Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião
O aproveitamento demagógico dos problemas da imigração tem sido uma carta aberta à inscrição de algumas das piores e mais trágicas expressões da natureza humana na última década. Maioritariamente provenientes de África, América Latina ou Ásia, os movimentos migratórios para a Europa e EUA continuam a inundar o debate e, perante os fenómenos populistas e de fácil retórica, elegeram inadvertidamente as conversas às mesas de café como um modelo de fazer política e acrescentar peso eleitoral gratuito. Dizer o que se pensa em surdina, mesmo que a surdez seja proveniente de quem não quer perceber pelo olhar.
São já demasiados os casos em que responsáveis políticos, deputados inclusive, escolhem o caminho grotesco do racismo e xenofobia perante algo que possa ter o dedo de um imigrante. Semear a desconfiança. Não dos do Norte da Europa, certamente. Não dos de pele branca como muitos há. O racismo político escolhe os seus alvos pela cor da pele e coloca a tónica não no ataque racista mas no problema que, aparentemente, quer resolver pela violência da mentira. Desloca o foco da vítima e coloca-a como a causa do problema. Esta é uma violência doméstica portuguesa, a crescer todos os dias pelo contínuo branqueamento e conivência para com a dita liberdade de expressão, aquela em que se descreve o crime sem o pronunciar ou pagar por ele.
Com o nosso passado histórico enquanto país, tudo isto acrescenta camadas de grotesco. Não tivéssemos nós, europeus, emigrado a partir do século XV para todos os outros continentes à procura de riqueza e de melhores condições de vida, e o crime de ódio perpetrado contra cidadãos magrebinos no Porto, em sua casa e na via pública, continuaria a ser um exemplo implacável do sentimento irracional que cresce na sociedade portuguesa por ver como imigrantes fazem o trabalho que ninguém quer fazer.
Nos campos, nas fábricas, nas
ruas. Talvez muitos não lhes agradeçam ou os reconheçam quando recebem comida
O autor escreve segundo a antiga ortografia
* Músico e jurista
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