segunda-feira, 4 de julho de 2022

Angola | MPLA ATACOU MPLA COM OSSADAS – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Os africanos gostam muito dos seus mortos, beijá-los antes de despachar os cadáveres para a cova. Por isso, procurar ossos e enterrá-los é uma política de estado em Angola. Claro que em tudo na vida, há mortos mais mortos do que outros. Os que tombaram na Frente Sul, na guerra contra os invasores racistas de Pretória não interessam nada. Desconfio que nem ossos tinham. Os assassinos do 27 de Maio, esses sim são mortos de verdade. Andam com máquinas modernas, lupas, olhos de lince atrás das ossadas. E num passe de mágica, de assassinos passaram a vítimas e heróis. Coisa estranha.

Por muito que vos custe, vou lembrar mais uma vez que nas primeiras eleições multipartidárias, em 1992, o MPLA ganhou com maioria absoluta. A vitória histórica também deve ser creditada a João Lourenço, que trabalhou muito para esse desfecho. Nessa altura falei com ele várias vezes e nunca me disse que estava preocupado com os ossos dos assassinos do 27 de Maio. 

Pelo contrário, na qualidade de dirigente do MPLA assinou um comunicado do Bureau Político do partido onde se esclarece que os membros da direcção política e militar do golpe de estado de 27 de Maio de 1977 foram julgados e condenados a fuzilamento. Nada a esconder. Na época eram essas as regras revolucionárias. 

Nas eleições de 1992, os golpistas do 27 de Maio, que tiveram penas mais leves, apresentaram-se a votos com o Partido da Renovação Democrática, chefiado pelo golpista Luís dos Passos e reforçado com a ala da Revolta Activa liderada por Joaquim Pinto de Andrade. Tiveram um resultado espectacular tendo em conta que representavam assassinos golpistas: Elegeram um deputado.

Nas eleições de 2008, o MPLA teve 81,73 por cento e a UNITA 10,38 por cento. A FpD (actual Bloco Democrático) 0,26 e o PRD, partido dos golpistas de 27 de Maio apenas 0,21. Não elegeram nem sobreviveram. Como registaram menos de 0,50 por cento dos votos foram extintos. O MPLA no Bengo elegeu cinco deputados em cinco.

Em 2012, o MPLA teve 71,8 por cento dos votos. Voltou a dar 5-0 na província do Bengo.

Em 2017, o MPLA ganhou com 61,70 por cento dos votos. A UNITA, 26, 71 por cento. Desta vez não existiam restos de Revolta Activa nem golpistas do 27 de Maio de 1977. Estavam extintos e ninguém andou à procura das ossadas. Na província do Bengo, o MPLA registou 67 por cento dos votos mais de cinco por cento acima do resultado nacional. A UNITA teve 24 por cento, menos do que o resultado nacional (26,7 por cento). Desta vez, o EME elegeu quatro deputados e a UNITA um. Lá se foi o cinco a zero. 

O cabeça de lista do MPLA, João Lourenço, durante a campanha eleitoral não foi a Caxito ou a qualquer outro local da província do Bengo falar de ossadas ou dizer que as “vítimas” do 27 de Maio “eram comandantes desta região”. O que seria falso. Porque os comandantes Dangereux, Bula Matadi, Eurico e Nzaji não eram do Bengo. O ministro Saidy Mingas também não. O diplomata Garcia Neto igualmente. Hélder Neto também não. Os assassinados foram esses. As vítimas foram esses. A principal vítima foi o Povo Angolano. Os assassinos da direcção política e militar do golpe eram do lado da traição. Essa é a sua região.

Para que conste, informo que Cuanza Norte, Malanje, Cuanza Sul, Benguela, Huíla e Cunene mantiveram o cinco a zero de 2008 e 2012. Recordo que as eleições nestes anos foram consideradas credíveis pelos observadores internacionais. 

Em 2008, quando a vitória do MPLA foi esmagadora, a missão de observadores da União Europeia escreveu: “Com estes resultados, mais do que o MPLA, é o grande povo angolano que ganha pois deu ao mundo (e continuará a dar) um grande exemplo de civismo democrático”. Procurei arduamente outras declarações, inclusive do candidato João Lourenço, e não ouvi nem li nada parecido com as ossadas das “vítimas” que eram comandantes da região do Bengo.

Por dever de ofício, leio os programas de todos os partidos. Por opção partidária leio, analiso e estudo o programa do MPLA. Nas eleições de 2017, em nenhum ponto vem escrito que o partido, durante este mandato, ia procurar as ossadas dos assassinos do 27 de Maio de 1977 e muito menos referia que os assassinos iam ser tratados como vítimas. 

Também nada li sobre o abraçar os assassinos golpistas e perdoar aos assassinados, comandantes militares, o ministro das Finanças e altos funcionários do Estado Angolano. Não vou qualificar esta situação. Estou de férias, até ao dia 24 de Agosto.

Hoje, o presidente do MPLA e cabeça de lista do partido, num comício na cidade de Caxito, foi vender as ossadas dos assassinos do 27 de Maio de 1977. Justificou este dislate dizendo que as ”vítimas” golpistas eram “desta região do Bengo”.

Fiquei um tanto perplexo porque me pareceu uma acção violenta do MPLA contra o MPLA. Espero que na hora da contagem dos votos, em vez de 4-1 as coisas descambem para 3-2 ou mesmo para o resultado de Cabinda, onde o MPLA elegeu menos deputados do que a Oposição.

Hoje percebi que o negócio das ossadas do ministro da Injustiça e dos Atentados aos Direitos Humanos é também um negócio do MPLA. Pode ser que renda votos. Mas se render tanto como rendeu ao PRD, o partido dos assassinos golpistas que continuamos a aturar, a coisa pode ser problemática.

*Jornalista

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