Hoje é o dia da Libertação da
África Austral. Em
BATALHAS NO TRIÂNGULO DO TUMPO
Portas Abertas à Paz e Reconciliação Nacional
Uma Extensa Planície Limitada por Três Rios É a Catedral da Liberdade
ARTUR QUEIROZ* (TEXTO)
PAULINO DAMIÃO (FOTOS)
A manhã está fria apesar do sol aberto. Na aldeia de Samaria algumas crianças brincam no areal. Junto a dois gigantescos eucaliptos três famílias esperam transporte para Mavinga. Depois da ponte do rio abre-se a imensa planície do Triângulo do Tumpo. Acabámos de chegar à Catedral da Liberdade. Aqui as tropas sul-africanas foram derrotadas pelos angolanos e assim o mundo foi libertado do regime de apartheid, o maior crime que alguma vez se abateu sobre a Humanidade.
A catedral tem duas paredes: uma pequena colina à esquerda, que é o território com mais minas do mundo. E uma elevação mais pequena, à direita, que poisa suavemente no rio. Os vitrais são os rios Cuito, Cuanavale e Tumpo. Uma Bandeira Nacional tremula à suave brisa da manhã.
General Nando Cuito, então chefe do estado-maior da IV Região (Cuando Cubango), fala do Triângulo do Tumpo:
(A 47ª Brigada foi derrotada no Lomba, em 1987. Saí da V Região e fui ocupar o cargo de chefe do estado-maior da VI Região Militar, Cuando Cubango. Fiquei aqui até finais da Batalha do Cuito Cuanavale, em Junho de 1988. Para mim, o nosso êxito deveu-se à limpeza da estrada entre Menongue e o Cuito Cuanavale. O abastecimento logístico era feito a partir dos portos de Luanda, Lobito e Namibe. Armas, munições e víveres chegavam ao Cuito Cuanavale por terra. Limpar a estrada foi fundamental).
Entre Menongue e Cuito Cuanavale
são
(Kuhumwangele ndyileke nane, ndyileke nane Kuhumwangele, ndyileke nane linga ndyileko. Diz-me onde está a minha mãe, diz onde está a minha mãe para eu lá ir).
Aqui estou, no Triângulo do Tumpo que tem três mães que são três rios. A Catedral da Liberdade a céu aberto foi construída com sangue, músculos, inteligência, coragem, amor, milhares de vidas jovens, na belíssima flor da vida. À boca dos pântanos bandos de aves voam rentes à massambala e perdem-se no horizonte das imensas chanas que em breve vão ficar alagadas. Sim, aqui já foi o fim do mundo para milhares de jovens que ofereceram as suas vidas pela Paz e a Reconciliação Nacional. Mas acima de tudo, para libertarem a Humanidade da vergonha do apartheid. Angola é a mãe de todos os heróis.
Os pássaros cantam trovas dolorosas por essas vidas que jazem nas terras sagradas do progresso: O Cuando Cubango. Chorar os nossos mortos é um imperativo. Por isso aqui a vida é um hino sagrado que se esvai em pequenos poemas ritmados pelo sol.
General Nando Cuito:(As colunas de reabastecimento
tinham imensas dificuldades. A UNITA concentrou grandes forças ao longo da via
com a missão de impedir que atingissem o Cuito Cuanavale. Essas acções da UNITA
eram apoiadas por golpes aéreos da aviação sul-africana. As colunas tinham 200
viaturas carregadas. Levávamos entre 15 e 20 dias para fazer
Reconciliação Nacional
A Reconciliação Nacional só existe efectivamente quando todos os angolanos fizerem do Triângulo do Tumpo um lugar de culto. Quando todos nos revirmos nas águas límpidas dos três rios que são os vitrais da Catedral da Liberdade. Só seremos dignos da Mãe Angola quando respeitarmos este lugar onde foi destroçado o regime de apartheid, naquele dia 23 de Março de 1988.
