segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Angola | O CORPO INERTE E A BANDEIRA DA LIBERTAÇÃO


Artur Queiroz*, Luanda

“Hoje África é como um corpo inerte, onde cada abutre vem debicar o seu pedaço”. Estas palavras são de Agostinho Neto. Para acabar com o festim, o MPLA e seu líder assumiram a caça aos abutres do colonialismo português e seus mentores no topo dos quais se situava o estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA). Derrotados os ocupantes (esclavagistas e genocidas), proclamada a Independência Nacional a luta continuou até ao esmagamento do regime racista de Pretória, guardião dos interesses de todas as aves der rapina ocidentais, nomeadamente Reino Unido, França Alemanha e Estados Unidos da América.

A libertação só não veio mais cedo porque a serpente colonialista, esclavagista e genocida, pôs em Angola os ovos da traição. Surgiram organizações que em nome da luta pela liberdade, lutavam contra a independência. Nacionalismo ancorado em regionalismo e tribalismo abafou o patriotismo. Quase mataram a Pátria Angolana. O resultado da Grande Insurreição, em 15 de Março de 1961, é o exemplo mais gritante dessa realidade. 

Na linha entre o Bindo (Cuanza Norte) e o Quitexe (Uíge) estavam as principais roças de café do Norte de Angola, juntamente com o Vale do Loge. Foi nesta região que os guerreiros da UPA atacaram em força. Mas como não estavam imbuídos de um espírito patriótico, fracassaram rotundamente. Ficaram pelos massacres e foram massacrados. Politicamente a Grande Insurreição foi um fracasso. Desde então, a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) herdeira da UPA e da União dos Povos do Norte de Angola foi de derrota em derrota até à insignificância política e eleitoral. Procurem a resposta no “nacional”. 

A libertação do Norte de Angola só ficou concluída depois da Independência Nacional, no ano de 1978, 17 longos anos depois da Grande Insurreição. O nacionalismo é conservador, reaccionário e muito volúvel. Dá para todos os lados inclusive servir os abutres que debicam o seu pedaço no corpo inerte de África.

O MPLA não tem “N” na sua sigla. Os seus fundadores não caíram na armadilha do nacionalismo reaccionário e retrógrado, apesar do movimento ter congregado pequenas organizações nacionalistas que já existiam antes de 10 de Dezembro de 1956. Nasceu como Movimento Popular de Libertação de Angola. Cresceu e triunfou como libertador de África. E libertou a honra da Humanidade desse crime hediondo que foi o regime de apartheid de Pretória até à vitória das FAPLA na Batalha do Cuito Cuanavale, Triângulo do Tumpo. 

A direcção do MPLA decidiu abrir a Frente Leste após consolidar a guerrilha na Frente Norte. Esta decisão deu tal amplitude à luta armada de libertação nacional que o colonialismo pouco tempo mais podia resistir. Um povo que se levanta em armas do Maiombe ao Ninda só pode triunfar. Perguntem ao Comandante José Condesse de Carvalho (Toka) o que foi a Rota Agostinho Neto. Como foi possível, em dois anos, obrigar os colonialistas a despacharem para a Zona Militar Leste milhares de homens, inclusive Flechas da PIDE, tropas especiais (Lungué Bungo) e força aérea em Saurimo, Luena, Cangamba, Cazombo e Lumbala Nguimbo (Gago Coutinho).

Entre o Maiombe e o Ninda estava Luanda. As células clandestinas multiplicaram-se sobretudo entre a juventude estudantil. A guerrilha da Frente Leste estava a criar condições para levar a luta armada ao distrito de Malange e ao Planalto Central. À boleia do caminho-de-ferro era atingida a capital do Cuanza Norte, Ndalatando, e a capital de Angola! E sobretudo a frente para o mar no Lobito. A revolução ia chegar de comboio! 

Os abutres que debicam o seu pedaço no corpo inerte de África lançaram a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA). Mais nacionalismo reacionário e retrógrado atirado contra a revolução. Resultado: As forças revolucionárias não atingiram o planalto de Malange nem abriram a frente para o mar. Mas a luta do povo é invencível. E o MPLA triunfou. 

Onde está a UNITA? Os abutres mantêm aquele sinédrio de assassinos como ameaça permanente à paz, à unidade nacional e à democracia. Mas deram um passo maior que a perna e entraram naquela aventura da “frente patriótica unida”. Todos contra o MPLA. Perderam. E nesta fórmula nunca mais ganham. 

