Artur Queiroz*, Luanda
O deputado da UNITA Justino Pinto de Andrade contou uma estória enternecedora dos tempos em que era do MPLA na clandestinidade. Adoro curvas e contra curvas, voltas e revoltas em vez de ir directo aso assunto. Divagar é a forma mais divertida de atingir o âmago da arte literária. Quem leu a narrativa original, leu, Quem não leu, faço um resumo. A célula clandestina do actual deputado do Galo Negro (as voltas que a vida dá!) resolveu fornecer fardas aos guerrilheiros da I Região Política e Militar do MPLA. Aí resolveram criar uma fábrica de confecções, nos subterrâneos de uma serração.
Um militante abnegado foi a Malanje comprar kamanga para financiar o projecto. Voltou e disse: Missão cumprida. Já existia kumbu para montar a serração e a fábrica de confecções. Lá em cima as máquinas transformavam em tábuas, troncos de moreira, muguba e takula. No subterrâneo as senhoras davam ao pedal nas máquinas de costura confeccionando fardas. Naquele tempo a maquinaria era Singer, Oliva, Necchi e Pfaff. As fardas nunca chegaram ao destino mas o que conta é a intenção.
Se o deputado da UNITA Justino Pinto de Andrade e seus camaradas fossem directos ao assunto, pegavam no kumbu da kamanga e iam ao armazém das Gajajeiras comprar balões de roupa usada, conhecidos por “fardos” e no mundo da moda, fardex. Eu tive um casaco branco, de linho, fardex. Vestia-o com uma camisa com colarinhos largos, à italiana. E umas calças de terylene. Tudo fardex. Quando entrava, à pato, numa farra a malta gritava: Marino Marini! E eu arrancava: Nel blu dipinto di blu. As voltas que eles deram! Toneladas de roupa fina ali na Estrada da Cuca e eles foram comprar kamanga a Cafunfo. Para fazer fardas! A serração era boa ideia. Podiam abrir uma linha para serrar cornos.
Eu também gosto de tergiversar. Quando recebíamos o salário, sentávamo-nos na esplanada Portugália, debaixo da grande mulemba e bebíamos baldes de cerveja. Os clientes podiam servir-se das instalações sanitária na Versailles ou no restaurante. Mas como aquilo era para brancos finos, ia até ao largo dos Correios, apanhava o machimbombo da linha 10 e descia na igreja de Nossa Senhora do Cabo. Perguntava à primeira quitandeira: Manãzinha faz favor, onde se mija aqui? Na parede, mano! Mas não queria expor-me.
Regressava, apanhava o machimbombo para o Palácio. Estava lá sempre um polícia. Senhor guarda, onde se vertem águas? Onde quiser, menos em cima de mim. Eu apertadíssimo depois de umas litradas de cerveja. Não me exponho! Desci a pé até ao Nacional. Comprei bilhete e na esplanada perguntei: Onde se urina? Primeira porta à esquerda. Lá fui. Ouvia a banda sonora do filme. Os índios ululavam, o tropel dos cavalos e de repente bang! Bang! Bang! Que maravilha. Esvaziei uns 20 livros e voltei à esplanada da Portugália. Aí o Pedro Jara perguntou: Onde andaste este tempo todo ó matumbo do Luinga?
Contei a odisseia e ele, enfadado cuspiu: Tens dois WC aqui à mão e andaste às voltas! Matumbo. As coisas fáceis e lineares nunca dão literatura e muito menos crónica. Voltando à I Região. O deputado da UNITA já aprendeu a ladainha. Referindo o Juca Valentim, afirmou: Foi assassinado pelo MPLA. Falam de todos, menos do Comandante César Augusto (Kiluanji) que era o responsável máximo. Mas como não alinhou nas aldrabices do 27 de Maio estes falsários de trazer por casa, ignoram-no. Um revisor que se faz passar por jornalista até foi aos Dembos entrevistar Nito Alves mas esqueceu-se de entrevistar o comandante das forças guerrilheiras.
Depois da Operação Nova Luz, pelas tropas portuguesas, por terra e pelo ar, os guerrilheiros do MPLA retiraram para áreas impenetráveis das matas. As operações acabaram. Tudo faltava, armas, munições, roupa, medicamentos, comida. Foi nesta altura que Nito Alves entrou no MPLA e na luta armada! Já não existia guerrilha. A UNITA em final de 1974 também foi reconhecida como movimento de libertação, quando já não existia nada para libertar.
Se Justino Pinto de Andrade e seus camaradas tivessem investido o dinheiro da kamanga no fardex e mandado uns balões de roupa usada, os heroicos combatentes tinham agradecido. Eu entrevistei o Comandante Kiluanji. E ele disse-me isto: “Nunca chegou nada à I Região enviado pelas células clandestinas de Luanda. Nada. Nem um lápis ou um caderno”. Por pouco não recebiam fardas confeccionadas numa fábrica disfarçada no subterrâneo de uma serração!
O Procurador-Geral da República, Hélder Pita Grós, imita a célula clandestina do deputado da UNITA, Justino Pinto de Andrade. Está em Genebra, para tratar da recuperação de activos. Em 2022, as autoridades judiciais da Suíça suspenderam a cooperação com autoridades judiciais angolanas, porque os processos do “combate à corrupção” estão inquinados com um Decreto Presidencial que dava comissões de dez cento aos recuperadores dos activos! O Tribunal Constitucional declarou que tal decreto é ilegal. Tudo o que foi julgado na vigência da legislação celerada vale tanto como uma mukanda a pedir fiado.
Pita Grós foi à Suíça passear. Sabe que existe uma decisão do Conselho de Direitos Humanos da ONU considerando arbitrária a prisão do empresário Carlos São Vicente. O seu julgamento não foi justo. Sabe que o Estado Angolano violou gravemente direitos, liberdades e garantias. Sabe que o simulacro de combate à corrupção morreu com o Decreto Presidencial celerado e inconstitucional. Mas fingem que está tudo bem. E para abichar mais umas ajudas de custo e fazer mais uns passeios à Europa, o PGR diz que vai tratar da recuperação de activos. Aldrabices!
Pita Grós devia ir directo aso
assunto, no estabelecimento prisional de Viana. Lá trata de tudo com o
empresário Carlos São Vicente, que há muito devia estar
O Procurador-Geral da República
insiste em enganar, manipular, aldrabar. Um empresário do sector financeiro fez
os seus negócios e ganhou dinheiro. A PGR apresenta os fundos de Carlos São
Vicente como sendo desviados dos cofres do Estado. Nunca trabalhou. Nunca fez
nada. Os fundos que estão num banco suíço são apresentados como “depositados”.
Mentira. Foram transferidos através do Banco Nacional de Angola. Legalmente. Se
as transferências fossem ilegais então alguém do BNA tinha respondido
* Jornalista
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