sábado, 24 de fevereiro de 2024

Quem é quem no conflito na RDC

Kate Hairsine | Deutsche Welle

Exércitos regionais, mercenários europeus e milícias estão a combater o grupo rebelde M23, apoiado pelo Ruanda, na República Democrática do Congo (RDC).

As exuberantes florestas nas zonas fronteiriças do leste da República Democrática do Congo (RDC) têm servido como base operacional para vários grupos armados. À medida que o conflito se intensifica, as províncias orientais, ricas em minérios, tornaram-se também um campo de sangrentas batalhas de um número cada vez maior de países - incluindo o Ruanda, o Burundi e o Uganda, bem como para forças regionais de três nações da África Austral.

Ao mesmo tempo, a RDC e o Ruanda estão envolvidos numa amarga disputa. Acusam-se mutuamente de apoiar grupos armados nas províncias orientais do Congo, Kivu do Norte e do Sul, Ituri e Tanganica.

O aumento de violência alimenta o receio de que os combates possam transpor a fronteira. E isso com o envolvimento de rebeldes, milícias, forças estatais e regionais, empresas militares privadas e vigilantes locais - cada um deles movido por interesses e reinvindicações diversas.

Quais são, efetivamente, os principais atores? Eis um resumo dos principais intervenientes:

M23 e outros grupos armados

Mais de 250 grupos armados locais e 14 grupos armados estrangeiros operam no leste da RDC, de acordo com um inquérito de 2023 realizado pelo Programa de Desarmamento, Desmobilização, Recuperação e Estabilização (P-DDRCS).

O Movimento 23 de Março, ou M23, é o mais proeminente destes grupos. Constituído principalmente por pessoas de etnia tutsi, afirma estar a lutar para defender os tutsis congoleses da discriminação e de grupos extremistas como as Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda (FDLR), uma milícia rebelde de etnia hutu. O Presidente do Ruanda, Paul Kagame, vê há muito tempo as FDLR como uma ameaça ao país.

"Adormecido" durante vários anos, o M23 ressurgiu em finais de 2021. Desde então, tem-se tornado cada vez mais forte. Comporta-se cada vez mais "como um exército convencional em vez de um grupo armado" e possui poder de fogo e equipamento cada vez mais sofisticados, segundo especialistas da ONU.

Recentemente, os confrontos entre o M23 e as Forças Armadas congolesas intensificaram-se com os rebeldes a avançarem constantemente, nos últimos dias, em direção a Goma, a capital de Kivu do Norte.

"A nossa família ficou bastante assustada e decidimos abandonar a cidade", disse à DW Jean de Dieu Kulondwa, um residente em Goma. Juntaram-se aos mais de 5,5 milhões de pessoas deslocadas no leste da RDC, naquela que é uma das maiores catástrofes humanitárias do mundo.

Quem vai frear as máquinas de guerra?

Novo ciclo de guerras expõe a crise do capitalismo – e a tentativa de atrasar a proposta socializante da China. ONU, ainda a única instância de garantia da paz, mostra-se impotente. Expandir Conselho de Segurança não a reformará. É preciso derrubar o sistema de veto

Paulo Fleury Teixeira* | Outras Palavras

Título original: Uma análise geopolítica e econômica do momento histórico atual

A coisa mais óbvia, aquela que todos nós podemos sentir, mesmo que não se tenha a menor ideia de suas causas, é que o mundo está mais tenso, os conflitos estão se tornando mais agressivos, as guerras estão se ampliando, ou, pelo menos, que o risco de grandes guerras está se tornando maior a cada dia.

E isto é simplesmente realista, infelizmente.

No momento, a limpeza étnica sionista na Palestina prossegue, com o apoio das grandes potências ocidentais e sem maiores oposições reais, sem que o mundo consiga fazer qualquer coisa efetiva para deter ou impedir, por mais que muitos, em nome da razão e da dignidade humana, se manifestem e protestem contra. Ninguém consegue deter também a guerra proxi da Otan versus a Rússia, na Ucrânia, que parece longe do fim e com alto risco de se ampliar. E uma guerra, proxi ou direta, dos EUA contra o Irã parece estar apenas no começo. Nestes e em outros conflitos armados internacionais, milhares, talvez, dezenas de milhares, de pessoas morrem todos os dias. Jovens, em especial, são, assim, assassinados e trilhões e trilhões em recursos produtivos são simplesmente destruídos, cotidianamente, nos campos de guerra. E o risco que isto se amplie para níveis ainda mais catastróficos é, realmente, cada vez maior.

A Otan é uma máquina de guerra que compele todos os seus membros a um gasto militar de pelo menos 2% do seu PIB. Isto é absolutamente criminoso, destruidor, para todas as nações da própria Otan, que poderiam ter uso muitas vezes melhor para estes recursos, e para todo o resto do mundo, que fica sujeito, sempre, à potência militar crescente da Otan. Isto só pode dar em uma corrida armamentista e, obviamente, na necessidade de guerras, para sua própria justificação. Mas, esta determinação está no estatuto da Otan e ninguém parece disposto a questionar isto agora.

A própria existência da Otan pressupõe um inimigo que, ao fim da guerra fria, já teria deixado de existir. Contudo, o espírito belicista do império prevaleceu e, desde então, a Otan só se ampliou.

