Daniel Pinéu: “Deixámos literalmente de falar de paz, fomos normalizando que a guerra é normal e desejável"
Olá,
Lê-se e ouve-se sobre uma vitória da Ucrânia contra a invasão russa, mas pouco se reflete sobre o que significa, e principalmente como se chega a uma solução política que ponha fim a uma guerra que já causou milhares de mortos e milhões de refugiados. Não há uma estratégia para negociações e uma solução militar parece cada vez mais improvável. Entretanto, os números de civis mortos sobem todos os dias, ao mesmo tempo que se registam crimes de guerra e violações dos direitos humanos.
Entretanto, a Europa rearma-se, o militarismo político entranha-se socialmente e as retóricas radicalizam-se, transformando o conflito regional num combate entre civilizações e sistemas político-ideológicos: a NATO contra a Rússia. Além de isolar o espaço euro-atlântico do resto do mundo, onde grassa a indiferença sobre o conflito, é um discurso “perigoso a vários níveis: prolonga muito mais o conflito, torna-o mais intratável, torna a solução política menos provável, torna o tipo de concessões a serem feitas mais difíceis”, analisa em entrevista ao Setenta e Quatro Daniel Pinéu, professor de Relações Internacionais no Colégio Universitário de Amsterdão, na Holanda, e comentador na SIC.
O investigador está preocupado com a “crescente militarização do discurso em nome dos valores. Não porque não goste dos valores ou porque ache que não devam ser defendidos, mas porque vai justificando coisas cada vez mais problemáticas, sem termos um método claro de limitar até onde estamos dispostos a ir”. Mas também por se ter deixado de falar de paz, que a guerra se tenha normalizado e tornado até desejável. E quem tentou contestá-lo, foi alvo de duras críticas, até acusações: “A ideia de paz foi até muito associada a uma certa cobardia moral ou, pior do que isso, a uma traição pró-russa, isto do ponto de vista da autocensura e do unanimismo acrítico que isso acarreta”.
Falando sobre unanimismo, qual é o homem que nunca se confrontou com comentários depreciativos sobre mulheres por amigos e nada disse para não se chatear? Certamente que todos nós. É sobre masculinidade tóxica, como os homens têm de refletir sobre as suas identidades e comportamentos, que Luís Alves Vicente escreve nesta edição semanal. É um ensaio que convida à reflexão, ao desafio para sermos melhor, não apenas para quem nos rodeia, mas também para nós próprios.
Por fim, publicamos a crónica de Guilherme Trindade e, pelos Ladrões de Bicicletas, Vera Ferreira põe o dedo na ferida no que aos lucros milionários dos grandes supermercados diz respeito. A presidente da Sonae disse haver uma “campanha de desinformação” contra os hipermercados, mas a verdade é que os preços dos produtos alimentares não param de subir, mesmo quando a inflação abranda. E os baixos salários das famílias das classes trabalhadoras não esticam.
Bom fim de semana e boas leituras,
Ricardo Cabral Fernandes | Setenta e Quatro newsletter
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