sábado, 22 de janeiro de 2022

Angola | OS DISTRAÍDOS SÃO MUITO DIVERTIDOS

Artur Queiroz*, Luanda

Em Fevereiro de 2010 os deputados eleitos em 2008 aprovaram a Constituição da República, pondo fim ao período de transição iniciado em 1992. Foi o início de um novo regime que passou de semi presidencialista a presidencialista. Num clima de grande emoção, os parlamentares, depois da aprovação da Lei Magna gritaram em uníssono: Angola! Angola! Angola! 

Na votação participaram os deputados do MPLA (81,76 por cento dos votos), do PRS (3,14 por cento), da FNLA, (pouco mais de 1,0 por cento).

A UNITA (572.523 votos que corresponderam a 10,36 por cento) abandonou a sala, recusando-se a votar. Os parlamentares do Galo Negro não votaram a favor. Não votaram contra. Não se abstiveram. Traíram o mandato popular que lhe foi outorgado por meio milhão de angolanas e angolanos. Traíram o regime democrático. Traíram a unidade e reconciliação nacional.

Mário Soares, sócio gerente de Jonas Savimbi e um dos patrões do Galo Negro, ficou furioso e fez esta declaração: “É inaceitável que a UNITA tenha feito uma política de cadeiras vazias! Isto, nada tem a ver com a democracia”. E com razão. Se o partido não votou a Lei Magna, como pode um dia governar através de eleições democráticas? Só através de um golpe de estado é possível rasgar a Constituição da República.

Estes tipos distraídos estão convencidos que são muito divertidos.

Juristas, analistas, comentadores, políticos reformados ou no activo, respondam: Um partido que se recusou a votar a Lei Fundamental está integrado na ordem democrática? Pode governar Angola? Com mandato de quem? E o que faz da Constituição da República? 

O senhor Adalberto da Costa Júnior é o líder visível da UNITA. 

Tem que explicar imediatamente o que faz da Constituição da República se alguma vez o seu partido ganhar as eleições. 

Tem que explicar se a sua Lei Magna é a declaração de Muangai, o Manual do Militante ou os estatutos da Jamba elaborados pelos racistas de Pretória.

Estes tipos distraídos estão convencidos que são muito divertidos.

Angola | PARRICÍDIO E MATRICÍDIO NO VIREI

Artur Queiroz*, Luanda

As gravuras e pinturas rupestres de Tchitundo Hulo (Monte do Céu) estão inseridas numas das mais importantes estações arqueológicas do mundo. Em Angola é seguramente a mais estudada. Um dos estudiosos foi Carlos Ervedosa, um angolano prodigioso ao qual devemos a divulgação e promoção da Literatura Angolana, através dos cadernos da Casa dos Estudantes do Império. Nesta empreitada contou com a colaboração de Fernando Costa Andrade (Ndunduma) poeta, artista plástico e jornalista. Nos estudos arqueológicos fez equipa com o Professor Santos Júnior, um cientista de dimensão universal.

A estação arqueológica está “poisada” num morro de granito à vista do deserto. As comunidades da região chamam-lhe Tchitundo Hulo Mulume (Morro do Homem). Aqui existem pinturas e gravuras rupestres. A tinta da maior parte das pinturas foi obtida a partir de carvão e água. Também ostenta fundos de cabanas e vestígios de indústria lítica (produção de ferramentas em pedra).O que nos leva às nossas primeiras Mamãs e Papás. Milhões  de anos. Mais três elevações secundárias completam a estação: O Tchitundo Hulo Mucai (Morro Mulher),só tem pinturas, a Pedra da Lagoa (só com gravuras) e a Pedra das Zebras, apenas gravuras insculpidas na superfície rochosa.

O primeiro estudioso desta preciosidade do fabuloso Mosaico Cultural Angolano foi um técnico superior do Serviço de Geologia e Minas, Camarate França. Corria o ano de 1952, há precisamente 70 anos. O geólogo encontrou mais de 100 gravuras e inúmeros artefactos de pedra, colhidos à superfície. Não foi necessário escavar. Ironia do destino. Ele só viu, recolheu e estudou as preciosidades da base do Tchitundo Hulo Mulume. As do alto do morro continuaram incógnitas. E apesar de estar mesmo ao lado da Pedra da Zebra (Buá Mamuxombo), Pedra da Lagoa (Buá Ioxirinde) e Tchitundo Hulo Mucai, não as viu. O seu estudo, AS GRAVURAS RUPESTRES DO TCHITUNDO-HULO (DESERTO DE MOÇÂMEDES), foi publicado em 1953 e revela pormenores importantíssimos.

O geólogo também conviveu com as pessoas. E narraram-lhe esta história sobre Tchitundo Hulo: Desde há muito, muito tempo, no tempo dos avós, dos avós, dos avós, dos avós (até ao infinito) uma leoa vai todos os anos ter as suas crias entre os pedregulhos no ponto mais alto do morro. Quem subir até lá cima, seja homem ou mulher, não pode nunca olhar para trás. Se o fizer, será perseguida ou perseguido até à morte pelas leoas e suas crias. Sobre os Cuvales (uma parte dos angolanos da região) leiam hoje mesmo a monumental obra do Padre Carlos Estermann, o estudioso do Sul e Sudoeste de Angola.

Em 1954, chamado pelo estudo de Camarate França, o etnólogo alemão Herman Baumann, acompanhado de um Mais-Velho Cuvale, anónimo até à eternidade, chegou ao morro Tchitundo Hulo Mucai. O mundo ficou a conhecer a casa de nossas Primeiras Mamãs e nossos primeiros Papás. Título da obra: VORLAUFIGER BERICHT UBER NEUE FELSBIDER-FUNDE IM SUD-ANGOLA (RELATÓRIO PROVISÓRIO SOBRE NOVOS ACHADOS DE PINTURAS RUPESTRES NO SUL DE ANGOLA). O cientista alemão descobriu gravuras com uma girafa e dois antílopes. Imaginem a antiguidade destas preciosidades. Ainda existiam girafas no deserto do Namibe!

Angola | Polícia apela líderes partidários para a promoção da tolerância

O Comando Provincial da Polícia Nacional em Benguela está a desenvolver uma estratégia específica para prevenir o surgimento de casos de intolerância política, no âmbito da promoção da tolerância, preservação da paz e respeito pelo património público.

Para o efeito, o comandante provincial da Polícia Nacional, Aristófanes dos Santos, vai manter em breve um encontro com os líderes dos partidos políticos, sediados na província, para auscultar, recolher opiniões e orientar, de forma metodológica, as lideranças, sobre a melhor postura que um cidadão, militante ou não de uma força política-partidária, deve observar, durante o período da realização das eleições, previstas para este ano.

O encontro, inicialmente previsto para a última terça-feira, vai servir também como pilar orientador, para que os partidos políticos olhem as eleições como uma festa da democracia, em conformidade com a Constituição da República de Angola.

Defendeu a promoção de uma cultura de respeito, na base da cidadania e do patriotismo, sendo que os líderes partidários assumem um relevante papel nesse propósito.

PETRÓLEO, AGRICULTURA E MINÉRIO SUSTENTAM ANGOLA EM 2022

Previsão é do economista-chefe do Banco Fomento Angola, que aponta para crescimento económico entre os 3% e os 4%. José Miguel Cerdeira acredita que eleições não devem trazer uma derrapagem orçamental significativa.

O economista-chefe do Banco Fomento Angola (BFA) considera que o petróleo, a agricultura e os minérios serão os motores que vão sustentar o crescimento de Angola este ano. "Em 2022 haverá essencialmente três motores a puxar pela economia angolana, apesar das fragilidades existentes, devido ao impacto dainflação na queda do poder de compra das famílias, nestes anos de recessão até 2020", afirma José Miguel Cerdeira.

Em entrevista à agência de notícias Lusa, este sábado (22.01), para perspetivar a evolução da economia de Angola, o economista que lidera o Gabinete de Estudos Económicos do BFA disse que a estimativa do banco aponta "para um crescimento em 2022 entre os 3% e os 4%, no global, sendo mais forte do lado não petrolífero, e menos forte do lado petrolífero".

O aumento dos preços do petróleo que se verifica no início deste ano, consistentemente acima dos 80 dólares por barril, origina "mais divisas, e mais folga nas contas do Estado", o que, pela via cambial, potencia "um Kwanza mais forte, estável, com confiança para investidores e consumidores e aumento do poder de compra".

Para além do petróleo, o BFA estima que outros dois setores vão continuar a sustentar o crescimento da economia não petrolífera: "a agricultura, em que há crescimento homólogo já há 10 trimestres consecutivos, e começa a observar-se muitos investimentos e maior crédito, e o sector mineiro, onde vemos alguns novos investimentos também fora do setor dos diamantes".