De fato, a existência da Otan é contrária à carta das Nações Unidas, que pressupunha uma força mundial de imposição da não agressão entre os povos.

Sob muitos aspectos, é verdade que a ONU nasceu morta, pois, era, e ainda é, prematura demais. Na área estratégica de segurança militar e garantia da paz internacional, foram a criação do Conselho de Segurança e a definição dos membros permanentes com poder de veto que decretaram a morte da ONU. Simplesmente, as cinco maiores potências militares vitoriosas em 1945 se impuseram, pelo seu poder na época, e a elas foi dado o direito de veto nas decisões estratégicas, como, por exemplo, a imposição de sanções a países e o uso da força militar internacional. Este modelo é estruturalmente injusto, disfuncional e esclerosado. Já nasceu velho e morto. Não funcionou desde então, não funciona agora e não vai funcionar no futuro. Foi feito para isto.

Ártico: a geopolítica do extremo Norte do mundo

Aquecimento da Terra permitirá a exploração mineral e a navegação num mar congelado por milênios. Rússia e China, suas vizinhas, aliam-se. Os EUA chegam atrasados – porém, com muitas ganas. Haverá regulação internacional ou selvageria?

Antonio Martins* | Outras Palavras

A região do Ártico, com o degelo progressivo causado pelo aquecimento global, apresenta novas possibilidades como rotas de transporte e é área com muitos recursos minerais a serem explorados, o que a fez ganhar importância na geopolítica, numa disputa que envolve grandes potências como Rússia, EUA e China e outros atores regionais, com menor influência, como Canadá e países escandinavos.

No ano de 2009 a Rússia fincou uma bandeira de titânio no solo oceânico do Ártico. O procedimento foi parte de expedição científica para que o país solicitasse direitos, de acordo com legislação marítima internacional, sobre o leito do Ártico. Mas foi visto também como uma demonstração de força e posicionamento geopolítico no extremo norte do planeta.

A Rússia tem buscado desenvolver uma via marítima pelo seu “mar territorial” do Ártico para conectar Europa e Ásia principalmente. O degelo do Ártico, como mencionado no parágrafo anterior, proporcionado pelo aquecimento global, está tornando viável o investimento nesta rota marítima, com a vantagem de ter potencialmente a capacidade de suportar um número bem maior de navios do que o Mar Vermelho ou o Canal do Panamá. A costa ártica russa tem 25 portos. O termo “potencialmente” é usado porque no caso desta rota do Ártico os deslocamentos dependem, por ora, de poderosos navios nucleares quebra-gelo. A Rússia é o único país do mundo com frota também deste tipo de embarcação, os demais possuem navios quebra-gelo convencionais. E com o projeto de exploração econômica, a Rússia, aproveitando-se neste caso da geografia que lhe é favorável (tem a maior área banhada pelo Oceano Ártico), tem lançado navios para a exploração dos recursos naturais.

De forma complementar, para proteger estas atividades, posicionou-se estrategicamente antes dos rivais e implantou 21 bases militares na região, além de ter posicionado submarinos nucleares de ataque. É o país com maior capacidade militar na região. É importante salientar o caráter geoestratégico da questão para a Rússia (e também para a União Soviética ao seu tempo). Com saídas para o mar ao sul (Mar Negro) e leste (Mar Báltico) em zonas mais disputadas e sem acesso direto aos oceanos Atlântico e Índico, o Ártico se coloca para a estratégia russa como importante área de projeção do poder naval e elemento de garantia da segurança do país.

Para o desenvolvimento da chamada Northern Sea Route (Rota Marítima do Norte) a Rússia tem buscado parceria com a China, ator bastante interessado na viabilização desta rota. Os chineses têm interesse neste novo corredor, assim como em fornecer insumos e equipamentos para a infraestrutura necessária como navios quebra-gelo, navios de escolta, satélites, portos, etc. Os chineses podem também prover seguros aos navios russos, operações impossibilitadas pelas sanções ocidentais a Moscou, pela invasão da Ucrânia. Os chineses serão, portanto, compradores permanentes dos serviços da infraestrutura russa. Europeus, japoneses, coreanos e outras nações asiáticas serão clientes desta rota, mas os chineses serão os principais.

A China denomina sua estratégia para o Ártico como parte da Belt and Road Initiative ou “Rota da Seda”, no caso a “Rota da Seda do Ártico”, termo que citam em seu último “livro branco”, com as diretrizes estratégicas do país. A viagem por esta via demora 40% menos tempo do que pelo Canal de Suez, no Egito, o que significa ganho logístico de tempo e grande economia de combustível. As opções de rotas são poucas e com potenciais problemas. O Canal de Suez está saturado e está localizado no Oriente Médio, área instável, como se vê neste momento com o conflito em Gaza e os ataques dos Houthis no Mar Vermelho, a Rota do Noroeste passa por águas reivindicadas pelo Canadá e sob influência estratégica direta dos EUA e o Canal do Panamá serve essencialmente para o comércio com o continente americano.