Todos os combatentes eram angolanos. Todos os oficiais e sargentes eram angolanos. As tropas dependiam directamente do Comandante em Chefe e dos oficiais do seu estado-maior, entre os quais o grande capitão Zé Maria. Os invasores estrangeiros foram destroçados. Todos os angolanos têm que exaltar as tremendas batalhas do Triângulo do Tumpo. Angola precisa que todos os seus filhos a amem.
(Tumbulangombe ndyikuhe, mwana lipanda kalunga. Um filho não tem preço!).
No Triângulo do Tumpo os Heróis da Batalha do Cuito Cuanavale deram ao destino dos angolanos a montanha livre, o rio insubmisso e a lavra dourada de frutos maduros. Acalentaram o voo raso dos sonhos daqueles que nunca tiveram mãe nem fizeram ninho.
Naqueles areais, na banheira alagada pelas chuvas de Março, naquele imenso campo de batalha foram abertas de par em par as portas da Paz, da Reconciliação Nacional e da Liberdade. Ali foi destroçado o regime de apartheid. Não adianta esconder a verdade, quando ela tem a dimensão de um Povo.
Fala o General Nando Cuito:
(Entre Menongue e Luassingua
éramos vítimas das acções de minagem e flagelações de artilharia. De Luassinga
ao Longa eram ataques de tropas terrestres, artilharia e aviação. João Baptista
Chindande (Black Power) comandava as tropas da UNITA. Um grande militar! Hoje
temos excelentes relações. Do Longa ao Cuito Cuanavale sofríamos pequenos
ataques esporádicos. Parte dos abastecimentos, combustíveis, munições ficavam
na estrada. Quando estabilizámos a situação no Triângulo do Tumpo a vitória
dependia da estrada. Tivemos um reforço: a 10ª Brigada de Infantaria do capitão
Incendiário, que morreu mais tarde
Cuito Cuanavale à Vista
Junto à Bandeira Nacional olho para trás e vejo a vila do Cuito Cuanavale. O comandante da 61ª brigada de tanques, Mike Muller, tinha razão quando escreveu: “se conquisto o Tumpo vou direito ao Cuito Cuanavale”. Não conseguiu. Foi exonerado e despromovido. Deixou no terreno muitos blindados e soldados mortos.
General Nando Cuito:
(Neste período colocámos meios
anti aéreos ao longo da via e montámos emboscadas
Angola em 1987 era um país muito jovem. Os seus militares tinham quase a mesma idade. É loucura fazer uma guerra contra tantos jovens mas tão experientes e conhecedores da arte militar. Foram crianças para Cuba, onde fizeram o ensino secundário. Depois partiram para a União Soviética onde frequentaram as academias militares. Falavam melhor espanhol e russo do que português. Por isso o inimigo dizia que eram russos e cubanos!
Mas no Triângulo do Tumpo, soldados, sargentos, oficiais e comandantes eram todos angolanos. O comandante era Ngueto, o general dos generais.
Fale, General Nando Cuito!
(As forças inimigas em terra
ficaram desprotegidas. E o comando sul-africano fez uma fuga para a frente,
avançando para o Triângulo do Tumpo a todo o gás, com os tanques Elephant
A Ponte da Vitória
Os tanques sul-africanos encontraram os pântanos e tiveram de recuar. Tentaram passar pelas colinas, as duas paredes da Catedral da Liberdade, e caíram em armadilhas terríveis, feitas com bombas da aviação avariadas e caixas inteiras de TNT. O oficial engenheiro que fez este serviço é o coronel Jorge, decano e professor no Instituto Superior de Engenharia Militar. Diz com orgulho que é “filho” do Padre Ferreira, que dirigia a Casa dos Rapazes do Huambo.
Aquelas bisarmas de ferro caíam
nas armadilhas e subiam a mais de dez metros de altura. Os motores Magirus de
12 cilindros voavam e iam parar a
Memória do General Nando Cuito:
(O rio Cuito e o rio Cuanavale unem-se e fazem um só. A ponte deste curso de água, junto à aldeia de Samaria, era muito importante para abastecermos as tropas. Mas foi destruída pelo inimigo. Mandaram três aviões, derrubámos dois mas o terceiro destrui-a. Procurámos os pilotos mas não encontrámos ninguém. Eram drones!)
