, pretendem conquistar os mesmos
louros que até agora pertenciam aos homens”.
A
exemplo de outras mulheres, ao longo da história, que se destacaram na
conquista de direitos e de novos horizontes, Teffé foi de encontro aos valores
patriarcais e limitantes da sociedade de então, quando começou a flertar com o
modernismo e as pretensões feministas da época. Talvez ela não imaginasse que
suas ideias acabariam por repercutir junto à autoridade máxima do país -
o gaúcho Hermes da Fonseca -, mudando por completo o seu futuro e ampliando seu
campo de ação e prestígio.