quinta-feira, 13 de abril de 2023

Portugal | A TAP NÃO DEVE TER GESTÃO POLÍTICA?

Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião

Na comunicação, via Agência Lusa, que o primeiro-ministro português entendeu dever fazer sobre o caso TAP, na manhã de segunda-feira passada, lê-se que António Costa afirmou o seguinte: "Não confundo a natureza pública com gestão política. O acionista define orientações estratégicas e avalia a gestão na apreciação das contas. Não pode interferir na gestão corrente da empresa."

Eis uma afirmação de intenções governativas que a realidade e o debate político demonstram ser de aplicação impossível - e o caso da TAP explica claramente por que afirmo isto.

Se fizermos uma breve revisão a tudo o que sabemos até agora, a afirmação de António Costa implicaria que o governo não deveria ter qualquer intervenção na maioria das "broncas" com que todos temos sido confrontados.

Seria assim logo no primeiro e mais exemplar acontecimento mediático que espoletou todo o escândalo: a questão da indemnização de 500 mil euros que foi atribuída como pagamento para a rescisão da administradora Alexandra Reis nunca deveria ter, segundo esta afirmação de António Costa, uma apreciação política. Teria de se limitar a uma apreciação técnico-administrativa, de gestão corrente, de avaliação jurídica e pouco mais - o Estado teria de se portar como se fosse um acionista de uma empresa privada e não meter política no assunto.

Esta é, aliás, a tese geralmente também prevalecente nos partidos de direita quando falam sobre a gestão das empresas públicas - há, na verdade, uma defesa mais acirrada e frequente da autonomia da gestão do que da salvaguarda do interesse público dessa gestão.

A oposição à direita é, por isso, profundamente contraditória quando, ao mesmo tempo, no início deste escândalo, começou por culpar os ministros Pedro Nuno Santos e Fernando Medina por, aparentemente, nada saberem sobre a forma como a TAP estava a ser gerida.

Ora, foi precisamente por o governo apreciar a saída de Alexandra Reis apenas nos seus detalhes administrativos e jurídicos, foi por deixar os conflitos internos na TAP entre administradores resolverem-se por si próprios, foi por deixar evoluir o processo sem avaliação, intervenção e discussão política adequada que se chegou ao ponto a que chegámos: uma tensão política e social de dimensões desproporcionadas em relação à origem desse primeiro problema.

O "escândalo" TAP não teria acontecido se o poder político, o governo, tivesse apreciado politicamente a situação de Alexandra Reis e, em função do interesse público e da situação social do país, constatasse que teria de impedir a rescisão naqueles termos, apesar da vontade da administração da TAP e apesar dos pareceres jurídicos que a sustentavam. Ela, simplesmente, por razões políticas, não podia acontecer.

O que faltou na atual crise da TAP foi, precisamente, gestão política capaz - algo que, ao contrário do que diz António Costa, devia ser obrigatório em todas as empresas públicas, de forma a que o seu comportamento e atuação no dia a dia corresponda ao interesse político do país e permita a fiscalização política pelo país. É essa, aliás, a grande vantagem de uma gestão pública da TAP sobre uma gestão privada - no privado, de resto, estes escândalos financeiros ficam sempre escondidos ao abrigo do segredo empresarial, conforme agora se tem vindo a descobrir.

A própria gestão anterior a este caso na TAP demonstra como é tantas vezes necessário meter a política no dia a dia de uma empresa desse tipo.

Se não devia haver gestão política da TAP, por que é que se exigiu ao governo que fizesse pressão para garantir que a empresa anulasse uma compra cara de automóveis para administradores e diretores?

Se não devia haver gestão política da TAP, por que é que se exigiu ao governo uma intervenção para resolver conflitos laborais e ameaças de greve?

Se não devia haver gestão política da TAP, por que é que se exigiu uma intervenção de contenção salarial nos altos quadros da empresa?

O atual debate político do país está centrado na questão da TAP; está mesmo colocada a estranha hipótese de o Presidente da República vir a derrubar um governo de maioria absoluta por causa da TAP; está a TAP no topo da agenda mediática portuguesa à frente da guerra na Ucrânia, da inflação, dos preços da energia, dos aumentos salariais e das reformas, das lutas reivindicativas de professores, de profissionais da Saúde, nos transportes e em muitos outros locais de trabalho; prevalece a intriga palaciana entre São Bento e Belém, entre partidos, governo e Presidência e fica secundarizado o debate acerca das dificuldades gerais da população...

... Bem, talvez estejamos todos enganados e tudo isto faça parte, afinal, da gestão política da TAP, uma gestão política que nos desvia a atenção de muitos outros problemas, igualmente sérios.

*Jornalista

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