O problema é que o sistema ficou bloqueado e precisa de novos actores que obriguem o MPLA a auto superar-se, renovar-se, abrir novos caminhos e sobretudo criar perspectivas de futuro à juventude. Essa juventude que, há custa de sacrifícios sobre humanos, garantiu o triunfo na luta armada de libertação nacional e na guerra pela soberania nacional e a integridade territorial.

O sistema está bloqueado e essa circunstância acarreta grandes perigos. Em 2017, o partido ganhou as eleições mas à maioria absoluta eleitoral não correspondeu uma maioria social. Pelo contrário. Ficou claramente desenhada uma minoria na base social de apoio do partido. 

Em 2022 a situação piorou. Porque nos cinco anos anteriores o Executivo governou contra a base social de apoio urbana do MPLA. A rural foi ignorada. Loucura? Hoje sabemos que não. Estudantes, professores, técnicos de saúde, funcionários públicos, militares, agentes das forças de segurança foram simplesmente cilindrados. A maioria eleitoral ficou sem suporte social. 

O primeiro mandato do Presidente João Lourenço resume-se a uma palavra: Vingança! O segundo, passados pouco meses, revelou o porquê do esmagamento da base social de apoio do MPLA: Traição! 

Ante a indiferença dos deputados e da direcção do partido, o titular do Poder Executivo e Chefe de Estado rasgou o Manifesto Fundador do “amplo movimento”. Rasgou as páginas douradas da História que registam a luta armada de libertação, a guerra pela soberania nacional e a integridade territorial. Estão a ser demolidos todos os símbolos desse passado glorioso que dá sentido ao presente e serve de alicerce a um futuro de paz, justiça e democracia. 

O Presidente João Lourenço foi à cimeira da União Africana vestido com aquele fato de campeão da paz. Num momento em que sopram em África ventos fortíssimos contra os abutres que debicam o seu pedaço no continente. O presidente da Comissão da União Africana, Moussa Faki Mahamat, falou contra as sanções impostas ao Mali, Burkina Faso e Guiné Conacri: “Quero aproveitar esta ocasião para colocar claramente a questão das sanções impostas aos países com mudanças de Governo não-constitucionais. Estas sanções não produzem os resultados que pretendíamos, pelo contrário. Suscitam uma maior divergência com os Estados sancionados e estamos a sancionar especialmente as populações desses países e as suas economias”. Palavras contra os abutres!

O novo líder da União Africana, Presidente das Ilhas Comores, Azali Assoumani, no seu discurso inaugural exigiu “a anulação total da dívida externa africana”. João Lourenço quer aquartelar o M23 e outros rebeldes. Não percebe que esses estão ao serviço dos seus amigos de Washington e outros abutres que debicam o seu pedaço em África. Roubam os africanos e depois “emprestam” aos países do continente uma pequena parte do roubo. 

Se Agostinho Neto fosse vivo o seu discurso em Adis Abeba seria mais ou menos assim: Camaradas africanos, contem com Angola como trincheira firme da revolução em África. Fora os abutres! Abaixo o neocolonialismo. Apoiemos os patriotas da Guiné Conacri, Mali e Burkina Faso na sua luta contra os abutres!

O Presidente João Lourenço foi falar de paz na cimeira de um continente que vive sob ocupação dos abutres há 600 anos! Alguém tem de lhe explicar que o colonialismo e o imperialismo, tenham a forma que tiverem, são inimigos da paz. Imagine vossa excelência que durante a luta armada de libertação nacional os líderes africanos iam para a cimeira da OUA falar de paz. Isso seria beneficiar o infractor ocupante, esclavagista e genocida.

Paz sim. Mas ela só só é possível quando os abutres forem proibidos pelos povos libertados, de debicarem o corpo inerte de África. Esse corpo massacrado ao qual líderes como Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos deram vida, ajudando à sua a libertação. E alimentaram a esperança de liberdade e paz a todos os africanos.

Primeiro mandato do Presidente João Lourenço foi vingança. O segundo, pelo que se vê, é traição. O próximo líder do MPLA, em 2026, tem a gigantesca tarefa de conciliar o partido com a sua base social de apoio. Garantir que à próxima maioria eleitoral vai corresponder uma claríssima maioria social. Para isso tem de iniciar, em 2027 (a vitória está garantida se ainda existir a UNITA), uma governação marcada pelo Respeito. Respeito ao manifesto fundador do MPLA. Respeito pela História Contemporânea de Angola. Respeito pelos Heróis os de todas as guerras. Respeito pela Mãe Pátria. 

* Jornalista

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