A região é muito rica em recursos naturais. No caso dos combustíveis fósseis, de acordo com o serviço geológico do governo dos Estados Unidos, o US Geological Survey, o Ártico contém cerca de 90 bilhões de barris de petróleo, 13% das reservas globais e em torno de 44 bilhões de barris líquidos de gás natural. A China, portanto, tem grande interesse tanto na rota do Ártico quanto na exploração dos recursos naturais. Nesta associação com a Rússia, os chineses já investiram 90 bilhões de dólares em projetos ligados a combustíveis fósseis e minerais.

Num movimento unilateral e que amplia disputas e tensões em relação à região, os Estados Unidos reivindicaram, em dezembro de 2023, a expansão de sua plataforma oceânica continental em mais de um milhão de quilômetros quadrados no Ártico e Mar de Bering. Washington quer assegurar direitos sobre o leito do mar e seus recursos. Porém, o não reconhecimento internacional destas demandas e a inclusão da Finlândia e, ainda por ser aprovada, da Suécia à OTAN, que se juntam aos demais nórdicos Noruega, Islândia e Dinamarca (que tem soberania sobre a Groelândia) na organização militar liderada pelos EUA, apontam para o risco de militarização da região.

Estas disputas deveriam, em tese, ser arbitradas pela Comissão de Limites da Plataforma Continental, da ONU. Os Estados Unidos não ratificaram, contudo, a Convenção das Naçôes Unidas para Direito do Mar (UNCLOS, na sigla em inglês). A falta de acordos entre os participantes deste tabuleiro geopolítico leva também a preocupações de natureza ambiental, dada a sensibilidade dos ecossistemas da região. A exploração de petróleo, gás e outros minerais sem limites claros e regras para a sua operacionalização, aceitas por todos os participantes, embute sérios riscos a uma a fauna já bastante sensível dados os graves efeitos provocados pelo degelo da calota polar.

Em relação à Rússia e pode-se dizer também à sua “sócia” na exploração do Ártico, a China, que não é banhada por esse oceano, mas está, como descrito, com importante presença na região, inclusive com exercícios conjuntos de sua marinha com a marinha russa, os Estados Unidos estão atrasados. E a assertividade das reivindicações recentes, sem nenhuma proposta de mediação ou negociação, tendem a tornar o Ártico região de forte disputa geopolítica entre as grandes potências nos próximos anos.

* Antonio Martins é editor de Outras Palavras

Portugal – Eleições | CHEGA IMPORTA TÁTICAS DA EXTREMA-DIREITA MUNDIAL

Candidatos espalham informações sobre alegadas fraudes nas mesas de voto, divulgam sondagem que contraria a legislação e omitem informações para induzir eleitores em erro.

Amanda Lima | Diário de Notícias

Quem já acompanhou as eleições brasileiras ou americanas está a ver uma espécie de filme repetido: fake news sobre fraudes no sistema eleitoral, polarização, divulgação de uma sondagem que foge à lei e mentiras divulgadas nas redes sociais. Acontecimentos das últimas semanas revelam que o Chega está a seguir a estratégia já utilizada em outros países pela extrema-direita, especialmente em diálogo com a rede do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, como destacaram no DN os investigadores Fernanda Sarkis e Marcus Nogueira, na edição de 11 de fevereiro. O DN questionou o partido sobre as situações, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.  “Com tanta presença da rede bolsonarista na interação com a rede do Chega não causa surpresa, pois faz parte da estratégia”, explica Fernanda Sakis, mestre em Comunicação Política e investigadora.

Um canal no Youtube, criado no dia 22 de fevereiro, aparece numa propaganda nessa rede social onde se lê “Corrupção nunca mais”, com fotos de José Sócrates, Pedro Nuno Santos e António Costa. O link direciona para o canal, que tem o nome “Bolsonaristas em Portugal”. Há um mês, Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do ex-presidente brasileiro, esteve em Lisboa, onde reuniu com André Ventura e outros candidatos do Chega, como mostra uma foto publicada no dia 23 de janeiro no Instagram do brasileiro.

Sondagem sem registo na ERC

Esta semana, foi divulgada nas redes sociais uma sondagem realizada pelo Instituto Paraná Pesquisas, empresa brasileira que não está registada em Portugal. Ao DN, a Entidade Reguladora de Comunicação Social (ERC) confirmou a abertura de uma investigação ao assunto. Mesmo após tornado público o inquérito, o Chega divulgou parte do resultado da sondagem no site oficial do partido. A fonte citada é a Folha Nacional, jornal oficial do Chega. O trabalho de pesquisa foi realizado em parceria com a portuguesa Intercampus. António Salvador, diretor da empresa, afirmou ao DN que viu com surpresa a divulgação pelo Chega. “Mandaram-me o link e disseram que era ‘uma prenda da família Bolsonaro ao André’ e eu perguntei ‘mas qual André?’. Não me veio à cabeça o nome do Ventura”, diz. O empresário destaca que “sentiu-se enganado” por  ter sido informado pelo Paraná Pesquisas que a sondagem não seria divulgada. “É uma situação muito desagradável, parece que somos cúmplices”. A Intercampus foi notificada ontem pela ERC e tem 48 horas para responder. “Em anos de trabalho nunca fui multado. Se agora for, terei de ser ressarcido pela Paraná Pesquisas”.

