quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Angola | O Kamba do Espírito Santo – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Um amigo tem como divisa de vida “o bem faz-se em silêncio, o resto é teatro” que pode ser péssimo, mau, medíocre ou bom. Há actores para todos os desgostos. O corredor do Lobito, recordista de todas as corridas, desde a velocidade à maratona, é péssimo actor e a sua quadrilha de bajuladores ainda pior. João Lourenço é uma macha. Um borrão que alastra imparável. Uma nódoa que põe em risco a existência de Angola livre e independente. 

Hoje libertaram alguns reclusos indultados e puseram Ana da Silva Miguel (Neth Nahara) a dizer ante as câmaras da TPA, que João Lourenço, o corredor vertiginoso do Lobito, “é um homem de Deus, ouviu o Espírito Santo, quem tem ouvidos para Deus é um homem de Deus”. Vai outra vez presa. 

Menina Neth Nahara! O vertiginoso corredor do Lobito, campeão de todas as corridas pedestres e motorizadas, é mesmo Deus. O Altíssimo é que ouve João Lourenço. Pede-lhe conselhos para governar o Paraíso como ele governa Angola. O Espírito Santo é que se abastece de santidade em João Lourenço. Reduzir o Deus angolano a kamba do Espírito Santo é uma maka mundial. Até na Casa dos Brancos estão revoltados com o desaforo.

Continuando no espírito natalício, venho informar que os processos e toda a documentação respeitantes ao golpe militar em 27 de Maio, 1977, desapareceram. Ficou um comunicado do Bureau Político do MPLA emitido na época e outro, tornado público após a assinatura do Acordo de Bicesse, quando começou a operação de transformar os golpistas em vítimas e as vítimas em criminosos. Gastaram milhões comprando “historiadores” ou simpatizantes de jornalismo e publicaram as suas aldrabices e invenções. Cansado de tão hedionda traição recolhi a documentação existente e fiz o livro “27 MAIO 1977”. Foi olimpicamente ignorado.

O Tribunal Marcial que funcionou junto do Ministério da Defesa produziu abundante documentação. Desapareceu. Todos os membros da direcção política e militar do golpe de estado fizeram depoimentos escritos, assinados por eles, onde descreveram como nasceu e foi desencadeado o golpe militar. Os processos arquivados na sede do MPLA também desapareceram. Ficou apenas o depoimento manuscrito por Nito Alves. 

Após a entrega do seu depoimento aos juízes do Tribunal Marcial, Nito Alves ainda se lembrou que não respondeu à pergunta “quem mandou matar os Comandantes das FAPLA e o ministro Saidy Mingas?” Pediu mais uma folha e respondeu. Atirou com a responsabilidade para José Van-Dúnem e Sita Vales. Um herói da delacção! Em cima do acontecimento publiquei no jornal português “Página Um” todos os depoimentos dos golpistas, excepto os depoimentos de José Van-Dúnem e Sita Alves, porque ainda não tinham sido presos. Fontes oficiais. Cópias autênticas dos depoimentos.

No dia 5 de Junho de 1991, os serviços secretos militares da África do Sul e a Casa dos Brancos decidiram esconder em bases secretas no Cuando Cubango, milhares de militares da UNITA e as suas melhores armas, inclusive artilharia e os mísseis Stinger. Uma traição sem nome ao Acordo de Nova Iorque. E a prova de que os EUA não são fiáveis. Pediram ao Presidente José Eduardo dos Santos para assinar um acordo com Jonas Savimbi e não apenas um perdão. Porque ao perder o apoio dos EUA e de Pretória, a sua organização podia causar muitos danos na região, como faziam os “senhores da guerra” na Somália. 

O Arquitecto da Paz, na sua infinita generosidade, aceitou. Apenas cinco dias depois da assinatura do Acordo de Bicesse, a direcção da UNITA estava a esconder militares para tomar o poder pela força, caso perdesse as eleições como perdeu. O General Zé Maria conseguiu obter os documentos secretos que confirmam essa operação. Foi julgado, condenado e preso por não entregar esses documentos à turma do corredor vertiginoso do Lobito, sempre atrás do dinheiro. Queriam fazer desaparecer tudo para se arrastarem aos pés da Casa dos Brancos. 

O General Zé Maria não lhes entregou os documentos! Mas eu tive acesso a essas provas e publiquei no Jornal de Angola o texto que se segue:

“Operação Secreta lançou Guerra Suja

Isaías Samakuva, na época tratado por “coronel” pelos dirigentes sul-africanos, foi um dos executores da operação que consistiu em esconder 20.000 soldados da UNITA, para o seu partido tomar o poder pela força, caso Savimbi perdesse as eleições de 1992, como perdeu.

Uma das bases está aí, com as coordenadas e tudo:

As instruções foram dadas pelo Chefe do Estado-Maior da Inteligência Militar da África do Sul, comandante De la Ray. A mesma ordem foi dada a Abílio Camalata Numa. O documento, classificado de “secreto”, foi emitido no dia 5 de Junho de 1991, apenas cinco dias depois da assinatura do Acordo de Bicesse, a 31 de Maio.

