sábado, 3 de junho de 2023

Angola | CONVENCIDOS E DISTRAÍDOS – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Na minha juventude fez furor, uma canção com este refrão: O curioso é que estes tipos distraídos estão convencidos que são muito divertidos. Contínua actual. Organizações Não-Governamentais (ONG) angolanas exigiram que o MPLA manifeste a sua posição “sobre o que se está a passar no Tribunal Supremo de Angola". Os distraídos são OMUNGA, Friends of Angola (FOA), Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) e Mãos Livres (ML). 

Eu sou a distracção em pessoa e nada divertido mas informo esses tipos distraídos que nas democracias representativas a separação de poderes é uma marca distintiva. No dia em que o Poder Político se intrometa no Poder Judicial, Angola fica no bolso do estado terrorista mais perigoso do mundo. Por enquanto só temos que aturar os seus serventes nas ONG com uma agenda secreta ao serviço dos donos.

O curioso é que estes tipos distraídos estão convencidos que são muito divertidos. Numa típica posição de classe, quem vive nas bordas do Orçamento-Geral do Estado aplaude entusiasticamente o aumento do preço da gasolina na ordem dos 100 por cento. O dobro, para já. Um tal Bicudo, a quem João Lourenço entregou as privatizações, deu este argumento: “Não fazia sentido o Estado subsidiar quem anda de Lexus!” 

Este tipo distraído está convencido que é muito divertido. O condutor do Lexus paga mais taxas e impostos. É aí que se faz justiça. Pelos vistos é justo um camarada que faz processo com o seu Toyota rabo de pato pagar pelo litro de gasolina o mesmo que paga o Bicudo ou um qualquer deputado. É a justiça dos comilões que nem sobras deixam. Mas são muito divertidos.

A República Popular da China estava a despertar e espreguiçava-se na Zona Económica Especial de Shenzhen, ponto de partida para a política Um Estado (comunista) Dois Sistemas (socialista e capitalista). Fui ver como era. Parti de Guangzhou até Pequim (mais de 2.000 quilómetros) por terra, pernoitando em vilas e aldeias, para tirar a temperatura à China profunda. Foi aí que vi três porcos a andar de bicicleta, um amarrado no guiador, outro no quadro e o terceiro numa plataforma por trás do selim. Comi toneladas de melancia e numa cidadezinha cujo nome esqueci, vi uma menina com vestido cor-de-rosa, trancinhas, tocar piano no “hall” do hotel. Interpretava Sergei Rachmaninoff.  

Na capital da República Popular da China fui assessorado por um antigo colega de faculdade em Paris. Levou-me à ópera, ensinou-me o vocabulário básico para me fazer entender nos bares e por fim deu-me a lição magistral: “Aqui o poder está nas mãos da Comissão Militar Central. O resto é paisagem. Uma espécie de ópera chinesa onde todos são actores de primeira, representando os papéis que o Partido Comunista lhes destina. Mas poder, poder de verdade, é a Comissão Militar Central.

O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, dirigiu à República Popular da China um discurso ameaçador e belicista, em Singapura. Sendo um tipo distraído e nada divertido, não me passou despercebida a ameaça. Pensei que o estado terrorista mais perigoso do mundo anda a pisar os riscos todos, dos quais não pode sequer aproximar-se de mãos vazias, quanto mais armado. Ainda não tinha esfregado os olhos e eis que um canal de televisão me mostra o General Jing Jianfeng, presidente da Comissão Militar Central, respondendo à letra ao volumoso secretário. 

O ocidente alargado, ressabiado por ter perdido todas as fontes de latrocínio (esclavagismo e colonialismo com ou sem roupa nova), empurra à força toda a Humanidade para a III Guerra Mundial, prelúdio da quarta que vai ser feita com paus e pedras, o mais avançado que fica do holocausto nuclear. O curioso é que estes tipos estão convencidos que são muito divertidos.

Angola tem carradas de sociólogos (desde logo o deputado Paulo de Carvalho, oposicionista na bancada do MPLA) mas até agora ninguém fez um estudo sério sobre a maquineta da economia informal. Luanda tem mais de dez milhões de habitantes. Servindo-me do olhar que lanço sobre a cidade concluo que mais de 90 por cento da população exerce actividades informais. Uns apenas com os seus braços (a maioria) outros com meios de produção adaptados, como carrinhos de mão por eles fabricados, caixas isotérmicas, bacias de plástico (banheiras), motorizadas, triciclos e automóveis de todas as idades e feitios. 

As ruas são seus espaços comerciais. O chão serve de balcão. Está mal. Mas enquanto não houver melhor, dá para roer o pão amassado por uma legião de diabos. A gasolina aumentou 100 por cento. Posso afirmar sem medo de errar que milhares de luandenses vão perder o pão nosso de cada dia. Porque não têm qualquer licença. Alguém organizou programas para absorver esses deserdados? Se há estudos ou programas, ninguém os conhece.

Vender produtos alimentares nas ruas, sem as mínimas condições de higiene, é péssimo. Mas milhares de famílias sobrevivem com o que ganham nessa actividade. Há um programa oficial para acabar com a zunga nas ruas. Já sabem o que vão oferecer a essas mulheres e jovens que fazem de Luanda as sua grande superfície, o seu centro comercial? Não conheço. Provavelmente porque sou um tipo distraído ainda que nada divertido. 

Um colega com quem não falava há muito tempo disse-me que está reformado. É um miúdo com 60 anos. Mas o que é isto? Um jornalista sénior vai para casa quando pode estar na Redacção passando o seu saber fazer aos jovens? As e os jornalistas angolanos não podem reformar-se. É preciso fazer contratos especiais com eles, que garantam a sua presença nas Redacções custe o que custar. Isso de reforma é para o ocidente alargado, sobretudo EUA e União Europeia. Quando um já está a cair de podre há um milhão para o seu lugar. 

Em Angola, jornalistas seniores capazes, competentes, sabedores, pelas minhas contas temos entre 80 e 100 na Imprensa. Na Rádio nem isso. E na Televisão não sei. Quando estiverem cansados, recebem o triplo do salário, todas as mordomias dos deputados e ficam nas Redacções só a transmitir a sua experiência acumulada. Quem não perceber isto pode ser muito divertido mas está errado.

O Jornalismo aprende-se na luta diária das Redacções. Os mestres são aquelas e aqueles que têm anos e anos de combates. São as e os profissionais formados na velha escola da notícia, dia a dia, hora a hora. Na Rádio é segundo a segundo. Tenham piedade de mim. Não matem o Jornalismo Angolano, nascido em 1845, há 178 anos. A Imprensa nasceu em Luanda e São Salvador (Banza Congo) no Século XV, há mais de 500 anos. Sejamos dignos da História.

*Jornalista

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