domingo, 26 de janeiro de 2025

Angola | Luanda Lugar de História -- Artur Queiroz

<> Artur Queiroz*, Luanda

Hoje Luanda faz 449 anos. Quando a cidade fez o 435º aniversário produzi um livro intitulado “Luanda Arquivo Histórico” que foi editado pela Empresa Edições Novembro. É uma peça belíssima sob o ponto de vista gráfico. O “design” é de João Nunes, o artista que, juntamente António Ole, criou toda a linha gráfica do Poder Popular e da correspondente Resistência Popular Generalizada. O livro esgotou rapidamente. A editora propôs ao Governo Provincial de Luanda uma segunda edição em parceria, mas o projecto não avançou. Presumo que foi por falta de interesse de quem governava a capital.

Hoje o jornalista Jaime Azulay publica uma belíssima crónica sobre Luanda cuja leitura aconselho vivamente. Antes de regressar ao tema, quero introduzir na conversa afiada um grão de actualidade. O Serviço de Instrução Criminal (SIC) deteve funcionários da Autoridade Tributária (antigamente era a Fazenda e depois as Finanças) por desvio de fundos. Espero que fiquem por aqui. Não ponham Dona Vera Daves a trançar o cabelo na alada feminina de um qualquer presídio. Tenham maneiras.

Hoje também me chegou um texto do jornalista e realizador Ladislau Fortunato sobre o sonoplasta Artur Neves. Bela homenagem no dia em que o mágico da Praia do Bispo vê a sua cidade fazer 449 anos. Artur Neves, João Canedo e José Maria Pinto de Almeida (Zé Maria) foram os mais exuberantes artistas do som na Rádio Angolana. Construíram edifícios sonoros fabulosos, únicos, inigualáveis.

João Canedo era o sonoplasta de Sebastião Coelho  nos Estúdios Norte (Café da Noite) e Zé Maria produzia, realizava e sonorizava a o programa “Luanda”, um marco indelével no mundo radiofónico de língua portuguesa. Melhor era impossível.

Artur Neves foi meu companheiro na Emissora Oficial. O mais completo artista do som, repórter, poeta, músico, cantor, piloto e cavaleiro. Ladislau Fortunato cita no seu texto o poeta António Jacinto como um dos radialistas de 1974 e 1975. Um erro de Antónios. O nosso colega na Emissora Oficial de Angola era o poeta António Cardoso. Fica a corecção. Nessa época António Jacinto era membro do Bureau Político do MPLA, não tinha qualquer actividade fora do movimento.

Mais tarde, António Jacinto foi ministro da Cultura. O artista plástico José Rodrigues (Zeca Bailundo) e este vosso criado propuseram-lhe fazermos um livro sobre os caminhos da nossa infância. Eu escrevia crónicas e ele fazia desenhos a preto e branco ou coloridos. Começávamos nos Dembos, seguíamos para Cambondo, Golungo Alto e daí para cima, Lucala, Samba Caju, Camabatela, Negage. E Puri, que hoje faz 106 anos como município. 

Entre o Negage e o Puri a picada estava ladeada de mangueiras. As mangas do Negage eram vermelhas. As do Puri, amarelas. Caíam de maduras aos milhares e tornavam a estrada escorregadia.

Ali estavam a melhores mangas do mundo. Puri, Cangola, Macocola, Kimbele, Kalandula eram territórios do melhor bombô do mundo, que meu Pai comprava em salalas. Depois íamos vender a fuba na linha entre Sacandica e Kinshasa, na época chamada de Léopoldeville. O Congo Belga era do Leopoldo. As cidades eram do Leopoldo. Os congoleses eram do Leopoldo. O Congo Belga era propriedade privada do rei dos belgas, um pequeno país da Europa onde grunhem a língua francesa. Um dia Lumumba disse que ia plantar mangueiras na Lua e os belgas fugiram a sete pés, sem antes matá-lo cm o apoio da Casa dos Brancos.

Hoje mesmo João Lourenço recebeu cumprimentos de Ano Novo do Corpo Diplomático. Do seu discurso retiro este naco: “Ao nos debruçarmos sobre as acções empreendidas pelo Estado Angolano ao longo do ano de 2024, consideramos que os resultados alcançados permitem-nos encarar o ano de 2025 com um certo grau de confiança e com a determinação em continuarmos a trabalhar arduamente para que os nossos objectivos se possam tornar realidade”. Estou de acordo.

A Guerra de Transição, entre 25 de Abril 1974 e 11 de Novembro 1975 causou em Angola um retrocesso de 100 anos. Ficámos sem funcionários públicos, sem quadros técnicos, sem motoristas, sem cantineiros, sem empresas, sem transportes, sem mapa judicial, sem nada. A Guerra pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial, entre 11 de Novembro de 1975 e 23 de Março 1988 estagnou Angola no zero de 1975. 

A rebelião armada de Jonas Savimbi contra o regime democrático, entre 1993 e 2002, causou um retrocesso aos primórdios do século XVIII. A UNITA pulverizou a Autoridade do Estado. Destruiu todos os equipamentos sociais, todas as unidades de produção, todos os circuitos de distribuição. Pôs o interior do país em morte social, empurrando milhões de angolanos para Luanda e outras cidades do litoral.

O que se reconstruiu depois de 2002 é um mundo. O que se fez em 2024 claro que foi importantíssimo. Mas cuidado com a UNITA! Nunca se esqueçam que Savimbi lutou de armas na mão com a tropa portuguesa e a PIDE, contra a Independência Nacional. Depois lutou de armas na mão ao lado dos independentistas brancos para impor em Angola um regime de apartheid. Após 28 de Setembro 1974 bandeou-se definitivamente com os racistas de Pretória. Depois de perder as eleições desencadeou uma rebelião armada para matar a democracia ainda no ovo. 

Nestas circunstâncias, foi com perplexidade que vi abrir em Angola uma fundação (com o apoio do Estado!) cujo patrono é Jonas Savimbi. Um bandido que disparou contra o regime democrático. Ninguém pode ignorar que três dias depois de assinar o Acordo de Bicesse, Savimbi escondeu 20.000 homens e as melhores armas da UNITA em bases secretas do Cuando Cubango. Ninguém pode ignorar que aproveitando a campanha eleitoral o Galo Negro espalhou esses militares e assas armas por todo o país. 

Ninguém pode atirar para o lixo os documentos onde está escrita a táctica de Savimbi: “Se ganharmos as eleições tudo bem. Se perdermos dizemos que houve fraude e tomamos o poder pela força, porque o governo está desarmado”. A unidade nacional não se faz com bandidos que andaram aos tiros contra o regime democrático, por opção política.

Hoje ficámos a saber quem levou um tal Ricardo Costa, simpatizante de jornalista no canal português SIC, dizer que houve negociações entre o Governo e a UNITA após as eleições de 2022 no sentido de acabar a contestação aos resultados eleitorais, em troca das eleições autárquicas. Foi a Luzia Moniz que o enganou. Ela tem “fontes” que lhe garantem isso. E quem foi o facilitador? Marcelo Rebelo de Sousa! A intriga, a manipulação, a desinformação e a aldrabice primária alimentam estes vírus que matam o Jornalismo.

Hoje mando-vos um belo poema sobre a Luanda que vivi na minha juventude. O autor é o mais inspirado poeta da nossa cidade, Mário António. Ele é filho de Maquela do Zombo, onde a Dona Áurea Marreiros tinha machimbombos que ligavam todo o Congo Português:

Poema

Quando li Jubiabá
me cri António Balduíno.
Meu Primo, que nunca o leu
ficou Zeca Camarão.

Eh Zeca!

Vamos os dois numa chunga
Vamos farrar toda a noite
Vamos levar duas moças
para a praia da Rotunda!
Zeca me ensina o caminho:
Sou António Balduíno.

E fomos farrar por aí,
Camarão na minha frente,
Nem verdiano se mete:
Na frente Zé Camarão,
Balduíno vai no trás.

Que moça levou meu primo!
Vai remexendo no samba
que nem a negra Rosenda;
Eu praqui olhando só!

Que moça que ele levou!
Cabrita que vira os olhos.
Meu Primo, rei do musseque:
Eu praqui olhando só!

Meu primo tá segredando:
Nossa Senhora da Ilha
ou que outra feiticeira?
A moça o acompanhando.

Zé Camarão a levou:
E eu para aqui a secar.
E eu para aqui a secar.

* Jornalista

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