Artur Queiroz*, Luanda
O Presidente João Lourenço aprovou e mandou publicar o Decreto número 69/21 de 16 de Março, que dava dez por cento de comissões a quem acusasse, julgasse, condenasse e “recuperasse activos”. A Ordem dos Advogados de Angola pediu ao Tribunal Constitucional a “fiscalização abstrata sucessiva” do diploma nestes termos: "Ao atribuir aos Tribunais o direito à comparticipação pelos ativos financeiros e não financeiros, por si recuperados, ficam, desde logo, maculados os princípios da isenção e da independência dos juízes e dos Tribunais, bem como o direito fundamental a julgamento justo e conforme à Lei".
Mais grave do que isto é impossível. Mas o Presidente da República ignorou a diligência da Ordem dos Advogados. Os seus assessores permitiram ou aconselharam-no a cometer um atentado contra o Estado de Direito e Democrático. A direcção do MPLA seguiu o mesmo caminho. Uma posição incompreensível porque tem ao dispor o Comité de Juristas onde estão os mais competentes e reputados advogados. O Decreto Presidencial andou à solta mais de dois anos e meio dando cobertura a arbitrariedades, abusos e injustiças!
Até que do plenário dos juízes do Tribunal Constitucional saiu o Acórdão número 845/2023 que considera o Decreto Presidencial celerado, ferido de “inconstitucionalidade orgânica e formal das normas”. Mas também declara “a inconstitucionalidade material por violação de artigos da Constituição da República de Angola”.
Durante dois anos e meio, esse monstro jurídico esmagou a credibilidade da Justiça. Rebentou com a honra da Magistratura Judicial. Demoliu o Estado de Direito. Esmagou o regime democrático. Fingir que o Decreto Presidencial 69/21 nunca existiu é ainda mais errado do que ter permitido que existisse durante quase três anos. É ignorar que morreram todos os processos no âmbito da “recuperação de activos”. Os seus resultados foram produzidos em cima da “inconstitucionalidade orgânica e formal das normas” desse Decreto Presidencial celerado. Ferido de inconstitucionalidade material, por violar vários artigos da Lei Fundamental. Pior do que isto é impossível.
Este fim-de-semana os dirigentes do MPLA, ante tal gravidade que afecta o Estado Angolano e fez tantas vítimas, algumas são militantes e dirigentes do próprio partido, tinham o dever de discutir esta questão. Mas também deviam analisar um parecer do Grupo de Trabalho do Conselho de Direitos Humanos da ONU que considera arbitrária a prisão de Carlos São Vicente. E ilegal o seu julgamento. A vítima tem um a relação com o MPLA desde a adolescência. Trabalhou muito para o MPLA. Ninguém questiona por estar arbitrariamente preso. Por ter sido julgado e condenado no âmbito de um Decreto Presidencial que é inconstitucional!
Os dirigentes do MPLA podiam dedicar uns minutos a discutir o Acórdão do Tribunal Constitucional que matou a sentença condenatória no “Processo dos 500 Milhões”. O arguido José Filomeno dos Santos esteve preso numa cela. Está em prisão domiciliária. Os outros arguidos estão nas mesmas condições. Afinal não há crimes. A sentença resulta de gravíssimos atropelos. Ilegalidades. Violações da Constituição da República.
A Grande Família do MPLA agora só acolhe os proxys do chefe Miala e a corte do rei D. Lourenço. Em 100 membros do Bureau Político e centenas do Comité Central nem um manifestou a sua indignação, pela afronta que fizeram ai Presidente Emérito José Eduardo dos Santos. Daqui lhes peço um imenso favor: Imaginem que os vossos filhos são vítimas de prisões arbitrárias. Julgados e condenados com base em violações da Constituição da República. E que após o Tribunal Constitucional ou o Conselho de Direitos Humanos da ONU declararem as prisões arbitrárias e os julgamentos ilegais, continuam presos.
Imaginem que os carcereiros e carrascos, em vez de reconhecerem os erros e abusos cometidos sobre os vossos filhos ou vós próprios, mobilizam proxys do chefe Miala para castigarem ainda mais os injustiçados. E entre um olhar elogioso sobre as redes de água e energia, o líder do MPLA também elogia os carrascos.
Entre Dezembro de 1956 e 21 de Abril de 2024 o MPLA conquistou um estatuto único. Sem o partido, Angola é ingovernável. Chegou a este ponto por mérito dos seus dirigentes e militantes. Se os grandes problemas de Angola continuarem a ser encarados com leviandade ou simplesmente ignorados pela actual direcção do MPLA, o país fica em perigo existencial. Se esse é o objectivo, estão no bom caminho.
Chua Qinling, intelectual chinês, escreveu um texto notável onde defende que o maior inimigo dos EUA é a Paz. Quando no mundo acabarem as guerras, milhões de norte-americanos ficam sem emprego, desde as indústrias bélicas aos Media. Os seus proxys em todo o planeta vão ficar famintos. Para manter o império da barbárie, Washington tem de matar, todos os dias, numa qualquer guerra por procuração ou directa.
Quando redigi o texto base da
Acusação contra os mercenários no Tribunal Popular, em 1976, insisti num ponto:
Faltam bancos neste Tribunal para outros réus, os mandantes e pagantes dos que
aqui estão sentados, a ser julgados. O estado terrorista mais perigoso do mundo
vive da guerra e da morte. Matou
Os negócios da guerra e da morte
continuam
Em Rafah mataram ontem mais seis crianças. Bombardearam uma base militar no Irão. Outra base foi destruída a sul de Bagdade. O ocidente alargado condena o ataque do Irão a Israel. Aplaude os ataques dos nazis de Telavive. Apoia o assassinato de crianças. A destruição dos campos de refugiados. Faz parte do negócio. Os países BRICS prometem uma nova ordem mundial. Mas até lá, a Paz continua a ser a grande inimiga do estado terrorista mais perigoso do mundo. O império vai acabar e tudo bem espremido, só deixa de herança fitas de cinema e pipocas. Em nome da guerra, morte à Paz e à Liberdade!
O Proxy Aguinaldo Jaime já conseguiu destruir a UNITEL. A culpa é de Isabel dos Santos que, antes de ser engenheira e empresária de sucesso, foi pioneira do MPLA. Quem a mandou? Agora aguenta. Está muito difícil ser do partido de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos.
* Jornalista
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