O engenheiro Jorge conseguiu recuperar a ponte em quatro dias com ferro e cimento que chegou num avião “Hill”, protegido pelos “SU” e os “Mig”. Os racistas de Pretória ficaram desmoralizados. Começaram a perceber que estavam derrotados. Aqueles militares jovens tinham muita sabedoria e a coragem de quem defende a Mãe Angola.
Palavras do General Nando Cuito:
(Eu confiava muito na 59ª Brigada de Infantaria Motorizada, comandada pelo capitão Arnaldo Hyshendyelekwa Cambissula. O Arnaldo causou grandes perdas ao inimigo: O Batalhão Búfalo sofreu muito. Abateu dois aviões e tomou um centro de comunicações. Tentou trazê-los para o Cuito Cuanavale, mas os ataques da aviação intensificaram-se tanto que ele abandonou os troféus de guerra. O êxito deveu-se muito ao facto de tomarmos uma posição vantajosa no terreno. Ficámos mais altos do que eles. Isto foi conduzido pelos coronéis Ngueto e Vietname. Mas as ordens vinham directamente do Comandante em Chefe através do general Ndalu. Ficámos mais altos e dominávamos todo o terreno).
A Catedral da Liberdade
Dia 23 de Março 1988.
(Nesse dia, às três da manhã, o
inimigo atacou em força, debaixo de chuva. Até às 17h00. Nós disparávamos com
artilharia. Tudo o que era tubo de fogo, despejamos para cima deles. Recuaram.
Perseguimos o inimigo com aviação e artilharia. Até Chambinga. Vir foi fácil.
Ir foi muito difícil. Muito material destruído, tanques avariados. Queriam
chegar a Chambinga para atingirem Mavinga. Ficaram ali atolados. Saíram em
Junho de 1988. Nós só tínhamos capacidade para a defensiva, não para a
ofensiva. Se as tropas cubanas tivessem entrado em combate, para os
sul-africanos era o descalabro. Mas os cubanos estavam a
Os Morcegos do Capitão
O capitão engenheiro Jorge criou o Pelotão Morcego. A artilharia chegou perto do Triângulo do Tumpo e dessa posição bombardeava a pista do aeroporto do Cuito Cuanavale. Os “morcegos” dormiam de dia e só viviam de noite. Adaptaram a vista ao período nocturno e mal o sol se punha começavam a reparar a pista: compactavam e asfaltavam os buracos causados pelos obuses da artilharia inimiga. De manhã, a pista estava operacional.
Hoje o coronel engenheiro Jorge está a escrever um livro onde explica às gerações vindouras todas as acções de engenharia efectuadas nas batalhas do Triângulo do Tumpo e Chambinga.
Mortos nos Funerais
Milhares de jovens angolanos morreram no Triângulo do Tumpo em defesa da Pátria e na destruição do regime de apartheid. Mas o inimigo, nem os mortos deixava em paz, matando aqueles que os acompanhavam ao cemitério, localizado nas proximidades da ponte sobre o rio Cuito Cuanavale.
General Nando Cuito:
(Os sul-africanos trouxeram a artilharia pesada para perto do Triângulo do Tumpo. Como estavam numa zona mais elevada, viam o cemitério. Tiraram as coordenadas com um GPS, e quando íamos enterrar os nossos mortos, eles atacavam com a artilharia e ficavam lá mais quatro ou cinco. Num funeral morreram 13 camaradas. Nesse dia decidimos colocar o cemitério na estrada para Menongue. Nunca mais houve problemas).
No Triângulo do Tumpo só combateram angolanos. O comando era de angolanos. E do outro lado?