O comandante De la Ray mandou uma cópia das ordens para o chefe das Forças de Defesa e Segurança (SADF), general Geldenhuys, um dos oficiais do regime de apartheid que assinou a capitulação nos Acordos de Nova Iorque, depois da derrota no Triângulo do Tumpo, à vista do Cuito Cuanavale. A mensagem secreta foi enviada ao Chefe dos Serviços de Combate e ao Chefe da Logística sul-africanos, para garantir abastecimentos aos 20.000 militares, aquartelados em bases no Cuando Cubango, em locais entre as fronteiras da Zâmbia e da Namíbia.

A ordem de operações enviada à direcção da UNITA é detalhada. O comandante sul-africano de La Ray diz que está autorizada a “transferência urgente de 20.000 tropas da UNITA para o Sul”. O Chefe do Estado-Maior da Inteligência Militar de Pretória indica na mensagem secreta, as bases: “Girafa, Palanca, Tigre e Licua, cerca de sete mil homens em cada uma”. 

A ordem a Savimbi e seus ajudantes tinha um detalhe: “escolher os melhores comandantes”. A direcção da UNITA cumpriu a ordem do chefe, sem qualquer hesitação. O comandante De la Ray, na sua mensagem secreta, mandou também transferir para aquelas bases “todas as anti aéreas, incluindo os Stingers”. Também esta ordem foi cumprida. 

A parte final da mensagem secreta do Chefe do Estado-Maior da Inteligência Militar sul-africana ordenava a transferência para as bases Girafa, Palanca, Tigre e Licua, de “todas as armas pesadas”. O que foi também integralmente cumprido.

A Inteligência Militar de Pretória continuava a apoiar a guerra suja da UNITA, mesmo depois dos Acordos de Nova Iorque. Adalberto da Costa Júnior, dirigente e deputado do Galo Negro, revela um dado que torna este comportamento normal: “Em 1995, Jonas Savimbi recebeu um importante convite para visitar a África do Sul, dirigido por Nelson Mandela, então Presidente da República. Nelson Mandela recebeu o Dr. Savimbi e a sua delegação na sua aldeia natal, em Qunu, dia 17 de Maio de 1995. Os africanos sabem o que significa receber alguém na sua própria aldeia”. 

O autor desta afirmação tem pouca credibilidade, mas se é verdadeira, está explicado o envolvimento da Inteligência Militar da África do Sul, na preparação da guerra depois das eleições de 1992, nas quais a UNITA foi estrondosamente derrotada. O acto eleitoral foi blindado e as eleições fiscalizadas pela ONU e pela Troika de Observadores, o que tornava impossível qualquer fraude. Informações credíveis dão conta que Nelson Mandela mandou Savimbi parar com a guerra e aconselhou-o a respeitar os resultados eleitorais. 

Primeira Tentativa de Golpe

Jonas Savimbi e os seus homens nunca tiveram a intenção de respeitar o Acordo de Bicesse. Por isso, logo no dia 5 de Junho de 1991 foi montada a operação de esconder 20.000 homens em bases secretas do Sudeste de Angola. Quando o comandante De la Ray, Savimbi, Samakuva e Numa concluíram a operação, estavam criadas as condições para a UNITA tomar o poder através de um golpe militar. Sean Cleary foi um dos mentores deste projecto, como é amplamente demonstrado em documentação que constava nos arquivos de Savimbi e do partido, abandonados em Luanda e no Andulo.

A primeira tentativa de golpe militar foi proposta por Savimbi ao subsecretário de Estado Herman Cohen, na sua casa do Miramar, em Luanda. Mas o caudilho foi surpreendido com a recusa do político norte-americano, que insistiu na necessidade de serem realizadas as eleições e respeitados os seus resultados. 

Savimbi argumentou: “as FAA não existem e o Governo está desarmado. Eu tenho tropa para tomar o poder, as eleições não interessam para nada”. Herman Cohen recusou. Exigiu que a UNITA respeitasse o que estava acordado. O próprio, anos depois, revelou este encontro com todos os detalhes.

A direcção da UNITA fez outras tentativas de impedir as eleições para tomar o poder pela força. Estão registadas documentalmente e foram recusadas pela representante do Secretário-Geral da ONU em Angola, Margareth Anstee, pelos membros do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e por quase todos os partidos concorrentes.

Denúncia de Puna e Tony

Nzau Puna e Tony da Costa Fernandes abandonaram a UNITA em conflito directo com Savimbi. E eram fundadores do partido. O assassinato de figuras importantes do movimento ditou o divórcio. Jorge Sangumba, padre Camilo Cangombe, a família Chingunji, quase toda dizimada, António Vakulukuta, Wilson dos Santos e tantos outros provocaram a cisão.