Murilo Hidalgo, diretor da Paraná Pesquisas, explicou ao DN que “jamais a pesquisa foi feita com intuito de ser divulgada em Portugal”. O empresário rejeita relação com o Chega. “Não temos nada a ver com eles, foi o Chega que pegou nos resultados do nosso site e os divulgou. Se alguém tem que pagar por isso que seja o Chega”.  Conforme Murilo, foram cumpridas as regras da lei brasileira, já que o objetivo era divulgar no Brasil. “Isso abre um precedente. Como funciona? Onde está escrito que uma empresa não pode divulgar resultados no seu país?”, questiona.

A divulgação na rede do Chega foi concertada, escrita com o mesmo texto por vários militantes e candidatos. O partido só publicou o trecho que dá empate técnico com a AD e o PS, mas não cita, por exemplo, a informação de que o Chega tem a maior taxa de rejeição no país (53%), nem que aparece como último na indicação espontânea sobre qual partido teria mais chances de vencer (apenas 3,2%).

Falsa denúncia

“Vejam esta denúncia. Estamos entregues à bandidagem. PS e PSD apoderaram-se do aparelho de Estado sem vergonha, temos de acabar com isto no dia 10!”. A publicação, amplamente divulgada ontem por André Ventura e militantes, é acompanhada do vídeo em que um cidadão reclama de ter recebido propaganda política do PS na sua morada nos Países Baixos.

O que Ventura atribui ao “apoderamento” do Estado pelo PS e PSD, na verdade não é nada além do que a lei permite a todos os partidos: terem acesso à morada dos recenseados, no território ou no exterior. Mesmo que algumas pessoas tenham alertado nos comentários da publicação sobre o facto, o post segue em todas as plataformas.  

Igualmente continua publicado um vídeo sobre alegados tiros registados durante uma ação política do partido em Famalicão. A Polícia de Segurança Pública (PSP) já desmentiu a informação: eram rateres de mota.

O discurso da fraude eleitoral

“Colocar os amigalhaços da esquerda nas mesas de voto para fazerem isto: os boletins em branco levam cruz no PS; os boletins do Chega levam um rabisco e ficam nulos. (...) Estamos já ao nível do Brasil ou da Venezuela”. O texto no Twitter é de António Pinto Pereira, cabeça de lista do Chega em Coimbra, e está acompanhado do print de uma mensagem sobre um alegado plano “comunista” e “xuxalista” para derrotar o partido a 10 de março.

Segundo Fernanda Sakis, a história de fraude eleitoral “já virou hábito da extrema-direita em vários países, principalmente quando algum candidato da extrema-direita começa a aparecer competitivo nas sondagens”. A especialista recorda que o tema foi um dos que motivou o ataque ao Capitólio nos Estados Unidos e à sede do Três Poderes no Brasil. Na eleição brasileira são utilizadas urnas eletrónicas e tanto o ex-presidente quanto militantes reivindicavam “voto impresso e auditável” - exactamente como ocorre em Portugal. 

A alegada fraude foi divulgada por José Maria Matias, irmão da deputada Rita Matias, por Pedro Frazão, deputado eleito na última legislativa e atual cabeça de lista por Santarém e outros membros do Chega e eleitores.

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) confirmou ao DN que recebeu uma queixa sobre o caso e enviou à Polícia Judiciária (PJ). “Mais se esclarece que as mesas de voto têm uma composição plural (com cidadãos indicados por diferentes candidaturas, escolhidos em reunião de delegados daquelas) e de que as operações da votação e de apuramento local são fiscalizadas pelos delegados das candidaturas”, refere a entidade. A PJ confirma uma investigação, que está em segredo de justiça.  

Imagem: O Chega de André Ventura divulga desinformação nas redes sociais e não volta atrás quando é desmentido. Rui Manuel Fonseca / Global Imagens

Portugal | A estratégia eleitoral de Ventura é clara: Prometer tudo e o seu contrário

O Chega não é apenas a continuação das ideias e das personalidades da direita. Projetos tanto irrealistas como indesejáveis são uma marca desse campo político há muito. Ventura tenta cavalgar a raiva e o descontentamento latentes na sociedade portuguesa.

Guilherme Rodrigues - João Murta | Setenta e Quatro

Antes de o Chega garantir a sua presença no parlamento português, Portugal era muitas vezes citado como parte do excepcionalismo ibérico. Ao contrário de outros países da Europa, Portugal (a par com Espanha) retinha uma memória histórica dos tempos do fascismo, e assim a extrema-direita tinha poucas hipóteses de singrar na política nacional. Afinal, apesar de uma presença muito esporádica nos media durante vários anos, Partido Nacional Renovador (PNR) – entretanto renomeado “Ergue-te!” – ia pouco além de momentos comicamente tristes.

Em menos de uma década, o Chega liderado por André Ventura tornou-se o terceiro maior partido na Assembleia da República. Neste momento, apesar da pouca fiabilidade das sondagens, a hipótese de ter um resultado semelhante ao do PSD não deve ser descartada. Ventura tenta capitalizar essa ideia quando afirma que a luta para governar Portugal é a três.

As recentes propostas económicas do Chega podem parecer um rompimento com o legado de contas certas que a direita diz valorizar. No entanto, traçando o percurso do partido de extrema-direita, vemos que não deve nada ao socialismo, e que é na reconfiguração das direitas após as derrotas de Pedro Passos Coelho que encontramos a sua alma. É na ambiguidade e na arbitrariedade que Ventura encontra a sua fórmula, cavalgando o ressentimento. 