Angola | A MAKA DO HOLOFOTE

Artur Queiroz*, Luanda

O ministro João Melo publicou na passada segunda-feira, no jornal português Diário de Notícias, um trabalho jornalístico de grande rigor e alcance, uma peça literária indispensável à felicidade das angolanas e angolanos, inclusive quem não está a receber as mordomias da Assembleia Nacional, onde o autor teve assento 15 anos ao longo dos quais produziu muita e proveitosa legislação.

O trabalho de grande fôlego foi publicado num dos títulos do patrão da extrema-direita mediática, o senhor Galinha. Em troca ofereceram ao Jornal de Angola um estudo do padre Anselmo Borges a perguntar e se Deus não existisse? Malandrice. Porque a questão não é se existe ou deixa de existir. O problema é se frequentamos ou não religiões. Quem frequenta, acredita. Quem consegue libertar-se da ditadura dos deuses, não acredita. 

Depois há os que não frequentam essas coisas. Para esses, não existe nem deixa de existir. Tanto papel gasto para nada. O senhor padre até invoca Brecht, poeta e dramaturgo, que qualifica de marxista. Lá está, fala de uma fatia da Humanidade que tem os seus deuses: Marx, Lenine, Mao Tse Tung e derivados, como Trotsky ou Estaline. Uma constelação de deuses que manda fama. Não frequento. Nem Deus nem Família nem Autoridade. E desta casta somos muitos. Qualquer dia acabamos com o poder e seus instrumentos, para todo o sempre.

O ministro João Melo intitulou o seu notabilíssimo texto de “África – o ano de todas as eleições”. Um portento. Uma argúcia que nem Jacques dos Santos, no seu melhor de motorista do RI20, era capaz. O bêbado da valeta e agente de Adalberto da Costa Júnior, Reginaldo Silva, nunca na vida era capaz desta performance. Feliz o povo que tal ministro tem.

PRIMEIRO CENSO POPULACIONAL EM ANGOLA

Agentes Censitários Definiram com Rigor a População de Luanda

Francisco Lopes Roseira descobriu o documento do século XIX no Arquivo Municipal

Artur Queiroz*, Luanda

O primeiro censo populacional realizado em Angola tem este título pitoresco: “Mapa de Toda a População da Cidade de São Paulo da Assunção e de Suas Diferentes Corporações, Empregos, Estados e Condições das Pessoas em Todo o Ano de 1832, até Janeiro de 1833 Respeito ao Estado da Mesma População, suas Diferenças para Mais ou para Menos, como Indica a Observação Abaixo Mencionada para Mais Abreviatura do Presente Mapa”. Esta preciosidade foi descoberta no “Arquivo Municipal” da capital, por Francisco Lopes Roseira, um dos maiores intelectuais do seu tempo.

O documento permite analisar a cidade de Luanda (único objecto do inquérito censitário) na vertente social e económica, com grande nitidez e profusão de elementos, fundamentais para a compreensão da época.

Angola veio a ter outro censo, mas este geral, 108 anos depois, em 1940. O primeiro, descoberto por Lopes Roseira no Arquivo Municipal, discrimina a população luandense pelas corporações (eclesiástica, militar e civil) e ofícios. 

No primeiro censo feito em Luanda cada corporação é apresentada pelas ordens religiosas, unidades militares e serviços civis. A população é descrita por raças, condição social (escravos e cidadãos livres), estado civil e ofícios. Inclui uma informação fundamental: o movimento demográfico.

O “Mapa de Toda a População da Cidade de São Paulo da Assunção” não é assinado e não há qualquer referência à entidade que o encomendou. Muito menos aos técnicos que fizeram o trabalho de recolha e leitura dos dados. O Senado da Câmara, o Governo-Geral ou e a Igreja podem estar, isoladamente, na realização do censo. Ou as três instituições em conjunto. 

O documento revela um aspecto interessante. Algumas páginas têm colados quadrados com dados importantes por cima das páginas originais. O que leva a crer que foram detectados erros e essa foi a forma de fazer as correcções. 

O “mapa” é anónimo, mas esse facto não lhe retira a importância. Lopes Roseira, numa conferência no Rotary Clube de Luanda, em 20 de Dezembro de 1966, disse que “quem pretender, com profundidade, estudar a evolução da população de Luanda, não pode desprezar tão preciosa fonte de informação, por ser, em relação à época, completa e única no género”.

GUINÉ-BISSAU RUMA AO “DESCALABRO” COM ENSINO “DESMEMBRADO”

Problemas persistentes no sistema de ensino continuam a preocupar várias entidades. Nas escolas públicas, os professores estão em "greve silenciosa", apesar da trégua dos sindicatos, e as aulas funcionam a meio gás.

A situação caótica do setor do ensino da Guiné-Bissau é reconhecida por quase todos os intervenientes na área. O funcionamento regular das aulas nas escolas públicas tem sido um problema, principalmente na capital do país.

Sabino Victor Lotche, pai e encarregado de educação, não tem dúvidas: "É necessário que haja a intervenção do próprio Governo para fazer face aos problemas candentes que continuam a persistir no nosso ensino".

Embora os sindicatos tenham dado uma trégua ao Governo neste mês de janeiro, suspendendo a greve geral que decorreu durante todo o ano passado, as aulas continuam a meio gás, três meses depois do início do ano letivo 2021/2022.

O professor Djibril Cassamá aponta uma das razões dessa "greve silenciosa": "Tem a ver com a própria forma que o Governo adotou para resolver o problema da educação, o desconto [dos salários], a intimidação à classe dos professores moveram os professores a fingirem dar aulas, em vez de trabalhar como deve ser".

Bissau | Associação guineense denuncia abusos contra pessoas com deficiência

Organizações de defesa das pessoas com deficiência denunciam "graves" violações dos direitos dos seus associados. Governo diz que está ciente da situação e garante estar a preparar métodos para combater os abusos.

A violação dos direitos das pessoas com deficiência continua na Guiné-Bissau, na ausência de políticas públicas e de legislação para combater os abusos. Os relatos apontam para maus comportamentos oriundos da sociedade, mas por vezes também das próprias famílias das vítimas.

Lázaro Barbosa, presidente da Federação das Associações de Defesa e Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (FADPD-GB), contou à DW África um dos casos mais frequentes, " as pessoas encontram um deficiente na rua e começam a dar-lhe algo para a poderem violar".

"As pessoas envolvem-se com mulheres com deficiência. Quando ficam grávidas abandonam-nas porque não querem ter mulheres com deficiência, fogem da responsabilidade de ser pai daquela criança e é a pessoa com a deficiência, com os seus familiares, que ficam com a criança", explica o presidente.

A denúncia é do conhecimento das autoridades. Paula Saad, diretora-geral da Inclusão Social, do Ministério da Mulher, Família e Solidariedade Social, diz que "como governo, a nossa preocupação é trabalhar numa legislação que não existe".

EUA dizem que 'querem paz, não guerra' ao armar a Ucrânia até aos dentes

# Publicado em português do Brasil

Finian Cunningham* | Strategic Culture Foundation

Washington decidiu intensificar a pressão pela guerra contra a Rússia usando a Ucrânia como representante – e usando uma narrativa distorcida sobre a agressão e invasão russa.

O secretário de Estado americano Antony Blinken está viajando pela Europa esta semana prometendo que Washington “desesperadamente quer paz, não guerra” com a Rússia.  Esse sentimento melindroso ocorre em meio a relatos de suprimentos adicionais de armas americanas e britânicas indo para o regime de Kiev, apoiado pela OTAN.

A Ucrânia já foi massivamente armada pelos Estados Unidos desde que o golpe de Estado apoiado pela CIA em Kiev em 2014 levou ao poder um regime neonazista obcecado em antagonizar a Rússia. O governo Biden aumentou os estoques de mísseis antitanque e outras armas letais com planos para novos aumentos. Agora emerge que suprimentos adicionais estão a caminho de ambos os EUA ea Grã-Bretanha. A Grã-Bretanha deve enviar armas antitanque para a Ucrânia junto com “assessores militares”.

Moscou condenou nesta semana o aumento do fluxo de armas para a Ucrânia, dizendo que está alimentando de forma imprudente tensões já carregadas. O novo fornecimento de mísseis antiblindagem dos EUA e da Grã-Bretanha – relatado apenas alguns dias após as negociações de alto nível sobre segurança regional entre autoridades russas e da OTAN na semana passada – parece ser mais uma prova de que as potências ocidentais estão pressionando secretamente por guerra com a Rússia apesar da retórica apelar a uma solução diplomática.