O general Nando Cuito responde:
(No Tumpo eram apenas sul-africanos. Andavam dois homens da UNITA no Chambinga e Cuzumbia, o Pongolola, já falecido, e o Renato Campos. Outro homem que estava no apoio aos sul-africanos era o logístico da UNITA na base do Licua: Sebastião Lameira. Um tanque sul-africano atropelou-o e eles abandonaram-no gravemente ferido. Nós salvamos-lhe a vida. Teve cuidados médicos e foi tratado como um irmão. Soube dele nas últimas eleições, quando disse mal de nós e nos insultou).
Comandantes das Brigadas
Na “caixa” de Chambinga e no Triângulo do Tumpo estiveram as seguintes unidades: A 25ª Brigada de Infantaria Motorizada comandada pelo capitão Valeriano. A 59ª Brigada de Infantaria Motorizada, comandada pelo capitão Arnado Hyshendyelekwa Cambissula. A 21ª Brigada de Infantaria do capitão Ngueleca. Terceiro Grupo Táctico (um batalhão de tanques e um batalhão de infantaria de desembarque e assalto) comandado pelo segundo tenente Beto e depois pelo segundo tenente Remígio.
Na outra margem do rio Cuito Cuanavale (lado da vila) estavam a 13ª Brigada de Desembarque e Assalto comandada pelo capitão Kiluanji, depois pelo capitão Missai e no fim pelo primeiro-tenente Keba, hoje coronel e o único que está vivo. A 16ª Brigada do capitão Sacudido (falecido em combate). A 66ª Brigada de Infantaria do capitão Cangamba (morreu em combate). A 36ª Brigada de Infantaria do capitão Napoleão, hoje brigadeiro. A 8ª Brigada de Infantaria e Abastecimentos do capitão Zenzeca. A 10ª Brigada de Infantaria do capitão Incendiário.
A 52ª Brigada de Artilharia e
Foguetes do capitão Jota (falecido em combate). A 24ª Brigada de Foguetes anti
aéreos e rádio localização do capitão Faz Tudo (hoje é capitão de mar e
guerra). Eram os Pitchora. Atingiam
Tinha o regime activo onde os
motores o impulsionavam até
A 68ª Brigada de Artilharia Terrestre e Foguetes do capitão Moniz. E por fim a 244ª Brigada Especial que actuava na retaguarda do inimigo, comandada pelo capitão Samuconga, hoje general e pelo capitão Yola que faleceu no posto de brigadeiro.
Operações do Apartheid
As forças do apartheid lançaram sobre o Triângulo do Tumpo três operações. A primeira, a “Moduler” foi lançada para travar a operação “Saudemos Outubro”, das FAPLA. Tinha dois módulos: Travar a ofensiva das tropas angolanas, que teve êxito, e cruzar a ponte do Chambinga até ao início de Dezembro para as tropas sul-africanas irem passar o Natal a casa. Este módulo, falhou. Tiveram de ficar no terreno, enfrentado as tropas angolanas.
Logo a seguir foi lançada a operação “Hooper”, o nome de um pássaro pernalta que vive nos pântanos e não suja as penas. Falhou. Os racistas de Pretória ficaram muito sujos. Fugiram para o outro lado do rio Chambinga com pesadas baixas no terreno.
A seguir foi lançada a operação “Packer”. O alto comando sul-africano quando lançou este ataque ao Triângulo do Tumpo era o tudo ou nada: Um de nós vai ser empacotado! Eles é que tiveram de empacotar as imbambas e fugiram.
Por fim lançaram a operação “Displace”. Foi a retirada mais ou menos ordenada para casa. Nunca mais conspurcaram a Catedral da Liberdade.
O chefe do Exército sul-africano, general A. J. Liebenberg, depois da derrota no Triângulo do Tumpo foi demitido.
Aos que levaram para Mavinga o presidente Botha, chefe do apartheid, manchando a honra de um Povo Heroico, os ngangelas têm um recado:
Mityi veku’izivila mkuvimayima vyayo. As árvores conhecem-se pelos seus frutos!
A reconciliação Nacional nasceu no Triângulo do Tumplo e floresce no coração de todos os patriotas.
O Comandante
* Jornalista
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