VINDO DO CORAÇÃO DA DIREITA

No último congresso do PSD, Luís Montenegro afirmou que “não pode ser mais lucrativo estar em casa a receber subsídios do que trabalhar”. Enquanto comentadores associaram esta frase a uma aproximação eleitoral ao partido de André Ventura, devemos recuar mais de uma década para entender o que este slogan significa realmente na atual reconfiguração do campo da direita

Na campanha para as eleições legislativas de 2009, Paulo Portas percorreu feiras referindo-se ao Rendimento Social de Inserção (RSI) como um "subsídio à preguiça". Em 2010, num congresso do PSD, Pedro Passos Coelho apontou aqueles que, sem encontrar emprego, “ficam em casa à espera do subsídio, e que vivem do subsídio”. Mais tarde, e em campanha, o mesmo líder partidário disse a uma desempregada que “uma enxadazinha também lhe fazia bem”. Em 2011, o par Portas e Passos Coelho formou governo, naquilo que ficou conhecido como o governo da Troika e que tentou o rebranding sob o slogan Portugal à Frente (PaF) na sua tentativa de reeleição, em 2015.

A imagem desta coligação ficou irremediavelmente danificada. Durante a liderança Passos Coelho-Portas, a economia portuguesa retraiu-se durante três anos consecutivos, o desemprego ficou acima dos 16% (e o desemprego jovem ultrapassou os 42%), deu-se uma vaga de emigração como já não se via há décadas (mais de 134 mil só em 2014), houve constantes cortes nos serviços públicos, decretou-se o congelamento do salário mínimo, as privatizações tornaram-se a regra, entre outros flagelos. Apesar de em 2015 ainda conseguir uma vitória, o funeral da PaF foi confirmado mais à frente.

É por esses motivos que, agora, os seus herdeiros diretos, Luís Montenegro e Nuno Melo, decidiram resgatar o nome de Aliança Democrática (AD) dos anos 1980, uma coligação que teve como objetivo isolar a extrema-direita de então. Para evitar litígios com o Partido Popular Monárquico (partido menos votado em 2022, com 260 votos), a PaF integrou o partido na campanha, impondo uma mordaça ao seu líder, Gonçalo da Câmara Pereira, notável por justificar a violência doméstica, assumir querer derrubar a República, entre outros episódios comicamente tristes.

Ao contrário de outros países, a extrema-direita não surgiu durante a crise das dívidas soberanas, ou mesmo na sequência da apelidada crise dos refugiados, em 2015. Apareceu quando foi necessário manter à tona o legado da PaF. Por isso, 2017 é o ano zero do Chega. Em parte pelo surgimento de André Ventura como figura política de relevo, com a sua candidatura autárquica em Loures, mas acima de tudo pela morte do passismo como projeto unificador da direita portuguesa. Se nas legislativas de 2015 o passismo ficou em primeiro, apesar de não conseguir formar governo, as eleições autárquicas de 2017 resultaram numa derrota humilhante para o PSD. 

Passos Coelho liderou nos dois anos seguintes uma oposição ineficaz, atrelada à ideia de que a geringonça (o governo mais bem avaliado deste século) era um golpe constitucional e que iria levar o país para a bancarrota - “Vem aí o Diabo”. O desfecho foram os resultados humilhantes do PSD por todo o país, destacando-se os casos de Lisboa e do Porto, onde nas duas cidades juntas teve menos votos do que Assunção Cristas, do CDS, em Lisboa. A derrota trouxe uma hegemonia municipal ao PS sem precedentes e ditou o afastamento de Passos Coelho da liderança do partido. Se os portugueses tinham dúvidas sobre se o passismo devia ser despejado em 2015, 2017 confirmou que conviviam bem com a direita fora do poder. 

Depois de falhar a conquista da autarquia de Loures nessas eleições com o PSD, André Ventura abandonou o cargo de vereador em 2018. Fê-lo para dar forma ao Chega. Ainda antes disso, em 2017, chegou a sondar a possibilidade de desafiar Rui Rio (visto como oposição interna ao passismo) pela liderança do partido. Já o outro filho do passismo, a Iniciativa Liberal, ganhou fôlego. Carlos Guimarães Pinto chegou à liderança, trazendo consigo vários quadros da órbita de blogs de direita, como o Insurgente e o Blasfémias, e outros ligados a quadros institucionais da PaF (como Cotrim Figueiredo, Pedro Silva Martins ou Henrique Gomes). Seria com estes que alcançaria o parlamento. As coincidências e as diferenças entre os dois partidos tornam impossível contar a história do desenvolvimento do Chega sem falar dos liberais.

As eleições legislativas de 2019 e 2022 confirmaram a reconfiguração da direita: os setores mais radicais da burguesia portuguesa entenderam que o duo PSD-CDS seria incapaz de tomar de novo o poder, pelo menos sem uma reaproximação ao centro. 