OTAN não desistirá da presença de forças no Leste Europeu -- porta-voz da aliança

# Publicado em português do Brasil

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) não pretende abandonar sua presença militar na porção oriental da Europa, disse a porta-voz da organização, Oana Lungescu, à Sputnik.

A declaração vem em meio às tensões na fronteira entre Rússia e Ucrânia, com envolvimento de questões relacionadas à OTAN. Mais cedo, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia afirmou que as propostas de Moscou para garantias de segurança na região incluem a retirada das forças da OTAN da Bulgária e da Romênia. Os países foram incorporados à aliança depois de 1997.

"A OTAN não renunciará à nossa capacidade de proteger e defender uns aos outros, inclusive com a presença de tropas na parte leste da aliança", disse Lungescu.

Esferas de Influência, Soberania do Estado e a Crise dos Mísseis na Europa

# Publicado em português do Brasil 

Andrew Korybko* | One Word

À primeira vista, observadores casuais podem ser perdoados por pensar que os pedidos de garantia de segurança da Rússia de fato equivalem a uma esfera de influência não declarada que está ocorrendo às custas da soberania dos países da Europa Central e Oriental, mas esse não é o caso se tomarmos o tempo para pensar mais profundamente sobre isso.

A não declarada crise de mísseis provocada pelos EUA na Europa que levou às propostas de garantia de segurança da Rússia (que não são “ ultimatos ” como alguns na mídia alternativa e convencional as descreveram falsamente) levou a discussões sobre esferas de influência e soberania estatal. Estes têm sido falados principalmente da perspectiva ocidental de acusar a Rússia de querer “recriar a União Soviética” às custas dos interesses dos países da Europa Central e Oriental (CEE). Moscou, é claro, negou essas alegações e, com razão, lembrou ao mundo que é o Ocidente liderado pelos EUA que está criando esferas de influência em todo o mundo de maneiras que infringem a soberania de seus alvos.

Mesmo assim, é importante abordar esses tópicos do ponto de vista russo no contexto das propostas de garantia de segurança de Moscou, já que a Grande Potência da Eurásia está solicitando que a OTAN interrompa formalmente sua expansão para o leste, concorde em não implantar armas de ataque perto das fronteiras da Rússia e recue seus infra-estrutura militar para o status quo pré-1997 antes dos membros do antigo Pacto de Varsóvia aderirem à aliança liderada pelos EUA. Na superfície, observadores casuais podem ser perdoados por pensar que esses pedidos de fato equivalem a uma esfera de influência não declarada que está ocorrendo às custas da soberania dos países da UE, mas esse não é o caso se alguém dedicar um tempo para pensar mais profundamente sobre isso.

A EUROPA E A GUERRA DA UCRÂNIA

Boaventura de Sousa Santos* | Diário de Notícias | opinião

Os exigentes desafios que o mundo enfrenta neste momento - da crise climática à pandemia, do agravamento da Guerra Fria ao perigo de uma confrontação nuclear, do aumento das violações dos direitos humanos ao crescimento exponencial do número de refugiados e de pessoas com fome - exigem mais do que nunca uma intervenção ativa do ONU, cujo mandato inclui a manutenção da paz e da segurança coletivas e a defesa e promoção dos direitos humanos. Entre muitas áreas de intervenção em que a ONU pode intervir, uma das mais importantes é a da paz e segurança, e respeita concretamente ao agravamento da Guerra Fria. Iniciada por Donald Trump e prosseguida com entusiasmo por Joe Biden, está em curso uma nova Guerra Fria que tem aparentemente dois alvos, a China e a Rússia, e duas frentes, Taiwan e Ucrânia. À partida, parece insensato que uma potência em declínio, como são os EUA, se envolva numa confrontação em duas frentes simultaneamente. Para mais, ao contrário do que se passou com a Guerra Fria anterior, visando a União Soviética, a China é uma potência de grande poder económico e um importante credor da dívida pública dos EUA. Está a ponto de ultrapassar os EUA como a maior economia mundial e, segundo a National Science Foundation dos EUA, teve pela primeira vez em 2018 uma produção científica superior à dos EUA. Acresce que a lógica aconselharia os EUA a ter a Rússia como aliada e não como inimiga, não só para a separar da China, como para acautelar as necessidades energéticas e geoestratégicas da sua aliada histórica, a Europa. A mesma lógica aconselharia a UE a ter presente as relações históricas e económicas da Europa central com a Rússia (até à Ostpolitik de Willy Brandt).

