Inês Cardoso* | Jornal de Notícias | opinião
Há um certo discurso populista que se atira a apoios como o rendimento social de inserção e em períodos de baixo desemprego acentua tiradas preconceituosas de que as prestações incentivam a preguiça. Ou que critica quem vive do subsídio de desemprego por alegadamente não querer aceitar trabalho duro e mal pago. Como se a pobreza fosse culpa de quem vive esmagado por ela, numa leitura insensível e simplista que ignora por completo o país que somos.
As ideias feitas tornam-se ainda mais perigosas numa altura em que os sinais de pobreza aumentam, mas não são facilmente traduzidos pelas estatísticas. E em que se percebe que há um número crescente de pessoas com emprego, sem condições para aceder a apoios sociais, mas ainda assim pobres. Esse é um dos fenómenos que mais traduzem as limitações do nosso modelo económico, assente em baixos salários.
A inflação e o preço elevado da habitação têm contribuído nos últimos meses para agravar o cenário que vai sendo descrito pelas instituições que andam no terreno, em sucessivos levantamentos e trabalhos jornalísticos. Deco, Cáritas, Banco Alimentar e mesmo técnicos dos organismos oficiais retratam um crescimento silencioso de famílias a precisar de apoio. Quase 70% das pessoas que este ano pediram ajuda à Deco trabalham.
Repetidas vezes ouvimos o presidente da República insistir no tema e há poucos dias o recado ao Governo foi claríssimo, esperando que o plano de ação contra a pobreza seja implantado "rapidamente". Do primeiro-ministro temos recebido poucas respostas, num período que tem sido de mais insistência na frente externa do que no ataque às emergências dentro de portas.
Não é difícil perceber o que será a vida dos portugueses com a inflação galopante, a subida das taxas de juro e o risco de as rendas dispararem em 2023. E não se trata apenas de olhar para quem ficou sem emprego, para quem precisa de apoios de emergência, para quem recebe ajuda alimentar. Mas de perceber que o rendimento do trabalho não chega para evitar a pobreza. Envergonhada, silenciosa, mas nem por isso menos real.
*Diretora do JN
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