Nesse sentido, o súbito vigor da IL, até à altura quase insignificante, e a criação do Chega cumpriram duas funções. Em primeiro e no imediato, domesticar o PSD, condicionando uma liderança de Rui Rio que procurasse o centro político e denunciasse o legado de Passos Coelho. Em simultâneo, tentar abordagens políticas que, apesar de já serem ensaiadas no PSD e CDS, precisavam de novos projetos para serem levadas às latitudes desejadas. Mais do que um fenómeno de competição eleitoral, a pulverização da direita sinalizou um experimentalismo em que cada parte se complementou para tentar expandir a sua base social sem perder os fiéis da PaF. Tal como admitido por Ventura no debate televisivo com Montenegro, “saí do PSD para que a direita tivesse maioria”.

Enquanto o Chega é um complemento ao PSD, de onde Ventura saiu depois de se ver sem espaço para competir pela liderança contra Rui Rio, devemos olhar para as bandeiras da IL para entendermos melhor o desenvolvimento do Chega.

Batalha por Avdeeka destruiu a glória dos combatentes nazis ucranianos de Azov

South Front | # Traduzido em português do Brasil | com vídeos na página original

A fortaleza ucraniana de Avdiivka caiu oficialmente na noite de 17 de fevereiro, quando o comandante-em-chefe ucraniano Syrsky anunciou a retirada das tropas para “novas linhas de defesa preparadas”. Na verdade, a fuga em massa descontrolada de unidades ucranianas da cidade começou alguns dias antes, durante a qual o exército ucraniano sofreu pesadas perdas. Os militares ucranianos abandonaram os feridos, mortos e equipamentos. Centenas de militares ucranianos foram capturados pelos militares russos.

Especialistas militares ucranianos e russos culparam em grande parte a notória 3ª Brigada de Assalto Separada das Forças Armadas da Ucrânia pelo fracasso da defesa ucraniana. A unidade foi transferida com urgência para a cidade para impedir o cerco vários dias antes da derrota ucraniana.

A 3ª Brigada de Assalto Separada foi criada nas ruínas do batalhão neonazista Azov e incluía principalmente seus veteranos. Estes militantes distinguiram-se pela sua crueldade particular e pelo nível extremamente elevado de motivação para lutar contra os russos, o que foi comprovado tanto durante o ataque a Mariupol como mais tarde em Artemovsk. Após a rendição de Azov em Azovstal, e no decurso de outras batalhas, muitos dos seus membros acabaram em cativeiro russo e a maioria já foi encerrada em prisões russas por numerosos crimes de guerra, principalmente contra civis.

A glória da unidade e a troca de seus líderes através da mediação turca permitiram formar a 3ª Brigada de Assalto, que reuniu os fervorosos nazistas. Desde dezembro do ano passado, a unidade está na retaguarda de Kramatorsk. A brigada herdou o seu próprio sistema de recrutamento e treino do Batalhão Nazista Azov, o que a tornou uma das formações mais eficazes e prontas para o combate das Forças Armadas da Ucrânia. Durante meses, o seu pessoal militar esteve empenhado em treinar, recrutar novos combatentes e supostamente reequipar-se com veículos de combate de infantaria Bradley e outros equipamentos ocidentais.

Kiev avaliou esta unidade como uma das mais treinadas para as batalhas em Avdeevka, com a experiência mais relevante na condução de operações de combate em condições urbanas semelhantes, dada a sua experiência em Mariupol e Artemovsk; mas a glória de Azov foi destruída em Avdeevka.

Eixo Anglo-Americano, não a Ucrânia, é responsável pela destruição de navios russos

Andrew Korybko * | Substack | opinião | # Traduzido em português do Brasil

O planeamento naval de todos os principais intervenientes mudará como resultado do que foi aprendido com as experiências dos últimos dois anos neste conflito.

A grande mídia exaltou as perdas da Rússia na chamada “Batalha do Mar Negro” como sendo puramente o resultado dos esforços ucranianos, que visam elevar o moral à medida que a dinâmica do conflito muda e Kiev é empurrada para trás na defesa, especialmente após a derrota em Avdeevka no fim de semana passado. A estatística que está a ser divulgada hoje em dia é que um colossal terço da frota russa do Mar Negro foi desactivada, o que equivale a 25 navios e um submarino , apesar de a Ucrânia não ter uma marinha.

Deixando de lado as disputas numéricas, o facto é que, embora a Ucrânia fosse o país que executou directamente estes ataques, eles não teriam sido possíveis sem o apoio do Eixo Anglo-Americano (AAA), que é quem realmente trava a guerra por procuração da OTAN, que dura há dois anos sobre a Rússia através daquela antiga República Soviética. Os drones e mísseis de cruzeiro utilizados para este fim são o resultado das tecnologias desses dois, seja em parte ou no todo, especialmente quando se trata de orientação por satélite e outras formas relacionadas de inteligência.

O objectivo por detrás desta campanha é infligir custos militares assimétricos à Rússia através de meios de procuração, e os navios são alvos de alto perfil que são comparativamente mais fáceis de atingir do que outros. Eles geralmente ficam estacionários no momento do ataque e só podem ser defendidos por meio de uma combinação de sistemas antiaéreos e daqueles recém-criados para destruir drones de superfície e subaquáticos. Os primeiros podem ficar distraídos e sobrecarregados, enquanto os segundos ainda precisam ser aperfeiçoados, uma vez que só recentemente foram colocados em campo.

A Rússia é incapaz de retaliar de forma simétrica, uma vez que a Ucrânia não tem uma marinha, o que contribui ainda mais para a narrativa da guerra de informação que está a ser propagada para aumentar o moral ocidental no meio das perdas de Kiev no campo de batalha e do contínuo impasse no Congresso em relação a mais ajuda. Embora seja bem conhecido que a AAA é responsável pelas perdas da Rússia, factos relevantes são deliberadamente omitidos das reportagens da grande mídia, a fim de reforçar a falsa noção de que “Davi está vencendo Golias”.

A conclusão de tudo isto é que as estratégias navais terão de ser revistas como resultado da guerra por procuração em curso, uma vez que tais meios já não podem ser considerados tão seguros como antes. Em vez disso, foram expostos como alvos relativamente fáceis e de alto perfil, cuja destruição traz consigo enormes dividendos da guerra de informação, com pouco custo para os atacantes. Em muitos aspectos, os navios de superfície são agora mais um passivo do que um activo, sendo apenas os submarinos seguros e apenas se não forem à superfície.

O planeamento naval de todos os principais intervenientes irá, portanto, mudar como resultado do que foi aprendido com as experiências dos últimos dois anos neste conflito. Isto tem implicações importantes para a crise do Mar Vermelho e qualquer crise teórica sobre Taiwan, particularmente no que diz respeito aos custos que a AAA e os seus vassalos estão preparados para aceitar nos piores cenários. Longe da navegação tranquila que esperam, as nuvens de tempestade que se acumulam no horizonte sugerem que serão mais problemáticos do que se pensava anteriormente.

* Analista político americano especializado na transição sistémica global para a multipolaridade

Andrew Korybko é regular colaborador em Página Global há alguns anos e também regular interveniente em outras e diversas publicações. Encontram-no também nas redes sociais. É ainda autor profícuo de vários livros.

Ah, Úrsula! Mais cinco anos NÃO, por favor!

A UE normalmente prefere chefes-presidentes da Comissão que são obscuros porque são incompetentes.

Martin Jay* | Strategic Culture Foundation | # Traduzido em português do Brasil

Ursula von der Leyen quer ter um segundo mandato como presidente da Comissão Europeia e conta com o apoio político do bloco conservador pan-europeu mais poderoso do Parlamento Europeu para o conseguir. Mas poderá a Europa, e na verdade o mundo, tolerar a visão estreita desta alemã sobre o papel da Europa numa nova ordem mundial multipolar quando, em muitos aspectos, ela é como uma irmã gémea de Joe Biden – presa na década de 1980 com as suas opiniões sobre a América a governar tudo e, naturalmente, odiar a Rússia e culpar Putin por quase tudo o que ela consegue fazer.

A sua candidatura ao segundo mandato não é inédita, já que José Manuel Barroso disputou dois mandatos, atormentado por alguns rumores de que o fez para evitar que uma investigação de pedofilia em Portugal manchasse o seu legado político. E, portanto, a UE não irá abrir novos caminhos aqui. Mas o sistema de eleição de um presidente da Comissão Europeia – cada estado-membro apresenta o seu próprio candidato, que é finalmente votado pelos eurodeputados – pode ter outras ideias para Ursula, que também encarará o mandato alargado como uma forma de evitar processos de corrupção embaraçosos, que são inevitavelmente surgirá quando ela deixar o cargo. A sua relação obscura com a Pfizer, que vendeu à UE milhares de milhões de dólares em vacinas sob a sua supervisão, enquanto todo o caso estava envolto em segredo – apenas para revelar que o seu marido trabalhava para uma empresa de biotecnologia que, estranhamente, recebeu milhões de euros em subvenções e pode estar ligado à Pfizer – pode alcançá-la. Actualmente, e não deve surpreender, os próprios órgãos de vigilância internos e unidades antifraude da UE apenas realizaram os procedimentos simbólicos para investigar a sua relação com a Pfizer e não encontraram qualquer corrupção ou conflito de interesses. Mas é o New York Times que a está processando por fingir que não tem mais mensagens de texto críticas aos chefes da Pfizer sobre o acordo da vacina, que ainda paira no ar como um mau cheiro.

Não é apenas a corrupção que poderá levantar a cabeça quando os eurodeputados a interrogarem no parlamento, como parte de uma das suas primeiras tarefas importantes no final do Verão deste ano. É também o facto de muitos eurodeputados simplesmente não gostarem dela e não confiarem nela e, dado que podemos presumir que mais eurodeputados de extrema-direita se juntam ao parlamento, este número pode ser considerável – levando-a a ser uma candidata, mas não a conseguir obtendo o segundo mandato. Muitos eurodeputados do actual mandato simplesmente não gostam da forma como ela estragou a maior parte das crises que a atingiram, quase desde o primeiro dia no cargo, e deixaram a UE não só com uma constelação de novos problemas – sendo a imigração um dos principais – mas também dívidas em espiral. Claro, “Ursula”, como Joe Biden a chama, tem a resposta para esta última confusão. Aumentar o orçamento da UE, afirma simplesmente no seu discurso de abertura na Conferência de Segurança de Munique.

CUMPLICIDADE DOS EUA NO GENOCÍDIO EM GAZA

Rahma, Peru | Cartoon Movement

Veto americano na ONU para impedir um cessar-fogo em Gaza

Presidente Lula do Brasil expõe crimes israelitas

O presidente brasileiro acusa Netanyahu de cometer crimes semelhantes aos nazistas contra os habitantes de Gaza, levando a um impasse diplomático.