Tony e Puna já não estavam nos segredos da organização. Mas souberam que a UNITA tinha escondido um grande exército e armamento, para tomar o poder pela força caso perdesse as eleições. Margareth Anstee foi apanhada de surpresa. E garantiu que a ONU ia investigar se a denúncia dos dois generais de Savimbi eram verdadeiras. Poucos dias depois saiu o veredicto: Não há indícios de existência de tropas escondidas em Angola! 

Mas existiam 20.000 homens, entre eles os melhores comandantes, que dispunham de anti-aéreas incluindo Stingers e armas pesadas. E não tardou a chegar a segunda tentativa de golpe militar.

O coronel Samakuva concluiu a operação secreta e partiu para outras missões, no estrangeiro. Abílio Numa ficou e acabou por ser uma peça importante nos acontecimentos que se seguiram. Houve um momento em que a tensão era tal que foi colocada ao Conselho Nacional Eleitoral, presidido por Onofre Martins dos Santos, a hipótese de um adiamento das eleições.

Os membros daquele órgão assumiram as suas responsabilidades e decidiram prosseguir com o processo eleitoral. Onde a UNITA não permitiu a presença de delegados dos outros partidos, as eleições faziam-se na mesma. Um avião ao serviço do CNE foi atacado na província do Uíje. Noutros locais os funcionários da instituição eram impedidos de trabalhar. Mas houve mesmo eleições em 29 e 30 de Setembro de 1992. O segundo golpe foi então posto em marcha.

Acordo de Bicesse Rasgado

No dia 31 de Maio de 1991 a UNITA assinou o Acordo de Bicesse. No momento em que o Presidente José Eduardo dos Santos estendia a mão a Savimbi, o comandante De la Ray tratava de esconder 20.000 tropas do Galo Negro nas bases “Girafa”, “Palanca”, “Tigre” e “Licua”. Para os “acantonamentos” iam soldados que nunca fizeram a guerra e as armas eram obsoletas. No dia 5 de Junho, com a mensagem secreta do Chefe do Estado-Maior da Inteligência Militar da África do Sul, a direcção da UNITA começou a rasgar o acordo. Mais uma vez, Savimbi fugia das eleições. Fez o mesmo em 1975 com o Acordo de Alvor.

Apesar das demonstrações de força em Luanda e noutras cidades do país, a UNITA não conseguiu travar o processo eleitoral. O Bairro do Miramar estava sitiado por “comandos” da UNITA que nem sequer respeitavam diplomatas e membros do Governo que habitavam a zona. Existia uma efectiva ocupação militar dos centros urbanos, patrulhados pelas famosas “GMC”. Mas nos dias 29 e 30 de Setembro houve mesmo eleições e os eleitores falaram alto.

O MPLA venceu com maioria absoluta. A UNITA disse que houve fraude, usurpando o papel dos árbitros que eram a ONU e a Troika de Observadores (Portugal, Rússia e EUA). Savimbi decidiu ser ao mesmo tempo jogador e árbitro. Quando em nome da comunidade internacional Margareth Anstee proclamou os resultados eleitorais e considerou as eleições “transparentes, livres e justas”, Savimbi partiu para a rebelião armada. 

Salupeto Pena, Ben-Ben, Jeremias Chitunda, Alicerces Mango, Abel Chivukuvuku e outros altos dirigentes da UNITA lançaram a segunda tentativa de golpe militar em Luanda. Foram derrotados pelos angolanos. Primeiro, nas urnas de voto. Depois durante os combates nas ruas de Luanda e outros centros urbanos. O Acordo de Bicesse foi reduzido a cinzas e ensopado com o sangue de milhares de angolanos.
 
A base de Licua

Uma das bases onde foram escondidos os militares da UNITA era a de Licua. No Cuando Cubango há uma aldeia Licua, entre Luenge e Dirico. Há outra aldeia Licua entre Mavenge e Lumeia, na estrada para Xamavera. 

A Licua da operação secreta foi inventada pela Inteligência Militar da África do Sul. Fica na confluência dos rios Luenge e Lumuna, na reserva do Mucusso. Tem as seguintes coordenadas: Latitude, 17 graus e um segundo Sul. Longitude, 21 graus e 17 segundos Este. Quem quiser verificar a traição pode ir lá ver os restos.

As outras bases que serviram para pulverizar o Acordo de Bicesse, estavam localizadas entre a fronteira da Zâmbia e da Namíbia, no Sudeste de Angola, mas longe da Jamba para não levantar suspeitas. Savimbi e toda a direcção da UNITA foram responsáveis directos pela rebelião armada contra a democracia, depois das eleições de Setembro de 1992.”

Chegou a hora de pôr o corredor do Lobito a correr para bem longe do poder em Angola. Quem pensa que a UNITA é alternativa, aí ficam as provas da sua traição ao regime democrático, que dava os primeiros passos. A UNITA é uma associação de malfeitores, não é um partido. Haja coragem no seio do MPLA para correr com o corredor do Lobito, de seu nome João Lourenço.

* Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana