<> Artur Queiroz*, Luanda
Hoje Luanda faz 449 anos. Quando a cidade fez o 435º aniversário produzi um livro intitulado “Luanda Arquivo Histórico” que foi editado pela Empresa Edições Novembro. É uma peça belíssima sob o ponto de vista gráfico. O “design” é de João Nunes, o artista que, juntamente António Ole, criou toda a linha gráfica do Poder Popular e da correspondente Resistência Popular Generalizada. O livro esgotou rapidamente. A editora propôs ao Governo Provincial de Luanda uma segunda edição em parceria, mas o projecto não avançou. Presumo que foi por falta de interesse de quem governava a capital.
Hoje o jornalista Jaime Azulay publica uma belíssima crónica sobre Luanda cuja leitura aconselho vivamente. Antes de regressar ao tema, quero introduzir na conversa afiada um grão de actualidade. O Serviço de Instrução Criminal (SIC) deteve funcionários da Autoridade Tributária (antigamente era a Fazenda e depois as Finanças) por desvio de fundos. Espero que fiquem por aqui. Não ponham Dona Vera Daves a trançar o cabelo na alada feminina de um qualquer presídio. Tenham maneiras.
Hoje também me chegou um texto do jornalista e realizador Ladislau Fortunato sobre o sonoplasta Artur Neves. Bela homenagem no dia em que o mágico da Praia do Bispo vê a sua cidade fazer 449 anos. Artur Neves, João Canedo e José Maria Pinto de Almeida (Zé Maria) foram os mais exuberantes artistas do som na Rádio Angolana. Construíram edifícios sonoros fabulosos, únicos, inigualáveis.
João Canedo era o sonoplasta de Sebastião Coelho nos Estúdios Norte (Café da Noite) e Zé Maria produzia, realizava e sonorizava a o programa “Luanda”, um marco indelével no mundo radiofónico de língua portuguesa. Melhor era impossível.
Artur Neves foi meu companheiro na Emissora Oficial. O mais completo artista do som, repórter, poeta, músico, cantor, piloto e cavaleiro. Ladislau Fortunato cita no seu texto o poeta António Jacinto como um dos radialistas de 1974 e 1975. Um erro de Antónios. O nosso colega na Emissora Oficial de Angola era o poeta António Cardoso. Fica a corecção. Nessa época António Jacinto era membro do Bureau Político do MPLA, não tinha qualquer actividade fora do movimento.Mais tarde, António Jacinto foi ministro da Cultura. O artista plástico José Rodrigues (Zeca Bailundo) e este vosso criado propuseram-lhe fazermos um livro sobre os caminhos da nossa infância. Eu escrevia crónicas e ele fazia desenhos a preto e branco ou coloridos. Começávamos nos Dembos, seguíamos para Cambondo, Golungo Alto e daí para cima, Lucala, Samba Caju, Camabatela, Negage. E Puri, que hoje faz 106 anos como município.
Entre o Negage e o Puri a picada estava ladeada de mangueiras. As mangas do Negage eram vermelhas. As do Puri, amarelas. Caíam de maduras aos milhares e tornavam a estrada escorregadia.
Ali estavam a melhores mangas do
mundo. Puri, Cangola, Macocola, Kimbele, Kalandula eram territórios do melhor
bombô do mundo, que meu Pai comprava
Hoje mesmo João Lourenço recebeu cumprimentos de Ano Novo do Corpo Diplomático. Do seu discurso retiro este naco: “Ao nos debruçarmos sobre as acções empreendidas pelo Estado Angolano ao longo do ano de 2024, consideramos que os resultados alcançados permitem-nos encarar o ano de 2025 com um certo grau de confiança e com a determinação em continuarmos a trabalhar arduamente para que os nossos objectivos se possam tornar realidade”. Estou de acordo.
A Guerra de Transição, entre 25 de Abril 1974 e 11 de Novembro 1975 causou em Angola um retrocesso de 100 anos. Ficámos sem funcionários públicos, sem quadros técnicos, sem motoristas, sem cantineiros, sem empresas, sem transportes, sem mapa judicial, sem nada. A Guerra pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial, entre 11 de Novembro de 1975 e 23 de Março 1988 estagnou Angola no zero de 1975.
A rebelião armada de Jonas Savimbi contra o regime democrático, entre 1993 e 2002, causou um retrocesso aos primórdios do século XVIII. A UNITA pulverizou a Autoridade do Estado. Destruiu todos os equipamentos sociais, todas as unidades de produção, todos os circuitos de distribuição. Pôs o interior do país em morte social, empurrando milhões de angolanos para Luanda e outras cidades do litoral.
O que se reconstruiu depois de 2002 é um mundo. O que se fez em 2024 claro que foi importantíssimo. Mas cuidado com a UNITA! Nunca se esqueçam que Savimbi lutou de armas na mão com a tropa portuguesa e a PIDE, contra a Independência Nacional. Depois lutou de armas na mão ao lado dos independentistas brancos para impor em Angola um regime de apartheid. Após 28 de Setembro 1974 bandeou-se definitivamente com os racistas de Pretória. Depois de perder as eleições desencadeou uma rebelião armada para matar a democracia ainda no ovo.
Nestas circunstâncias, foi com perplexidade que vi abrir em Angola uma fundação (com o apoio do Estado!) cujo patrono é Jonas Savimbi. Um bandido que disparou contra o regime democrático. Ninguém pode ignorar que três dias depois de assinar o Acordo de Bicesse, Savimbi escondeu 20.000 homens e as melhores armas da UNITA em bases secretas do Cuando Cubango. Ninguém pode ignorar que aproveitando a campanha eleitoral o Galo Negro espalhou esses militares e assas armas por todo o país.
Ninguém pode atirar para o lixo os documentos onde está escrita a táctica de Savimbi: “Se ganharmos as eleições tudo bem. Se perdermos dizemos que houve fraude e tomamos o poder pela força, porque o governo está desarmado”. A unidade nacional não se faz com bandidos que andaram aos tiros contra o regime democrático, por opção política.
Hoje ficámos a saber quem levou um tal Ricardo Costa, simpatizante de jornalista no canal português SIC, dizer que houve negociações entre o Governo e a UNITA após as eleições de 2022 no sentido de acabar a contestação aos resultados eleitorais, em troca das eleições autárquicas. Foi a Luzia Moniz que o enganou. Ela tem “fontes” que lhe garantem isso. E quem foi o facilitador? Marcelo Rebelo de Sousa! A intriga, a manipulação, a desinformação e a aldrabice primária alimentam estes vírus que matam o Jornalismo.
Hoje mando-vos um belo poema sobre a Luanda que vivi na minha juventude. O autor é o mais inspirado poeta da nossa cidade, Mário António. Ele é filho de Maquela do Zombo, onde a Dona Áurea Marreiros tinha machimbombos que ligavam todo o Congo Português:
Poema
Quando li Jubiabá
me cri António Balduíno.
Meu Primo, que nunca o leu
ficou Zeca Camarão.
Eh Zeca!
Vamos os dois numa chunga
Vamos farrar toda a noite
Vamos levar duas moças
para a praia da Rotunda!
Zeca me ensina o caminho:
Sou António Balduíno.
E fomos farrar por aí,
Camarão na minha frente,
Nem verdiano se mete:
Na frente Zé Camarão,
Balduíno vai no trás.
Que moça levou meu primo!
Vai remexendo no samba
que nem a negra Rosenda;
Eu praqui olhando só!
Que moça que ele levou!
Cabrita que vira os olhos.
Meu Primo, rei do musseque:
Eu praqui olhando só!
Meu primo tá segredando:
Nossa Senhora da Ilha
ou que outra feiticeira?
A moça o acompanhando.
Zé Camarão a levou:
E eu para aqui a secar.
E eu para aqui a secar.
* Jornalista
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