Lucas Leiroz* | Strategic Culture Foundation | # Traduzido em português do Brasil

Brasil e Israel vivem fortes tensões diplomáticas. Numa declaração recente durante uma visita a África, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva comparou as práticas de Israel em Gaza com o Holocausto contra os judeus cometido pela Alemanha nazi. As suas palavras foram extremamente reprovadas pelo Estado Sionista e pelo Ocidente Coletivo, levando a uma crise diplomática.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, declarou Lula persona non grata e convocou o embaixador brasileiro em Israel para esclarecimentos. Então, o governo brasileiro reagiu chamando de volta seu embaixador, deixando o Brasil sem representação diplomática em Tel Aviv.

O importante diplomata israelense Frederico Meyer acusou Lula de cometer um grave “ataque antissemita” e prometeu “não perdoar nem esquecer” a declaração do político brasileiro. Muitos especialistas acreditam que a crise poderá culminar na ruptura total das relações diplomáticas entre Brasília e Tel Aviv.

Obviamente, o Brasil não está sozinho nas críticas a Israel. Vários países foram ainda mais duros contra Tel Aviv, chegando a uma ruptura diplomática completa. Contudo, o valor político da declaração de Lula é conhecido. Fundador dos BRICS e cumprindo seu terceiro mandato como Presidente do Brasil, Lula é atualmente um dos líderes mais respeitados do mundo, por isso o valor de seus cargos é alto e relevante.

Na prática, isto poderá significar o início de uma onda entre as nações emergentes. A posição do Brasil poderia encorajar mais países a endurecerem as suas críticas a Israel, o que seria desastroso para a diplomacia sionista e minaria a influência ocidental no Sul Global. Não por acaso, a condenação de Lula tem sido forte entre os países ocidentais – e conta com o apoio das alas mais reacionárias e pró-Israel da política interna brasileira.

Na verdade, esta não é a primeira vez que o Brasil desafia Israel. Na década de 1970, durante o regime militar brasileiro, houve um impasse entre os dois países. Na época, sob o governo do general Ernesto Geisel, o Brasil planejava se tornar uma potência-chave entre os chamados “países não alinhados”, razão pela qual o Brasil assumiu uma postura cética em relação ao Ocidente, chegando a votar na ONU pelo reconhecimento da ideologia sionista como forma de racismo, manifestando apoio ao povo árabe na luta contra a ocupação israelita.

Há muitas suspeitas de que Israel tenha reagido às iniciativas brasileiras da época com operações complexas de espionagem e inteligência, incluindo sabotagem industrial e até suposto envolvimento no assassinato de José Alberto Albano do Amarante , o então chefe do programa nuclear brasileiro. Nesse sentido, há temores de que Tel Aviv possa voltar a lançar uma campanha de “guerra secreta” contra o Brasil, mobilizando o seu aparato de inteligência para prejudicar setores estratégicos brasileiros.

Nos últimos anos, especialmente após a ascensão do ex-presidente de direita, Jair Messias Bolsonaro, o Brasil passou por um processo de profunda reaproximação com Israel, revertendo sua histórica política soberanista. Até o próprio Lula até então estava sendo “bem equilibrado” em suas ações e pronunciamentos sobre a crise no Oriente Médio. Por exemplo, chegou a condenar a Operação Al Aqsa Flood como um “ataque terrorista”, sendo fortemente criticado pela comunidade árabe no Brasil por tal posição.

No entanto, o agravamento da crise humanitária em Gaza impossibilitou que o Brasil continuasse neutro. Brasília tem uma tradição de política externa baseada na defesa da paz, dos direitos humanos e do direito internacional. Todos estes princípios elementares foram fortemente violados por Israel na sua campanha de agressão contra Gaza. O Brasil foi então forçado pelas circunstâncias a endurecer a sua posição e formalizar uma condenação dos crimes de Israel.

Com isso, Lula dá um passo importante para restabelecer a tradição diplomática brasileira, além de incentivar mais países emergentes a condenarem Israel. Porém, o presidente brasileiro deve estar ciente das consequências que isso trará ao seu governo. Além das manobras secretas de inteligência por parte de Israel, o Ocidente Coletivo poderá reagir impondo sanções ao Brasil. O governo Lula deve ser forte o suficiente para administrar a situação e sobreviver às pressões externas.

As políticas de reindustrialização são vitais para que o Brasil supere, internamente, os desafios que virão sem enfrentar grandes problemas econômicos. No mesmo sentido, é necessária uma postura mais sólida do Brasil na política externa. O país tem hesitado muito entre posições pró-multipolares e pró-Ocidente. É preciso dar um “passo adiante” e colocar definitivamente o Brasil como um Estado interessado na transição geopolítica multipolar, consolidando um eixo de resistência contra o Ocidente ao lado de parceiros do BRICS como Rússia, China e Irã.

Só assim será possível angariar apoio internacional suficiente para superar a pressão imposta sobre Brasília.

# Você pode seguir Lucas no X (antigo Twitter) e no Telegram

*Lucas Leiroz, jornalista, pesquisador do Centro de Estudos Geoestratégicos, consultor geopolítico

Mais lidas da semana