Quando o novo secretário-geral do
PCP disse na televisão, em duas entrevistas diferentes, que atribui a culpa da
guerra na Ucrânia aos Estados Unidos, NATO, União Europeia e Rússia por, desde
2014, todos eles participarem na escalada de um conflito que ameaça a Humanidade,
pareceu-me usar de uma clareza cristalina.
Quando Paulo Raimundo sublinhou,
numa dessas entrevistas, que o povo ucraniano não teve responsabilidades numa
situação em que é a principal vítima, mas que acabou por ser usado pelas
potências como um instrumento de agudização de um conflito geopolítico,
pareceu-me ter demonstrado cabalmente como a posição crítica do PCP sobre a
guerra aponta para os poderosos deste mundo e não para os povos que eles
governam.
Quando, ainda, Paulo Raimundo
contou o número de dias (cerca de três mil, desde 2014) em que o PCP está a
denunciar publicamente como as potências envolvidas deitam gasolina para a
fogueira das tensões locais, pareceu-me estar a expor assertivamente a
hipocrisia dos que acham que a guerra na Ucrânia teve o ponto de partida no dia
24 de fevereiro de 2022, quando as tropas russas invadiram o país.
Finalmente, quando Paulo Raimundo
insistiu em definir como sendo a posição política mais correta sobre esta
guerra a procura de um caminho em direção à paz, coisa que não se vê os líderes
dos Estados Unidos, NATO, União Europeia e Rússia fazerem, pareceu-me que virou
o bico ao prego dos que acusam o PCP de ter uma posição moralmente
insustentável sobre esta matéria.
As declarações de Paulo Raimundo
acabam por mostrar que o que é moralmente condenável é haver tanta gente responsável
entre os mais poderosos do mundo (seguidos obedientemente por aparentes
vassalos desse poder) continuar a desumana impostura, ao fim de centenas de
milhares de mortos, de, em nome da paz, dos Direitos Humanos, da democracia e
da soberania ucraniana, exigir intensificar e prolongar a guerra, preferir
contar mais umas largas centenas de milhar de cadáveres, antes de trabalhar
seriamente para a pacificação do conflito.
Raimundo, na verdade, apresentou
de uma forma eficiente aquilo que, na essência, outros dirigentes comunistas
que foram passando pelas TV nos últimos meses já tinham dito, a começar pelo
anterior secretário-geral, Jerónimo de Sousa, e passando por João Ferreira,
João Oliveira, Bernardino Soares ou António Filipe.
Paulo Raimundo não descobriu,
portanto, os culpados da guerra, limitou-se a sintetizar aquilo que o partido
que o elegeu para líder no passado fim de semana há muito tempo tinha
descoberto e explicitado - e se o partido o elegeu sabendo o que ele ia dizer
sobre a guerra na Ucrânia é de supor que ou o partido está de acordo com o novo
secretário-geral, ou ele está de acordo com o que o partido pensa sobre guerra,
o que vai dar ao mesmo resultado.
O que Paulo Raimundo disse sobre
a guerra na Ucrânia vai ser ouvido por alguém?
Fora do PCP, no próprio dia em
que pela primeira vez Paulo Raimundo prestou estas declarações, vi comentadores
na televisão a acusá-lo de apoiar a Rússia - portanto, não o ouviram.
Dentro do PCP, espero que
qualquer confusão que pudesse ainda existir tenha ficado desfeita e se conclua
o seguinte: por muito que alguns procurem encobrir, a guerra na Ucrânia - uma
guerra que urge parar e que nunca deveria ter começado - é expressão da
escalada de confrontação dos EUA, da NATO, da União Europeia e da Rússia, em
que a Ucrânia é usada como instrumento da estratégia do imperialismo.
PS - Como militante do
Partido Comunista Português tive até agora três magníficos secretários-gerais:
Álvaro Cunhal, Carlos Carvalhas e Jerónimo de Sousa. O que conheci, desde a
década de 1990, sobre como foram feitas no PCP as várias passagens de
testemunho, mesmo em situações complicadíssimas e conflituais, resultaram em
repetidas lições de democracia em unidade, de dignidade política com eficácia,
de independência sem autismo, de firmeza com racionalidade. Jerónimo voltou a
proporcionar-me isso. Mas tenho muito mais a agradecer: 18 anos de liderança fantástica,
que me encheram de esperança e me reforçaram convicções. Humildemente, deixo
aqui o meu pequeno agradecimento ao meu camarada Jerónimo de Sousa, um grande,
um enorme secretário-geral do PCP.
*Jornalista