Domingos De Andrade* | Jornal de Notícias
A desunião social cava-se à medida da cadência do número dos infetados e da dor do luto. A começar na política e a acabar nas políticas.
As reações dos partidos no final das audiências com o presidente da República são o sintoma mais transparente, sublinhando a divergência em relação às medidas tomadas no âmbito do estado de emergência. Mesmo dos partidos que apoiam decisões mais enérgicas, chegam críticas de incoerência na ação do Governo, e à Esquerda sobe de tom a exigência de equilibrar restrições com maiores apoios social e económico.
O Governo vai dando motivos para essas críticas, mostrando hesitações e constantes ajustamentos nas políticas que parecem indicar uma perigosa navegação à vista. Cá como em toda a Europa. Poucos dias depois de 77 concelhos entrarem no mapa de risco sujeito às restrições mais pesadas, aponta-se agora num escalonamento que poderá significar, para a maioria deles, um novo desagravamento no que diz respeito ao recolher obrigatório.
É neste clima de incerteza que hoje regressam as reuniões de especialistas no Infarmed. E que nos preparamos para mais uma maratona de encontros, anúncios e medidas, com a certeza de que o estado de emergência é para continuar, num momento em que não há sinais de desaceleração da pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde. Sem sequer podermos sossegar perante as boas notícias sobre a eficácia das vacinas, que também devem ser vistas com cautela.
Pela primeira vez, ouvimos a ministra da Saúde avançar o mês em que espera iniciar a vacinação de profissionais e grupos de risco. Multiplicam-se, ainda assim, os alertas para moderar as expectativas quanto aos efeitos da vacinação. Porque pouco se sabe sobre a estratégia e o rumo a seguir pelo Governo, ao contrário do que sucede noutros países da Europa, onde o plano foi publicamente divulgado. Mais ainda porque o processo de autorização final, distribuição, operação logística e garantia de fiabilidade do seguimento de eventuais efeitos adversos é complexo e demorará a chegar à população.
Sem esquecer outro fator que não é um pormenor: a guerra pela vacina é também uma guerra económica e política. E, mais uma vez, cava mais fundo o fosso entre países ricos e pobres.
*Diretor Geral Editorial