Portugal | A PORTA

Gustavo Carneiro*

Uma das linhas de campanha do PS, apoiada por largos sectores da comunicação social, é de que a convocação de eleições antecipadas “abriu a porta à direita”. Nem será necessário apontar quem provocou essa situação: o PR e o próprio PS. Mas o essencial é outra coisa, é que não se combate a direita alinhando com ela em questões essenciais, que a definem, da mesma forma que não se trava a extrema-direita cedendo à sua agenda, ou levando a cabo políticas que geram as injustiças e desigualdades de que se alimenta.

Desde o debate do Orçamento do Estado, e à medida que ia ficando claro que a proposta do Governo seria chumbada, intensificou-se a dramatização em torno do regresso da direita ao poder e do crescimento da extrema-direita. Segundo esta lógica, abraçada pelo PS e por sectores políticos, económicos e mediáticos diversos (muitos dos quais insuspeitos de qualquer antipatia por essa mesma direita, mais ou menos extrema), ao não aprovar o Orçamento, qualquer que ele fosse, o PCP – e aparentemente só ele – estaria a abrir a porta à direita.

Acontece que este raciocínio, se assim o pudermos chamar, tem tantas falhas que até se torna difícil escolher por onde começar a desmontá-lo.

Portugal | ESCOLHAS À ESQUERDA

Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

Em 2015, ao quebrar-se o tabu do velho "arco da governação", ficou claro que se o Partido Socialista (PS) quiser governar à Esquerda pode perfeitamente fazê-lo.

Essa pecha da democracia foi ultrapassada pela convergência de posições de várias forças e atores políticos, tendo sido determinante a disponibilidade de António Costa, enquanto secretário-geral do PS. Foi um ato de alcance estratégico na nossa vida política e gerou excecional esperança por duas razões fundamentais: as propostas de política social e económica rompiam com os desastres da Direita; e largos segmentos da sociedade sentiram que não iam continuar abandonados.

Entretanto, o programa assumido foi-se mostrando demasiado minimalista nos planos sociolaboral e socioeconómico. Ainda na primeira legislatura, o BE e o PCP começaram a manifestar desconforto com a gestão de Orçamentos de Estado (OE) em que parte do que era negociado não era cumprido. Em 2019, os resultados eleitorais mostraram que a solução de 2015 merecia aprovação, mas foi o PS que mais beneficiou, passando a dispor de uma maioria relativa que trouxe sinais de autossuficiência e de menorização da negociação. Apesar de tudo, em vésperas do chumbo do OE para 2022, a solução de governação mais desejada pelos portugueses continuava a ser o entendimento das forças da Esquerda.

Portugal eleições | NÃO É POR AÍ QUE O ZÉ ALBINO VAI ÀS FILHOSES

Paulo Baldaia* | TSF | opinião

Rui Rio não gosta de sondagens, não acredita nelas, mas é humano e é muito provável que tenha ficado feliz ao tomar conhecimento da sondagem da Católica para a RTP e jornal Público. O líder do PSD está em crescendo e o do PS em queda, fazendo com que o resultado dos dois se aproxime. Só que sondagens assim, em campanhas com uma forte bipolarização, ajudam a criar uma dinâmica de voto útil que pode ainda não estar esgotada.

É verdade que à esquerda, a maioria parlamentar está esticada, com mínimos do PCP e do Bloco, do PAN e um potencial de crescimento do Livre que não dá para muito mais. Por pouco que António Costa tenha para crescer à esquerda, ainda assim, esta sondagem chega em boa hora, porque servirá para mobilizar um eleitorado crente na vitória mas pouco motivado. O medo da direita é uma boa cenoura para o que falta da campanha. Não é, portanto, pelas sondagens que o gato vai às filhoses. Com estudos de opinião a dizerem o que este diz pode bem António Costa.

Rui Rio pode ainda assim tentar capitalizar com esta aproximação, na busca do voto útil à direita, mas não pode valorizar a sondagem para não ser incoerente. Nem precisa, basta bater na tecla de que só com uma vitória do PSD é possível impedir que destas eleições saia novamente um governo do Partido Socialista. Entre os eleitores do Chega e da Iniciativa Liberal, Rio ainda tem muito para pescar. Terá arte e engenho? Se não se deslumbrar com as sondagens, se se mantiver genuíno, mesmo que às vezes pareça amador.

Estas eleições vão-se decidir pela capacidade que cada um dos campos tiver para mobilizar o seu eleitorado.

*Jornalista

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